Marcos Pomar; O Joio e O Trigo

Dos parceiros do Rio Bonito aos parceiros do Rio das Mortes

Acumulando mais problemas e irregularidades do que produção de soja e milho, o projeto Agro Xavante divide lideranças indígenas e, com o tempo, pode criar classes sociais até aqui inexistentes

Ernestina parece indignada com as imagens de desmatamento exibidas no telão improvisado: “As pessoas de Sangradouro estão se iludindo.” Os Xavante da Terra Indígena Pimentel Barbosa, no leste de Mato Grosso, reúnem-se sob a lua cheia para assistir aos vídeos que captamos dois dias antes na também Xavante Sangradouro, 550 quilômetros ao sul. 

A atípica sessão de cinema dura não mais que alguns minutos. E não se pode chamar de diversão: os moradores mais velhos, daquela que é tida como a mais tradicional das terras dessa etnia, não aprovam o projeto Agro Xavante, que prevê produzir soja e milho em parceria com grandes fazendeiros da região.

As imagens captadas pelo drone dão uma noção do que confirmaremos depois, ao ver os dados de satélite: a lavoura em Sangradouro desmatou 1.475 hectares, quase 500 a mais do que o autorizado pela Funai. Um entre muitos problemas que foram se revelando por camadas. Para nós, exibir os resultados aos Xavante de Pimentel foi um exercício importante e desafiador – entre si, os Xavante jamais usam o português, então, precisávamos adivinhar as reações pelo tom de voz e pescando pequenos sinais de indignação. 

A exibição das imagens foi a primeira de algumas demonstrações de que nem tudo está dado. Sangradouro é uma terra de pouco mais de cem mil hectares castigada pelo entorno: à medida que fazendas de soja e milho tomaram conta da região de Primavera do Leste, Poxoréu e General Carneiro, a área Xavante tornou-se uma ilha de Cerrado. Uma ilha que assiste ao nível do mar de grãos subir mais e mais e mais, até começar a se apossar da própria terra indígena. 

Criado em 2019, o Agro Xavante acumula, até agora, uma safra de arroz minguada, uma colheita de milho quebrada por falta de chuva e uma área embargada por desmatamento ilegal. Mas, para além dos resultados concretos, o projeto semeou sonhos de riqueza e colheu conflitos entre os indígenas por divergências profundas de visão de mundo. 

O tempo dirá se estamos diante de mais uma tentativa frustrada de avançar sobre as terras Xavante e de causar alterações incontornáveis no tecido social desse povo, ou se dessa vez o espírito do capitalismo conseguiu ser incorporado a uma lógica de vida marcada por tempos, espaços e fazeres diferentes. 

“O dinheiro, você pega e gasta tudo, entendeu?”, questiona Paulo Cipassé, professor cacique da aldeia Wederã, na Terra Indígena Pimentel Barbosa. “Trouxe esse negócio de divisão entre nós. Entre quem quer desenvolvimento, que eles acham que é desenvolvimento capitalista, e a gente, que não quer. A gente quer desenvolver, mas dentro do que acha melhor, sem um grande impacto, tanto ambiental quanto social.”

Em Sangradouro, nossa impressão era de que o Agro Xavante acabaria por se impor, sim ou sim. Mas, quanto mais falávamos com outras pessoas, essa leitura ficou mais difusa. Ao acaso, Pimentel Barbosa foi o lugar perfeito para finalizar essas conversas. Os Xavante, um povo acostumado à guerra, estão prontos para resistir mais uma vez. 

No dia seguinte à sessão de cinema, sob o sol, as mulheres se reúnem em frente à escola para conversar. Durante duas horas, as palavras não entendemos, mas os gestos novamente permitem apreender indignação. Uma após a outra, em falas mais longas ou mais curtas, mandam o recado aos parentes de Sangradouro. Gravamos tudo, e mais tarde contamos com a ajuda de um intérprete Xavante para traduzir. 

Ernestina é quem decide ir à frente: “Não gosto que as árvores sejam derrubadas. Não é minha opção a lavoura mecanizada. Não vamos deixar acontecer. Os nossos alimentos são mais saudáveis do que a comida de vocês [não indígenas].”

