Argentina usa Mercosul para pressionar o Uruguai e tentar barrar o decreto que prevê sinais de advertência nos rótulos de alimentos com excesso de calorias, sal, gordura e açúcar
A Argentina se transformou no principal agente das transnacionais de alimentos não saudáveis na América do Sul. O governo de Maurício Macri tem pressionado o Uruguai para evitar que o presidente Tabaré Vázquez assine o decreto que obriga a colocação de sinais de advertência em produtos com excesso de calorias, sal, açúcar e gordura.
O Joio e O Trigo já havia noticiado em novembro que o país vizinho usaria o Mercosul como fator de pressão contra os uruguaios, alegando que nenhum dos integrantes do bloco pode adotar uma medida isoladamente. As discussões no bloco já se arrastam há anos, sem sinal de consenso. Logo em seguida, ao final daquele mês, o governo Macri se valeu da reunião de um grupo de trabalho ocorrida em Brasília para reforçar a artilharia, a contragosto de Montevidéu, que havia pedido que o tema fosse retirado de pauta devido à insistência dos vizinhos em reiterar a ameaça.
“A Delegação da Argentina reiterou a preocupação de seu Governo com relação ao Projeto de Decreto colocado em consulta pública pela República Oriental do Uruguai, que a aprovação de uma norma em nível nacional poderia configurar um obstáculo para o comércio entre os países da região, o qual tem especial relevância dado a importância que tem o mercado de alimentos no comércio regional.”
Construído de maneira similar ao modelo que foi adotado no Chile, o decreto uruguaio prevê que cada nutriente em excesso resulte em um sinal de advertência colocado nas embalagens. Mostramos em novembro como a Coca-Cola e organizações empresariais e de fachada de alguns países da região ameaçaram o Uruguai por meio de documentos apresentados à consulta pública realizada no ano passado.
O decreto já está pronto há alguns meses, mas esbarra em resistências dentro e fora do governo de Tabaré. A exemplo do que fizeram em outros países, as transnacionais de alimentos mobilizam os ministérios ligados ao agronegócio e às áreas econômicas. O argumento principal é de que os rótulos criariam uma dificuldade ao comércio internacional, o que configuraria uma barreira não alfandegária. A Coca deixou clara a intenção de acionar a Organização Mundial de Comércio (OMC).
Foi também a ameaça que fez a Argentina, que em 16 de agosto do ano passado usou um órgão federal voltado ao estudo de obstáculos técnicos ao comércio para notificar o governo uruguaio das objeções em relação ao decreto.
Uma reunião ocorrida no mesmo mês em Montevidéu, no âmbito da Comissão de Comércio do Mercosul, serviu para renovar a pressão, como revelado na última semana pelo jornal uruguaio Brecha. “A Argentina entende e compartilha a preocupação pela elevada incidência das doenças crônicas não transmissíveis (sobrepeso, obesidade, doenças cerebrais e cardiovasculares, entre outros) que se apresenta a nível global. Portanto, considera primordial trabalhar no sentido de diminuir a exposição da população a fatores de risco”, registra a ata.
“No entanto, a República Argentina deseja manifestar preocupação com relação ao Projeto de Decreto, dado que a temática abordada no mesmo faz pressupor a intenção da República Oriental do Uruguai de ditar uma norma a nível nacional que poderia configurar um obstáculo para o comércio entre os países da região.”
A julgar pelo documento, a resposta do Uruguai foi simples: a medida responde a questões de saúde e tenta “evitar em crianças e adultos doenças como hipertensão, sobrepeso, entre outros problemas”.
Em outubro, durante o Congresso Internacional de Nutrição, em Buenos Aires, a subsecretária de Alimentos e Bebidas do Ministério do Agronegócio argentino, Mercedes Nimo, aproveitou uma palestra para mandar o recado ao Uruguai de que o país apresentaria ao Mercosul um modelo de rotulagem construído em parceria com a indústria.
“Participei muito da questão da lei chilena e da implementação. Estamos convencidos de que um regulamento não muda um hábito”, disse Mercedes, que trabalhou para as corporações da área entre 2003 e 2010. “Um regulamento tem que ser parte de uma política muito mais integrada. Por isso, temos que estar integrados com o setor privado. A pergunta é a quem beneficia e a quem termina não beneficiando. Vamos ver daqui a três anos quando se faça uma avaliação.”