O consumo de bebidas açucaradas, como refrigerantes, néctares e sucos, caiu no México após receber, em 2014, uma taxação extra sobre a venda. A constatação é de um artigo científico publicado no final do ano passado na revista Public Health Nutrition, da Universidade de Cambridge, que descreve um estudo por conduzido por quatro pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde Pública, do país, e da Universidade da Carolina do Norte, dos EUA.
O governo mexicano adotou, há cinco anos, um imposto sobre a comercialização de líquidos não alcoólicos adoçados. Para cada um litro de produto açucarado, passou a ser cobrada a quantia extra de um peso mexicano. A ideia seria desincentivar a compra dessas bebidas como uma medida de combate à obesidade. Segundo o Instituto Nacional de Saúde Pública, o México contabilizava na época cerca de 70% dos adultos e 30% das crianças acima do peso e era o segundo país da América Latina que mais consumia bebidas açucaradas — 150 litros anuais per capita.
A nova taxação surtiu efeito, de acordo com os pesquisadores Shu Wen Ng e Barry Popkin, dos EUA, e Juan A. Rivera e M. Arantxa Colchero, do México. Em 2014, quando a medida foi adotada, houve queda de 7,1% no consumo dos produtos, seguida por 18,5% no ano seguinte, em relação ao período anterior à aplicação do tributo. As aferições estão no artigo denominado (em tradução livre) “Os compradores de bebidas com alto teor de açúcar reagiram diferentemente do imposto sobre o consumo de bebidas adoçadas no México?”.
Os quatro cientistas afirmam que as “evidências associando o imposto com maiores reduções entre os grandes compradores de bebidas açucaradas antes do tributo são relevantes, já que os principais compradores de tais produtos têm mais risco de desenvolver obesidade, diabetes, problemas cardiovasculares e outras doenças crônicas não transmissíveis”.
Os resultados aferidos pela pesquisa se juntam a duas discussões importantes. A primeira sobre a redução do consumo de alimentos ultraprocessados, como bebidas adoçadas e comida industrializada, tida como política de saúde importante para reduzir a incidência de doenças crônicas não transmissíveis. E a segunda a outras evidências que mostram que a regulamentação sobre a venda de tais produtos tem se mostrado como um meio efetivo para atingir esse objetivo.
No Chile, por exemplo, a adoção de rótulos com alertas em alimentos com excesso de sal, açúcar e gorduras, fez o consumo destes produtos cair, de acordo com outro estudo recente.
A pesquisa sobre o México buscou averiguar o impacto dos impostos sobre o consumo de bebidas. Na investigação, os quatro cientistas verificaram as compras de 50 mil lares do país no período entre janeiro de 2012 (antes da taxa) e dezembro de 2015 (depois da tributação), com base nas informações oferecidas pelos Serviços do Painel do Consumidor do México da Nielsen, uma empresa que monitora o mercado consumidor em diferentes países. A partir daí, constataram, de um lado, a queda na aquisição de bebidas adoçadas.
De outro, os pesquisadores também detectaram que houve um ligeiro aumento na compra de bebidas industrializadas não incluídas no tributo. Eles fizeram a ressalva, no entanto, que a mudança do tipo de produto consumido poderia não estar estimada com precisão, já que água e outros tipos de líquidos, como refrigerantes dietéticos (não taxados) não foram incluídos em sua totalidade na pesquisa.
O grupo de pesquisadores disse estar otimista quanto aos impactos da taxação de bebidas adoçadas para diminuir a incidência de doenças crônicas não transmissíveis, mas afirma que é preciso continuar monitorando os resultados no longo prazo. Este tipo de tributação é uma das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para diminuir os índices crescentes de enfermidades como câncer, diabetes, hipertensão, obesidade e problemas cardiovasculares.
“Isso poderia levar a reduções das disparidades de doenças não transmissíveis em termos de cuidados de saúde (…) Pesquisas futuras são necessárias no longo prazo para associar imposto sobre compras com hábitos de saúde e como os diferentes grupos respondem ou se adaptam ao longo do tempo”, concluem Wen, Popkin, Rivera e Colchero.
E no Brasil?
Por aqui, vamos na direção contrária, é claro. Apesar de haver em discussão no Congresso Nacional mais de uma proposta de taxação de bebidas adoçadas, o que se faz é o oposto. Há desde 1990 uma série de isenções para as fabricantes que tornam o negócio uma fonte de lucros açucarados que bebem dos cofres públicos. Somando todos os subsídios oferecidos às empresas de refrigerantes, a quantia total de impostos abatidos chega a R$ 7 bilhões.
Devido ao fato de estarem instaladas na Zona Franca de Manaus, as companhias fazem a produção dos xaropes utilizados na bebidas adoçadas por lá e espalham pelo país as suas engarrafadoras, que compram o que é produzido, diluem, embalam e repassam às distribuidoras.
Entre uma etapa e outra da fabricação, a Constituição prevê a possibilidade de cobrar um crédito em cima do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). É uma maneira de evitar que a tributação recaia toda sobre o consumidor final. Dessa forma, se uma engarrafadora compra o xarope a R$ 100, e há uma diferença tributária de 16%, tem direito a um crédito de R$ 16.
No caso da Zona Franca, porém, não há pagamento de impostos, mas as corporações do setor nunca se fizeram de rogadas em cobrar os créditos como se o IPI tivesse sido recolhido. Como mostrou a primeira reportagem de “O Joio e O Trigo”, em outubro de 2017, esse valor se aproxima de R$ 2 bilhões ao ano – número confirmado pela Receita Federal.
Quanto mais alta a nota fiscal, maior o crédito, o que funciona como estímulo ao superfaturamento e outras tramoias. A Receita Federal chegou a constatar uma diferença de 64 vezes entre o xarope vendido ao engarrafador e o custo real de produção. Já havíamos mostrado como havia uma discrepância grande entre o xarope vendido pela Coca ao mercado interno e o enviado para exportação.
Com notas fiscais tão altas em mãos, as corporações dão início a uma série de manobras que visam a justificar esses recursos. A engarrafadora recebe as notas como se fosse uma operação normal. Mas não as paga de fato, já que o dinheiro retorna por meio de transferências bancárias, garantindo a devolução daquilo que a compradora “pagou” a mais pelo xarope.
Revelamos recentemente o caso de uma engarrafadora da Coca-Cola que era investigada por supostamente incorrer no mesmo tipo de esquema. Além disso, um documento da Receita confirmou que uma das formas de superfaturamento são os gastos com direitos de marca e publicidade.