Ninguém sabe explicar com quem o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Refrigerantes se encontrou
O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Refrigerantes e Bebidas Não Alcoólicas (Abir), Alexandre Kruel Jobim, passou pela portaria do Palácio do Planalto ao meio-dia e catorze do dia 20 de setembro. Talvez, estivesse passando por ali e tenha resolvido entrar para tomar um café ou usar o banheiro. Ninguém sabe explicar o que o representante de Coca-Cola e Ambev foi fazer no edifício presidencial naquela quinta-feira.
Fato é que Jobim não figura na agenda oficial de nenhum ministro, secretário ou diretor palaciano. Tampouco na de Michel Temer. A assessoria de comunicação do Planalto não sabe onde esteve o presidente da Abir. Já a assessoria da associação empresarial está em reunião constante desde 22 de outubro, quando fizemos o primeiro contato.
Jobim é um homem de conhecido bom trânsito na capital. Advogado, já trabalhou para a Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e para a Federação Nacional das Empresas de Rádio e Televisão (Fenaert), e mantém um escritório especializado na atuação junto a tribunais superiores.
O pai dele figura como consultor do escritório. É Nelson Jobim, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e ministro dos governos FHC, Lula e Dilma.
Setembro foi um mês particularmente agitado para os associados da Abir. Jobim, o filho, tinha interesses a discutir no Planalto, como teriam praticamente todos os cidadãos brasileiros, embora poucos possam entrar no palácio sem figurar em agendas oficiais.
Coca-Cola e Ambev brigavam desde maio para revogar o decreto de Michel Temer que havia começado a retirar os subsídios à produção de refrigerantes. Desde a década de 1990, as corporações transferiram para a Zona Franca de Manaus a fabricação dos concentrados, ou seja, dos xaropes usados em bebidas açucaradas.
Assim, ganham uma série de isenções estaduais e federais. Nesse caso, o decreto de Temer havia mexido no crédito de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Pela Constituição, o tributo cobrado entre uma etapa e outra de fabricação dá direito a um crédito. É uma maneira de garantir que a carga tributária não vá se acumulando até chegar ao consumidor final.
No caso da Zona Franca, não há pagamento de IPI, mas, ainda assim, as empresas nunca se fizeram de rogadas em cobrar o crédito. A Receita Federal tenta, há mais de vinte anos, reverter a situação. A Procuradoria da Fazenda Nacional alertou ainda nos anos 1990 que o esquema constituía “enriquecimento ilícito” e alertou para os riscos de superfaturamento.
No entanto, Jobim, o pai, foi o condutor de uma controversa decisão do STF em favor das grandes fabricantes. Durante julgamento em 1998, ele afirmou que, apesar dos indícios de preços superfaturados, seria importante manter o esquema por uma questão concorrencial entre Coca e Antarctica, então fabricante do Guaraná.
Mostramos aqui no Joio que por várias vezes houve uma articulação política para garantir que o governo mantivesse as regras.
Em maio de 2018, porém, com a situação financeira agravada, Temer lançou mão do decreto, que de imediato suscitou a reação de parlamentares que receberam investimentos das fabricantes de refrigerantes nas eleições de 2014. As grandes empresas conseguiram fazer com que o Senado aprovasse um projeto sustando o decreto de Temer, mas, com a chegada das eleições, o tema ficou parado na Câmara.
Foi nesse ínterim que Jobim, o filho, entrou no Planalto. Sete dias mais tarde, Temer publicou novo decreto. “A Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e Bebidas não Alcóolicas (Abir) reconhece a medida como uma tentativa do Governo Federal de amenizar parcialmente o grande impacto suportado pelo setor desde a inesperada e abrupta mudança de alíquota, de 20% para 4%”, manifestou a entidade, em nota.
Ou seja, trata-se de um caso raro: uma situação em que as empresas vão até o governo pedir aumento de impostos. O que o novo decreto de Temer fez foi deixar a situação no meio do caminho.
A Receita calcula que os incentivos de IPI se aproximavam de R$ 2 bilhões ao ano. A expectativa era recuperar todo esse dinheiro com o decreto de maio. Com a alteração de setembro, o governo devolve gradativamente os subsídios ao longo de 2019, até que a situação se restabeleça integralmente em 2020. Isso é, se no meio do caminho as corporações não conseguirem obter na Câmara o cancelamento total do decreto de maio.