A marcha do progresso

Os Xavante fizeram os primeiros contatos com o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) em 1946. Até então, o “progresso” havia desviado inúmeras vezes devido à fama desse povo, que repeliu, com morte, todas as tentativas de aproximação. Ironicamente, Pimentel Barbosa era o comandante da última expedição que fracassou no contato, em 1941 – todos acabaram mortos. 

“Quem fez contato aqui fomos nós”, esclarece Cipassé, em uma de muitas falas que enfatizam que os Xavante seguem a se considerar mais que um povo: são uma nação, hoje fracionada num total de 1,5 milhão de hectares, que não se curva facilmente aos waradzu (não indígenas). Enquanto os parentes Xerente ficaram, onde hoje estão Goiás e Tocantins, os Xavante migraram, e foram se assentar às margens do rio das Mortes.

Mas, nos anos 40, a Marcha para o Oeste andava a toda a velocidade. No livro Entre os Xavantes do Roncador, o jornalista Lincoln de Souza reflete o tom que guiou a propaganda do governo diante do caso dos Xavante, acusados de cometer crimes, deixando “devastação, luto e terror”. Na versão oficial, um povo guerreiro havia sido amansado: “Um dos maiores acontecimentos na história da pacificação dos nossos silvícolas, nos tempos presentes, dada a fama de ferocidade de que gozavam.” 

O que são 70 anos de História? Menos que um piscar de olhos. E, ainda assim, o suficiente para desestruturar os milhares de anos anteriores. O suficiente para impor-se como verdade irrenunciável: inexorável. Ilhadas, as terras Xavante é que em pouco tempo foram convertidas em alheias, estranhas, destoantes, incômodas, e, portanto, elas é que devem se curvar ao inexorável. É o inexorável que matou a caça e a pesca, ou seja, que inviabilizou a vida dos Xavante e, agora, apresenta-se como solução. 

Os defensores da produção em larga escala dentro de Sangradouro elencam alguns argumentos defensáveis, que já exploramos em outros textos desta série:

  • a lavoura pegará uma pequena parte da terra, sem prejudicar o Cerrado; 
  • os Xavante passam muitas necessidades e há crianças desnutridas;
  • com o dinheiro será possível investir na agricultura tradicional e na própria cultura. 

Mas, no meio desses argumentos, surgem buracos maiores que os próprios argumentos. O presidente da Cooperativa Indigena Sangradouro e Volta Grande, Gerson Wã Räiwe, nos contou sobre a intenção de produzir em 1.000 hectares. Ele oculta a divisão financeira acertada com os fazendeiros (80% das receitas líquidas para os não indígenas, e 20% para os Xavante), assim como oculta que inicialmente se previa produzir em 11 mil hectares, ou 10% de Sangradouro. 

Os 1.000 hectares hoje produzidos são claramente insuficientes. Retirados a parte dos fazendeiros e os custos, e mesmo considerando uma produção extraordinária de soja, sobrariam no máximo R$ 150 por mês por morador de Sangradouro. No balanço entre custos socioambientais e benefícios, um modelo difícil de defender. 

Totalmente diferente

O que convencionamos chamar por Xavante é, na realidade, uma generalização grosseira. Os A’uwë, originalmente, eram um povo com comunidades autônomas entre si, espalhadas por um enorme território, com características diferentes guiadas pela geografia, pelas circunstâncias e pela vizinhança com outras etnias. 

“Às vezes a realidade é totalmente diferente. São os Xavante, mas são diferentes em todo sentido. Até na religião. São Marcos e Sangradouro, eles tiveram contato nos anos 40 com a Missão Salesiana, que é católica. E o pessoal de Campinápolis fez contato com a missão do Congresso Americano, que é protestante”, conclui Cipassé. 

Entre os anos 40 e 50, os salesianos inserem uma primeira clivagem pautada pelas relações com os waradzu: os Xavante convertidos ao deus cristão, de um lado, e os demais. No final dos anos 50, o antropólogo David Maybury-Lewis registra, no livro  Sociedade Xavante, as primeiras mudanças profundas, com a perda de hábitos alimentares e a proibição ou o desincentivo a uma série de rituais e costumes: na visão dele, missionários e o SPI estavam tentando preparar os Xavante para viver numa fração de território, já antevendo que as fazendas chegariam. 

