Série de estudos mostra maior efetividade de advertências em rótulos de alimentos

Análises conduzidas no Uruguai, país que deve adotar modelo desenvolvido no Chile, revelam que alertas sobre excesso de sal, gordura e açúcar funcionam melhor que sistemas defendidos pela indústria

Gastón Ares partiu da hipótese de que o semáforo com verde, amarelo e vermelho para calorias, sal, açúcar e gordura seria o melhor sistema de rotulagem frontal existente. Mas o integrante do Centro de Investigação Básica em Psicologia da Universidade da República, no Uruguai, acabou chegando a um resultado diferente. E tudo bem.

“Nos demos conta de que a ideia de muitas informações não era boa. E que no semáforo era difícil se definir por um produto. Se há uma cor verde e uma vermelha, isso confunde as pessoas. O que é mais importante: açúcar ou gordura?”, questiona-se Gastón, que é também professor do Departamento de Ciência e Tecnologia de Alimentos da Faculdade de Química.

No começo da década se começava a especular que os sistemas de rotulagem frontal poderiam ser um aliado importante na luta inglória para frear o crescimento dos índices de obesidade. E Gastón passou a estudar o assunto. Nesse ínterim, o Chile tirou da cartola os sinais de alerta que desde 2016 dão o que falar. Os octógonos pretos alertam quanto ao excesso de calorias, sal, gordura e açúcar.

“O importante a concluir é que em todos os casos o sistema de advertências é melhor ou igual que o semáforo, mas nunca, em nenhum estudo, podemos dizer que o semáforo é melhor que o de advertências”, diz Gastón. No mesmo ano da decisão chilena, o Uruguai lançou um guia alimentar nos moldes do publicado pelo Brasil em 2014, recomendando que se evite a ingestão de produtos ultraprocessados. O passo seguinte foi estudar a definição de um modelo de rotulagem, e o sistema chileno casou bem à sugestão oficial, de modo que está pronto para ser adotado.

Desde então, Gastón se transformou num dos grandes estudiosos desses sistemas. No geral, as pesquisas consistiram em simular situações de compra para tentar entender qual modelo tinha maior capacidade de induzir os consumidores a reduzir o consumo de ultraprocessados (algumas dessas pesquisas estão sugeridas ao pé desse texto).

Uma das mais recentes comparou o sistema de advertências com o NutriScore, adotado de forma voluntária na França em outubro do ano passado. O modelo do país europeu cruza informações nutricionais e dá uma nota geral ao produto, de A a E. Na comparação, o modelo chileno de novo se saiu melhor, embora seja preciso alertar que se trata de um primeiro embate, insuficiente para definir qual dos sistemas é superior.

São apenas elementos iniciais para essa comparação, que se torna importante para os brasileiros porque recentemente a Anvisa indicou que o NutriScore está sendo analisado juntamente com o semáforo proposto pela indústria e um modelo inspirado no caso chileno, encampado pela Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável.

A avaliação é de que os alertas são mais efetivos do ponto de vista de política pública porque apresentam os melhores resultados no sentido de mostrar ao consumidor quais os piores produtos. Se são esses produtos que formam a maior parte da dieta e provocam boa parte dos problemas, o sistema que melhor desencoraje o consumo é aquele que deve ser escolhido.

Sobre os rumos da Anvisa, Gastón revela certa insatisfação. Ele foi um dos convidados para a audiência pública realizada em novembro do ano passado, quando a agência insistiu que não há evidências científicas suficientes para dar respaldo a qualquer dos modelos.

“Há muita evidência de que o sistema funciona. No caso do Canadá, o Canadá não realizou nenhum estudo científico para definir pelos modelos de advertências. Simplesmente partiram desse ponto porque é o mais interessante daquilo que está disponível.”

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Quando surgiu o modelo chileno, qual foi sua impressão inicial?

Minha percepção era de que não era completo, que não tinha todas as informações que deveria ter. Eu gostava mais do semáforo no sentido de que dava informação sobre todos os nutrientes. Mas, quando começamos a estudar, nos demos conta de que a ideia de muitas informações não era boa. E que no semáforo era difícil se definir por um produto. Se há uma cor verde e uma vermelha, isso confunde as pessoas. O que é mais importante: açúcar ou gordura? Então, entendemos que o sistema chileno tem uma vantagem comparativa porque identifica claramente o que é um alimento não saudável. A análise do semáforo é muito mais complexa.

Além do Chile, Uruguai, Peru, Canadá e Israel têm ou estudam ter modelos baseados no sistema chileno. Como está vendo essa tendência?

É algo sumamente positivo. Algo que se desenvolve na América Latina expande-se para outros países do mundo. É interessante entender por que esse sistema é tão importante, tão útil. É importante que o consumidor possa entender quais produtos são não saudáveis.

Essa mensagem é muito forte porque lidamos com campanhas de marketing muito potentes e muito intensas. No Uruguai, é comum que as pessoas de baixa renda pensem que determinados produtos são saudáveis, quando em verdade têm excesso de açúcar.

É um primeiro passo para combater os problemas relacionados à obesidade. Em particular me parece bem interessante que isso se expanda para fora da América Latina, como é o caso do Canadá. Passa uma mensagem muito importante.

No Uruguai, a indústria apresentou evidências científicas ou foi mais um discurso de que não funciona, de que as pessoas têm medo?

Exatamente. A indústria apresentou muito poucos estudos. E baseou seu discurso na ideia de que o sistema chileno dá medo. Falou sobre aumento de preços.

Você esteve na audiência pública da Anvisa. Qual sua impressão do discurso da indústria e do discurso da agência?

