Decreto assinado na reta final do mandato de Bachelet se soma a advertências frontais em ultraprocessados. Três em cada quatro chilenos estão acima do peso
O Chile proibiu a publicidade na televisão de alimentos com excesso de calorias, sal, gordura e açúcar. O decreto assinado pela presidente Michelle Bachelet no último dia 28 veda comerciais desses produtos entre 6h e 22h, tanto na TV fechada como na aberta, além de salas de cinema.
A medida aperfeiçoa e amplia as restrições impostas em 2015, quando a presidente assinou outro decreto no qual barrava a publicidade desses produtos em programas que tivessem mais de 20% de audiência infantil. Porém, com a dificuldade em definir o escopo de transmissões que se encaixam nesse critério, decidiu-se dar um passo além.
Agora, o decreto estabelece seis meses para a adequação de todas as emissoras e fabricantes às novas regras.
Trata-se de mais um passo dado pelo Chile na tentativa de frear as taxas de sobrepeso e obesidade, que estão entre as maiores do mundo. Há poucos dias, o Ministério da Saúde divulgou os primeiros resultados da Pesquisa Nacional de Saúde, mostrando que 74,2% dos chilenos têm sobrepeso ou obesidade – desses, 31,2% são obesos, e 3,2% são obesos mórbidos. Trata-se de um crescimento de dez pontos em menos de dez anos.
Em outubro, um relatório divulgado pela FAO, agência das Nações Unidas para a alimentação, e pela Organização Mundial de Saúde colocou o país no topo da obesidade feminina na América do Sul, com 32,8% da população. Os dados do Ministério da Saúde são ainda piores: 74,8% das mulheres apresentam sobrepeso ou obesidade.
Entre os mais pobres, o quadro é ainda mais grave, com apenas 18% das pessoas dentro do peso correto.
Em meio a isso, o Chile tem sido um dos países mais ousados no enfrentamento ao problema. Em 2012, o Congresso aprovou um projeto de lei que visava à adoção de uma série de medidas contra a obesidade. Uma delas, regulamentada por decreto de 2015, previa a colocação de sinais de advertência frontais nas embalagens de ultraprocessados.
Desde o ano passado, é obrigatório que os produtos levem selos por excesso de calorias, sal, gordura e açúcar. Além disso, essas embalagens não podem estampar personagens infantis, desenhos ou qualquer outro sinal gráfico que estimule o consumo. Tampouco podem estar acompanhadas de brindes, ser distribuídas gratuitamente e promover alegações de benefícios à saúde, como presença de vitaminas e minerais. Está ainda proibida a venda desses alimentos em escolas.
Com o novo decreto, a única exceção é a menção ao nome do produto, e nada mais, durante espetáculos culturais, esportivos ou de beneficência. Apesar disso, o evento não pode ser organizado exclusivamente pela empresa interessada em fazer publicidade. E não é permitido mostrar pessoas consumindo o produto.
Outra novidade é a proibição total à publicidade de fórmulas infantis. Além da restrição à televisão, está vedada a distribuição de brindes, a realização de sessões de degustação e de promoções, e o uso, nas embalagens, de palavras que tenham caráter publicitário.
A medida é adotada na reta final do segundo mandato de Michelle Bachelet. No dia 17, as eleições vão decidir se o próximo presidente será Sebastián Piñera, que já comandou o país entre 2010 e 2014, justamente sucedendo Bachelet, ou o senador Alejandro Guillier, apoiado pela presidente. As pesquisas têm mostrado um cenário indefinido.
A volta de Piñera ao La Moneda poderia representar uma ameaça às medidas adotadas nos últimos anos contra a obesidade. Foi também na reta final do mandato, em dezembro de 2013, que o presidente chegou a editar um decreto que contrariava as evidências científicas acumuladas pela equipe de saúde do governo.
O texto previa que as empresas pudessem escolher entre três cores de alertas, o que fazia com que fosse fácil confundir o símbolo de advertência com os próprios rótulos. Além disso, era possível colocar um símbolo só com todos os nutrientes em excesso, e não um alerta para cada nutriente.
Até mesmo o formato do sinal de advertência, uma espécie de losango com pontas arredondadas, ia na contramão do que mostravam as pesquisas encabeçadas pelo Instituto de Nutrição e Tecnologia de Alimentos da Universidade do Chile. O octógono negro com a inscrição “Alto em” era o que funcionava melhor para os consumidores. Sob pressão, Piñera revogou o decreto, mas a regulamentação definitiva só veio um ano e meio mais tarde, com a volta de Bachelet à presidência.