‘Cada um está submetido às éticas próprias’, diz diretor de instituto ligado à Coca-Cola

Em entrevista ao Joio, Franco Lajolo nega conflito de interesses no ILSI e afirma que regras coíbem eventuais desvios de conduta

A prioridade deve ser a ciência. Porém, conforme as regras de cada instituição que faz pesquisas. Essa foi a principal mensagem dada ao Joio pelo cientista Franco Lajolo, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP. O pesquisador é diretor e presidente do Conselho Científico e de Administração do International Life Sciences Institute (ILSI) no Brasil. Ele conversou conosco na tarde da última quinta-feira, dia 11, durante a realização do X Congresso do ILSI, em Águas de São Pedro, interior de São Paulo.

O ILSI é uma entidade criada em 1978 pela Coca-Cola para funcionar como o braço científico internacional da corporação nas áreas de alimentação e saúde. Além da gigante de refrigerantes, é financiado por Danone, Monsanto, Nestlé e muitas outras empresas. De lá para cá, ganhou influência e patrocinou pesquisas com resultados questionados pela comunidade científica.

No Brasil, o ILSI tem voz ativa na Anvisa, ocupando o espaço das universidades, devido à relação que tem com pesquisadores de diversas instituições de ensino. Mundo afora, o instituto coleciona apoio a estudos duvidosos. Por exemplo, como revelado pelo New York Times, quando patrocinou pesquisa sobre uma bebida láctea da Nestlé e da General Mills, falando, de modo previsível, dos benefícios que o produto oferece — isso é, deu exatamente o tipo de resultado que as empresas gostariam.

Acompanhado de sua assessora de imprensa, Juliana Caramelo, Lajolo detalhou como é a relação do instituto com os associados, negando que haja conflito de interesses na proximidade de grandes corporações com pesquisas que envolvem saúde. “A questão da integridade científica é um tema no mundo inteiro. Mas cada vez mais ela tem que ser aperfeiçoada”, afirmou. Para ele, evitar a fabricação de evidências duvidosas é uma questão de seguir as regras que cada instituição propõe.

“Toda pessoa que participa do ILSI tem que assinar um código de conduta que atende às normas gerais da ética, da pesquisa. E tem, também, como eu falei: cada um de nós está submetido dentro de sua área às éticas próprias”, disse.

Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista.

Joio: Como são definidas as pesquisas que o ILSI apoia? Qual o critério?

Lajolo: O ILSI não participa de pesquisas, não é uma agência que financia pesquisas. Ele procura estimular e divulgar o conhecimento científico. Um exemplo de conhecimento científico que é divulgado em seminários, congressos, nesses tipos de atividades. Temos algumas publicações com uma lista de temas. A gente procura se associar à ciência emergente, à ciência nova, à ciência consolidada e discutir essas questões. Há certa socialização de conhecimento, indo ao encontro, obviamente, de problemas que estão por aí.

Como são escolhidos estes temas?

Atualidade. O pessoal da academia junto ao ILSI sugere um tema. A gente tem forças-tarefa que são o braço científico [da entidade]. Essas forças-tarefa agem mais ou menos espontaneamente, têm um coordenador-científico que é da área e sugere temas. As pessoas do comitê [científico consultor] sugerem outros.

Às vezes, a indústria tem interesse em sugerir um tema: probióticos. Probióticos é uma área que a gente teve muita discussão no ano passado, porque tem muito avanço científico nos probióticos. É uma ciência que anda muito rápido. Algumas atividades são, digamos assim, publicações de interesse profissional. A gente tem publicações sobre alimentação, idoso, questões ligados a quais são as recomendações da sociedade científica.

Com interesse profissional, você diz criar produtos?

É, uma espécie de colocar junto tudo o que existe. O que fala a academia, o que é que fala não sei o quê, como é que o tema está sendo discutido. Isso entra em um documento publicado. Quem quiser utilizar, usa. Se a Anvisa quiser utilizar, usa. E é claro que os temas têm uma direção aplicada.

São temas contemporâneos: envelhecimento, colesterol, pressão alta. Nossa temática vem mais ou menos do meio científico, discutindo com os técnicos da indústria, em cima de temas propostos pela indústria, um problema que ela pode ter e quer discutir. O que a gente faz sempre é ciência.

Como é feita a troca de temas entre o ILSI e as outras partes, por exemplo, com os pesquisadores ligados à indústria?

Nós não temos no momento nada sendo pago pela indústria em termos de projetos. Mas seria interessante ter uma participação maior do setor industrial junto da academia para financiar projetos. Aliás, isso é uma das coisas que as universidades hoje buscam.

A inovação tecnológica não se faz só no laboratório da universidade. Tem que ter as empresas que conhecem o mercado e têm tecnologia. A junção dos dois é mais interessante. A própria Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) tem projetos que estimulam parcerias e iniciativas como as de startups.

Isso é possível, claro, dentro da ética de cada um. Nós somos nós. A academia cumpre o papel da universidade. A Fapesp cumpre o dela… A gente tem uma série de controles que acompanham o trabalho do pesquisador e do docente.

Que tipos de controle seriam?

Regras, normas, éticas que você deve seguir. Tem no site das universidades. Nós temos no ILSI códigos de éticas e conduta. Toda pessoa que participa do ILSI tem que assinar esse código de conduta, que atende às normas gerais da ética, da pesquisa.