Na classificação da Funai, os Xavante são uma etnia de “recente contato”, ou seja, independentemente de há quanto tempo tenham sido contactados, “apresentam singularidades em sua relação com a sociedade nacional e seletividade (autonomia) na incorporação de bens e serviços. São, portanto, grupos que mantêm fortalecidas suas formas de organização social e suas dinâmicas coletivas próprias, e que definem sua relação com o Estado e a sociedade nacional com alto grau de autonomia”.

Uma definição que parece cunhada sob medida para os Xavante. Entre todas as comunidades então existentes, Maybury-Lewis considera que os moradores de Pimentel Barbosa (então aldeia São Domingos) vinham demonstrando a estratégia mais sólida na relação com os não indígenas, com uma escolha precisa do que gostariam ou não de incorporar a suas vidas. 

Algo que, guardadas as proporções, mantém-se 60 anos mais tarde, quando visitamos essa terra indígena. A língua original segue a ser a mais falada, e o português é uma exceção. “Nós somos a geração dos anos 80, oito jovens que foram mandados para a cidade de Ribeirão Preto”, continua Cipassé. “Vovô [Apoena] mandou com o objetivo de continuar fazendo esse trabalho. Ele sabia que após o contato ia dar isso. Sabia que era outra impressão, outra realidade, outro mundo. Mandou com o objetivo de aprender a ler, saber um pouco o mundo fora e voltar e fazer esse trabalho que estamos fazendo, de dar continuidade. Então isso ajudou muito.”

Apowe, ou Apoena, é tido como o líder mais forte de todos os Xavante. Foi ele quem decidiu pelo contato com o SPI, e quem entrou em acordo com o indigenista Francisco Meireles. Mais tarde, Meireles batizou com o nome do cacique o próprio filho, Apoena Meireles, que presidiu a Funai entre 1985 e 1986. 

A árvore já foi derrubada?

Adivinhar o futuro seria arriscado, mas é certo que algo mudou. Escutando dezenas de pessoas falarem sobre a “parceria” entre fazendeiros e lideranças de Sangradouro, foi impossível deixar de lembrar do trabalho do sociólogo e crítico literário Antonio Candido. Em Os parceiros do Rio Bonito, ele narra a chegada das relações capitalistas a sociedades caipiras até então isoladas, no final da primeira metade do século passado. 

“A cultura do caipira, como a do primitivo, não foi feita para o progresso: a sua mudança é o seu fim, porque está baseada em tipos tão precários de ajustamento ecológico e social, que a alteração destes provoca a derrocada nas formas de cultura por eles condicionada. Daí o fato de encontrarmos nela uma continuidade impressionante, uma sobrevivência das formas essenciais, sob transformações de superfície, que não atingem o cerne senão quando a árvore já foi derrubada – e o caipira deixou de ser.”

Entre os Xavante, a árvore já foi derrubada? Os entusiastas do plantio em larga escala terão sucesso? Os tempos do agronegócio e dos Xavante são diferentes. Para o primeiro, tempo é uma escala de riqueza: quanto mais rápido e mais eficaz se produz, maior o lucro. É um tempo rígido, marcado pela precisão. Para os segundos, o tempo é uma escala de vida: ciclos que devem ser vividos lentamente, etapa por etapa, em uma contínua construção do ser. É um tempo fluido, em que os números importam menos que a evolução concreta, e marcado pela observação paciente das estrelas no céu e da vida dos animais. 

Vinculada às cadeias globais de grãos, Sangradouro deixa de ser um espaço singular para ser apenas mais uma fração de terra dedicada à produção de soja e milho, como milhões de outras do extremo sul ao extremo norte do país. 

Ou, como descreve Candido ao falar sobre os caipiras, “a sua vida anterior comportava ritmo diverso, que não era estritamente determinado, como agora, pelas necessidades econômicas mais elementares, de que depende a própria sobrevivência. A par do trabalho agrícola, ocupava-se também com a vida comemorativa, a vida mágico-religiosa, a caça, a pesca, a coleta, as práticas de solidariedade vicinal”. 

