Após farinata, seca e roubo de merenda, faltam propostas sobre alimentação em SP

Fome e doenças crônicas são citadas de forma vaga pelos candidatos ao governo paulista, que ignoram obesidade

Na corrida eleitoral do estado mais rico da federação, os quatro candidatos que lideram as últimas pesquisas têm muito pouco a dizer sobre segurança alimentar e nutricional e doenças crônicas não transmissíveis. O Joio estudou os planos de governo dos postulantes ao Palácio dos Bandeirantes, como fez com os presidenciáveis, e destacou quais as propostas de Paulo Skaf (MDB), Márcio França (PSB), Luiz Marinho (PT) e João Doria (PSDB) para os temas em questão.

A economia paulista compõe cerca de um terço do total do PIB nacional, segundo o IBGE, e o estado é aquele onde moram mais pessoas em todo o país: reúne cerca de 45,4 milhões de habitantes dos 207,7 milhões de brasileiros. São Paulo tem não só importância financeira, como política. Nas eleições para a Presidência da República, um ex-governador e um ex-prefeito da capital concorrem.

É de se esperar, portanto, que um candidato que busque ocupar o Palácio dos Bandeirantes tome medidas que podem se tornar referência para o país. Mas se engana quem acha que o tema alimentar seja um ponto pacífico nas propostas. Não é preciso voltar tanto no tempo para recordar.

São Paulo, em 2014, enfrentou a mais grave crise de desabastecimento de água da história, prejudicando a produção de alimentos, a nutrição e a saúde de seus habitantes. Depois, em 2016, um escândalo de corrupção veio à tona, mostrando o desvio de recursos para a compra das merendas das escolas públicas estaduais. À época, refeições completas oferecidas aos estudantes, com arroz, feijão e mistura, foram trocadas por bolachas ou outras comidas-tranqueira.

Tem mais: em 2017, o então prefeito da capital, João Doria, propôs a distribuição de farinata, um composto ultraprocessado de alimentos por vencer, para amenizar a fome da população em situação de rua e em insegurança alimentar. A ideia, muito criticada por entidades da sociedade civil e vista com maus olhos pelo Ministério Público, foi descartada.

O direito a se alimentar de forma adequada e saudável está contemplado no artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. É preciso que a população tenha acesso a alimentos de verdade, de preferência in natura, que foram cultivados e estejam em bom estado —não farinatas. A lógica do “isto é melhor do que nada” não serve para resolver a questão.

Tendo isso em vista, a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, um conjunto de 38 organizações de sociedade civil e do meio acadêmico, apresentou aos postulantes a governador, tal como fez aos candidatos a presidente, uma carta-compromisso com dez propostas que de tratam alimentação, saúde e nutrição. Até a publicação desta reportagem, nenhum dos quatro candidatos analisados havia firmado o documento.

Mas vejamos o que eles dizem nos planos de governo que entregaram à Justiça Eleitoral.


João Doria

O ex-prefeito da capital João Doria, candidato pelo PSDB (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

O mesmo candidato que quis resolver o problema da fome na capital com a farinata cita uma única vez as palavras “alimentos” ou “nutrição” no seu plano de governo. Segurança alimentar sequer aparece nas propostas do postulante da coligação “Acelera SP” (PSDB/PSD/PRB/DEM/PP/PTC).  Quando fala do assunto, Doria trata da produção agropecuária de modo vago: “Em parceria com empresas e entidades representativas (…) fomentaremos a oferta de alimentos.”

Doenças crônicas não transmissíveis tampouco estão no programa do tucano. Enfermidades do tipo, como câncer, diabetes, obesidade e problemas cardiovasculares, podem decorrer da má alimentação e são a principal causa de mortes no país. Mesmo assim, o candidato diz: “A saúde pública é um dos mais importantes temas no âmbito de governo, representando uma das minhas principais prioridades, como candidato ao Governo do Estado de São Paulo.”


Luiz Marinho

O ex-prefeito de SBC, Luiz Marinho, candidato pelo PT (Foto: Paulo Pinto/Agência PT)

O petista, ex-prefeito de São Bernardo do Campo, tem o mais enxuto dos programas de governo analisados, com 18 páginas. O candidato da coligação “São Paulo do Trabalho e de Oportunidades” (PT/PCdoB) cita o tema alimentação no documento por duas vezes. Fala tanto em criar um sistema de assistência estudantil, com a oferta de bolsas para alunos, quanto em atingir as metas de Política Nacional de Alimentação Escolar — que fará com que 30% da comida comprada pela Secretaria Estadual de Educação seja proveniente da agricultura familiar.

Ele também tem propostas para dar força à produção de gêneros orgânicos com o “desenvolvimento de um plano de armazenamento, logística e abastecimento (…) em parceria com os produtores”.

Marinho ainda diz que pretende “priorizar  a prevenção e o controle de doenças preveníveis (…) assim como condições crônicas (câncer, AVC,  diabetes, asma, hipertensão, obesidade, violências, acidentes de trabalho, doenças demenciais etc)”.


Márcio França

O governador de SP em exercício, Márcio França, candidato pelo PSB (Foto: Divulgação)

Com o mais longo dos planos de governo, com 68 páginas, o governador em exercício e candidato à reeleição fala duas vezes em alimentação e uma em segurança alimentar, além de discorrer em diversas passagens sobre a agricultura familiar. Na 23ª proposta sobre saúde diz querer: “Investir na prevenção para a saúde mediante  um meio ambiente salutar, alimentação adequada, boas condições de higiene e sanitárias etc.” Afirma que, para isso, pretende “integrar-se com a sociedade civil” por meio de órgãos como o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), embora não detalhe de que forma.

Por três vezes o postulante da coligação “São Paulo Confia e Avança” (PSB/PSC/PPS/PTB/ PV/PR/PODE/PMB/PHS/PPL/PRP/PATRI/PROS/SDD/Avante) cita o problema das doenças crônicas não transmissíveis, reconhecendo que é a principal causa de mortes no Brasil. Ele declara querer criar programas de informação, prevenção e tratamento para essas enfermidades. Diz, ainda, que vai estimular o aleitamento materno e combater a obesidade infantil. Mas não explica como.


Paulo Skaf

O presidente da FIESP, Paulo Skaf, candidato pelo MDB (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

O postulante ao Palácio dos Bandeirantes pelo MDB menciona três vezes a alimentação no seu programa de governo. No entanto, em uma única delas o termo aparece relacionado a uma proposta, quando o candidato diz, tratando de saúde, que desenvolverá ações de “estímulo ao esporte e à alimentação saudável”. E só. Nas outras duas ocasiões, Skaf fala de “alimentação balanceada” vangloriando-se da tipo de merenda que é oferecida aos estudantes das unidades do Serviço Social da Indústria de São Paulo (SESI-SP), ligada à Federação das Indústrias do Estado (Fiesp), entidade da qual ele é presidente há 14 anos.

O emedebista ainda afirma que pretende fortalecer a produção agropecuária paulista, melhorando os sistemas de defesa e de inspeção. E promete implementar o Sistema Unificado de Atenção de Sanidade Agropecuária (Suasa).

Não há qualquer discussão sobre doenças crônicas não transmissíveis no plano do candidato.

Por Guilherme Zocchio

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