O discurso da indústria é o mesmo em todas partes do mundo no sentido de que a rotulagem dá medo. Eu pensava ver algo mais sólido da indústria brasileira em relação à indústria uruguaia. Não foi o caso. Foi um argumento muito pobre, que só falava sobre venda dos produtos. A ideia de que as advertências criam medo. A avaliação dos grupos focais foi muito subjetiva, muito relativa.

Quanto à agência, falta uma iniciativa política. A ideia de que falta evidência mais contundente não é assim. Há muita evidência de que o sistema funciona. No caso do Canadá, o Canadá não realizou nenhum estudo científico para definir pelos modelos de advertências. Simplesmente partiram desse ponto porque é o mais interessante daquilo que está disponível. Creio que há bastante evidência de como o modelo chileno está funcionando no Chile e de como o semáforo não funcionou no Reino Unido. Fica claro que o semáforo proposto pela indústria é ainda pior que o proposto no Reino Unido. Há um retrocesso em relação ao modelo inglês. Eu creio que deveria haver uma decisão governamental mais forte em defesa da população brasileira.

Em relação aos grupos focais, as conclusões da indústria e da sociedade civil são totalmente contraditórias. Como se conduz um grupo focal de maneira verdadeiramente científica?

Há duas coisas a levar em conta. Uma é o contexto do estudo. É o guia que se utiliza para realizar o grupo focal. Que perguntas são feitas, que comentários adicionais. É preciso sempre ser o mais neutro possível. A pessoa que conduz esse grupo tem de dar espaço para que as pessoas opinem livremente.

E a segunda questão é a interpretação desses grupos. Precisa ser uma interpretação objetiva. Esse é o maior risco que se corre quando se realizam grupos focais. É falar que temos que deixar de lado nossos conceitos e tratar do que escutamos. Nos grupos focais que realizou a indústria, os consumidores dizem que o sistema chileno transmite medo. Isso, na verdade, é um efeito da compra. É preciso deixar de lado o que queremos escutar. Sempre, de uma forma ou outra, os investigadores têm uma hipótese que querem provar, mas precisamos fazer uma abordagem objetiva.

Por uma questão de transparência, é preciso ter a transcrição dos grupos focais. Para que se possa fazer uma análise independentemente de quem realizou o estudo. Isso ajudaria a ter mais clareza sobre qual é a opinião real.

Nos estudos que fizemos, em nenhum momento as pessoas falaram que é um produto que incorre em risco, que dá medo. O importante é entender que não é saudável e, portanto, o consumo não é recomendado. As políticas públicas sempre são acompanhadas de campanhas de comunicação. Não é que de um dia para o outro vão surgir os rótulos modificados. Vai haver muito debate com as pessoas.

E precisamos ter claro qual o objetivo de saúde pública que estamos buscando. O objetivo é diminuir o consumo excessivo de sal, gordura e açúcar. Portanto, o que deveríamos pensar é qual sistema modifica a intenção de compra do consumidor. Não é se as pessoas gostam mais do semáforo porque têm cores ou se gostam mais do sistema chileno. É se o sistema cumpre o objetivo de saúde pública. Portanto, a decisão deve se basear no comportamento do consumidor e na intenção de diminuir o consumo de elementos.

Em seu caso, qual foi o estudo que te pareceu conclusivo para dizer que esse sistema funcionava melhor que o outro?

Fizemos um número muito grande de estudos abordando diferentes características dos sistemas. Nesse conjunto, ficou claro que o sistema chileno é melhor que o semáforo.

Tentamos entender qual sistema permite respostas mais rápidas. Em seguida, tentamos ver qual é mais fácil de te guiar ao produto mais saudável. Qual muda a percepção de saúde pública. Nos dois casos, o sistema de advertências foi superior ao semáforo.

Vimos que o sistema de advertências permite desestimular o consumo desses produtos de forma mais eficiente. Em alguns estudos, não há dúvidas de que o sistema de advertências é melhor. Em outros, não há diferença. O importante a concluir é que em todos os casos o sistema de advertências é melhor ou igual que o semáforo, mas nunca, em nenhum estudo, podemos dizer que o semáforo é melhor que o de advertências. Ou seja, se queremos tomar a melhor decisão possível, é preciso escolher o sistema de advertências.

No estudo com crianças, quando vocês mostram embalagens com personagens conhecidos e desconhecidos, isso expõe também a necessidade de discutir a publicidade infantil.

O Uruguai tem alguns objetivos de saúde pública definidos. E neles se encontra a publicidade infantil. Isso começou com a proibição da venda de alimentos não saudáveis nas escolas.

O sistema de advertências era a primeira política pública que se precisava para guiar os próximos passos. Uma vez que se publique o decreto se poderá pensar, por exemplo, em que todos os alimentos com selos não possam exibir personagens, ou que não possam ser vendidos em escolas. É uma política de base para as outras. As crianças desenvolvem suas preferências desde muito cedo. Aquele que está exposto a alimentos não saudáveis vai desenvolver preferências por alimentos não saudáveis e será muito difícil modificá-las.

Foto em destaque: Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável.

 

Alguns estudos sugeridos:

  • Nutritional warnings and product substitution or abandonment: Policy implications derived from a repeated purchase simulation
  • Impact of front-of-pack nutrition information and label design on children’s choice of two snack foods: Comparison of warnings and the traffic-light system
  • Warnings as a directive front-of-pack nutrition labelling scheme: comparison with the Guideline Daily Amount and traffic-light systems
  • Does front-of-pack nutrition information improve consumer ability to make healthful choices? Performance of warnings and the traffic light system in a simulated shopping experiment
  • Influence of time orientation on food choice: Case study with cookie labels

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