Entre os Xavante, Maybury-Lewis narra como cada época do ano é marcada por uma atividade, e se impressiona com o tempo que é utilizado para a preparação de festas e rituais, tão grande quanto o tempo dedicado à alimentação porque tão importantes quanto, para a sobrevivência, uma vez que tudo está integrado. 

Terra é importante

O Mato Grosso é um lugar onde o futuro chegou sem tempo de ser. Pivôs de irrigação, tratores, correntões, árvores pelo chão, poeira e veneno pelo ar, animais mortos na beira da pista, o horizonte infinitamente marcado pela desolação do vazio de soja milho algodão: um frenesi de coisas que parecem apontar para a marcha inexorável do progresso, agora disposta a caminhar também por sobre as terras indígenas. 

Cada hectare de terra nua em Primavera do Leste vale R$ 15 mil, nos cálculos da Receita Federal. Se tudo caminhasse conforme os anseios dos “parceiros”, uma pequena fazenda de R$ 165 milhões ficaria à disposição durante dez anos no meio de Sangradouro. 

O irônico é que, quanto mais rápido o Mato Grosso marchar para o progresso, mais rápido caminha para o próprio fim desse ciclo. Em Sangradouro, o futuro chegou com ainda menos tempo de ser. No século das mudanças climáticas, escutamos produtores indígenas e não indígenas se queixarem de como perderam as últimas safras. Para a seca, para a chuva, para o calor. A febre da soja traz em si o embrião da autodestruição. 

“Para quem pensa o povo indígena, o dinheiro não é importante. A terra é mais importante que o dinheiro, porque ela dá condição para se continuar criando nova geração”, retoma Cipassé. “O agronegócio começou a cooptar, cooptar. Começou a conversa com as lideranças que já têm tendência. Já têm esse pensamento. Então, hoje ela coloca entre os indígenas quem realmente quer se tornar não indígena. Ou quer se tornar fazendeiro. Ou quer dinheiro rápido.”

Não é por acaso que a lavoura de soja e milho tenha começado em Sangradouro. A estrada de terra desemboca diretamente na BR 070 e os Xavante daqui têm relação antiga com os fazendeiros. O agro colhe no terreno preparado pelos missionários católicos e semeia novas divergências. 

É possível que estejamos diante da invenção de classes sociais divididas pela renda entre os Xavante. Circulando por terras de outras etnias que aderiram há mais tempo ao cultivo de grãos, essa impressão fica mais sólida: o individualismo aflorou, e por vezes a maior parte da renda da lavoura fica nas mãos de pessoas, e não da comunidade. 

De outro lado, é certo que estamos diante da clivagem fulcral do bolsonarismo: no dizer dos fazendeiros “parceiros”, os Xavante “de bem” merecem nosso apoio, são sangue do nosso sangue, devem ser salvos e convertidos à ideologia do progresso. Os demais são menos, e devem ficar para trás. 

A fala de Cipassé traz uma tensão importante para a discussão sobre a entrada do agro em terras indígenas. Os defensores do Agro Xavante dizem que os indígenas não podem ficar parados no tempo. Porém, os críticos desse modelo não se veem parados no tempo: enxergam-se como povos capazes de escolher o que desejam ou não incorporar; em outras palavras, dispensam a ideia de que o modo de vida dos waradzu seja um pacote fechado. Usam o carro e o caminhão porque facilitam a rotina, mas refletem sobre as contradições surgidas dessa utilização. O mesmo com a internet, o celular, as redes sociais. 

O deus dinheiro

Quando soubemos que os “parceiros” de Rio das Mortes haviam sido multados por desmatamento ilegal, telefonamos ao presidente da cooperativa, Gerson. Do outro lado da linha, ele nos culpa pelo fato: diz que foi uma reportagem do Joio que motivou a ação do Ibama

Bastaria ler os documentos para entender que isso era impossível: até aquele momento, não havíamos publicado nenhuma reportagem sobre a derrubada. E, no entanto, parece impossível demovê-lo da ideia. O bolsonarismo indígena abraça a racionalidade do bolsonarismo não indígena. O diálogo não flui porque os pressupostos são opostos, descolados dos fatos. Culpado é quem denuncia o desmatamento, e não quem desmata. 