Como eu falei: cada um de nós está submetido dentro de sua área às éticas próprias. A Fapesp encontra uma ética na pesquisa que eu faço. Minha universidade tem suas regras. A questão da integridade científica é um tema no mundo inteiro que está perpassando tudo. Mas cada vez mais ela tem que ser aperfeiçoada. Esse é um ponto em aberto.

Um dos temas em discussão sobre integridade científica é o dos conflitos de interesses. Como é a relação dos pesquisadores do ILSI com os financiadores do instituto? O interesse da saúde pública não é o mesmo de uma empresa privada.

Claro. Da empresa privada é o lucro e o da saúde pública é o outro. Mas eu acho que dá para trabalhar muito bem, porque a ciência que é feita é voltada para desenvolver determinado produto. A indústria tem que trabalhar com integridade e ela própria tem a integridade que os pesquisadores têm que seguir. Há regulamentos que tratam da integridade da empresa, da integridade da universidade. A isso, os setores têm que responder.

Recentemente, o ILSI publicou, junto ao um comitê de ciências americano, sobre essa preocupação da integridade. Foi feito um documento falando de como e qual a necessidade de cada vez mais aperfeiçoar a integridade científica de todos os setores. Que ela não seja só uma questão individual. Que acho que é aí a questão toda. Tem que ser uma coisa cada vez mais institucional. O próprio governo tem que se preocupar em ter algo suprapartidário sobre essa cultura da integridade.

No passado, houve desvios. Você vê trabalhos que foram comprados, malfeitos, plagiados, mas a ciência tenta colocar fim nisso. Eu acho que a gente está indo hoje no caminho de aperfeiçoar tudo isso. É uma preocupação forte. Para mim, é forte. Se a ciência é desacreditada, a sociedade não acredita mais na ciência. Só com ciência não resolvemos tudo, mas sem a ciência não vamos resolver nada.

Sobre os financiadores. Qual a relação do ILSI com a Coca-Cola? O ILSI foi criado com recursos da empresa. E ela fabrica um produto largamente consumido, mas que reconhecidamente causa danos à saúde — a Organização Mundial da Saúde recomenda a taxação de refrigerantes para evitar o consumo.

A Coca-Cola é membro do ILSI como qualquer outra empresa que vem e paga uma anuidade nos Estados Unidos. E é isso, não tem nada além disso. O ILSI não responde por uma empresa. O ILSI responde por suas regras. Se uma empresa tem seus padrões, outra tem outros. Eu tenho que seguir os padrões do ILSI.

Agora, um parêntesis. Uma vez chegou um aluno para mim e disse: “Professor, um professor do ensino médio mandou falar que a Coca-Cola é ruim.” Essa tua pergunta me lembra esse rapaz. Você tem que estudar, fazer a pesquisa e vai ver que ela é ruim. Mas, antes disso, você tem que fazer a pesquisa.

Dizer que a Coca-Cola é ruim… Eu não gosto de Coca-Cola… Ela não é a melhor coisa nutricional, mas é um produto que está aí no mercado e é consumido. Estou querendo dar uma nuance nessa coisa já pré-entendida. Eu não tenho o mesmo entendimento sobre a Coca-Cola nem quero defendê-la.

Uma discussão atual é de evitar o consumo de bebidas adoçadas e alimentos ultraprocessados. É semelhante ao que houve com o tabaco antes, quando institutos de pesquisas financiados pela indústria de cigarros esconderam que o produto faz mal.  Então, criou-se uma política que não permitiu institutos ligados ao tabaco em discussões sobre saúde pública. Não deveria acontecer o mesmo com empresas de refrigerantes e ultraprocessados?

Assessora: A gente não pode nem dizer sobre um associado. Essa que é um pouco a questão. É aquilo que o professor falou: “Você tem a integridade do ILSI.”

Lajolo: Do ponto de vista científico, é verdade. Bebida açucarada tem que ter um consumo reduzido. A gente está consumindo muito açúcar, sal, gorduras saturadas. Não há dúvidas, embora haja algumas dúvidas específicas sobre isso. Como regra geral, acho que isso vale. Em tudo que a indústria de alimentos puder melhorar nesse sentido, reduzir sal, reduzir açúcar, é bem vinda.

O senhor citou no congresso uma preocupação em difundir mais o pensamento científico (observação, hipóteses, método…). Qual avaliação o senhor faz sobre o futuro da ciência no Brasil?

Eu acho que o Brasil está em um caminho bom. A gente tem uma pós-graduação com pesquisadores, pós-doutores etc. A gente está precisando agora que não cortem as verbas de ciência e tecnologia. Acho que está havendo uma falta de prioridade para a ciência e tecnologia. Houve um corte muito grande, de 40%. Isso não é bom para a ciência brasileira.

É muito fácil separar os experimentos, os laboratórios, mas reconstruir isso é muito difícil. Eu gostaria muito que nosso ministério fosse melhor contemplado na questão do orçamento e que nossos políticos em Brasília pudessem considerar isso. Gostaria que houvesse uma bancada da ciência, como os evangélicos, para defender o pessoal que faz tanta coisa.

Isso é importante para garantir a integridade, como o senhor mostrou preocupação?

Não sei se é importante para a integridade das pesquisas. Tem relação com os envolvimentos nas pesquisas, para não ser um desestímulo ao pesquisador. A bolsa [de estudos] que para por seis meses. Isso é um desestímulo grande para as pessoas. Acredito que vai levar uma eternidade para mudar a integridade por causa disso, mas vai continuar a desestimular as pessoas.

Foto do destaque: Marcos Santos – 11.04.2013 / USP Imagens

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