“O Xavante é diferente. Quando fica bravo, não pensa em outra coisa, a não ser partir pra cima. Pra quem não conhece, é arriscado se arriscar.” O inexorável não aceita poréns: críticas e divergências são obstáculos que, diante dele, estão obrigados a ceder. Em Sangradouro, um cacique nos disse que arrancaria os olhos dos jornalistas que fizessem qualquer crítica ao Agro Xavante. “Não pode falar mal do Agro Xavante”, esbravejou, com os punhos e os dentes cerrados, afirmando que nos enterraria em um buraco. 

É muito difícil dizer qual a posição predominante dos Xavante em relação aos projetos de agronegócio: o idioma, a grande quantidade de aldeias e a estrutura social concentrada nos líderes são obstáculos para captar aquilo que normalmente chamamos por “opinião pública”. 

“As pessoas estão mais perdidas, meio sem rumo nesse governo Bolsonaro. Porque eles falam mentiras em cima de mentiras também.” Numa manhã fria de domingo, sentamos em volta da fogueira com João Lucas Owa´u. Ele é integrante da segunda geração que pôde estudar no mundo dos waradzu. 

Estamos na aldeia Abelhinha, apresentada como a grande opositora do Agro Xavante. Queríamos entender por que as pessoas favoráveis à lavoura criticam os moradores dessa aldeia. E criticam a Associação Warã, que propõe o desenvolvimento de projetos econômicos em harmonia com o Cerrado, e é acusada de querer manter os indígenas na pobreza, sem capacidade para apresentar alternativas à lavoura em grande escala. 

“Tudo isso foi dividido”, continua João Lucas. “Foi mexido com esse tipo de pensamento. O capitalismo entrou. As pessoas querem ser individualistas agora, mas não conseguem porque nosso sistema não combina. O sistema do Xavante não combina porque tenho parentes e tenho irmãos, cunhados, irmãos da minha esposa e assim sucessivamente.”

Na tradição Xavante, tudo é coletivo, e a organização social se dá por faixas de idade: nada acontece antes do tempo. Os meninos passam cinco anos na casa dos solteiros, onde vivem a transição entre a infância e a vida adulta. Ao final desse período, precisam atravessar uma série de rituais que dependem de caça e coleta; que combinam comida, esportes e artes. Em suma, sem o Cerrado, não há iniciação na vida adulta e, portanto, não há a lenta construção de cada ser humano. 

“O Bolsonaro, o que está fazendo é pra gente cair num buraco. Aí um dia quem vai, quem vai ganhar as nossas terras? Os não indígenas, os fazendeiros é que vão ganhar muito dinheiro. Quem vai ocupar um dia, depois de 30 anos, nossas terras?”, reclama Berenice Teresani Top’tiro, também moradora de Abelhinha. “Se desmatar todo nosso Cerrado, o que nós vamos fazer? Nunca a gente vai achar, vai achar os nossos medicamentos que a gente sempre procura no Cerrado.” 

Os Xavante entendem os sonhos como uma extensão da realidade: sonhar é um poder também construído com paciência, adquirindo a capacidade de interpretar e de pautar a própria conduta a partir dos sonhos. “Agora querem sonhar como se fosse o deus do dinheiro no céu, caindo, esperando essa pessoa pegar o dinheiro todo. É isso que eles, os meus irmãos Xavante, oportunistas, querem. Eu vou chamar assim: oportunista”, continua Berenice.

Mas, para sonhar, é preciso caçar o porco do mato: é preciso o Cerrado. “O que falta é uma política pública para nós, igual agricultura familiar, criar um crédito, criar um programa que atenda essas demandas”, diz Cipassé. “Não é atender igual a esse agronegócio.Uns vão querer fazer a sua renda de turismo, de lavoura de mandioca, vender farinha, criar um peixe em tanque, entendeu? Tem outras alternativas. Não precisa devastar e plantar soja.”

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