Nunca antes na história deste país, houve algo do tipo. Povos indígenas estão inaugurando uma forma de reivindicar direitos e evitar abusos por parte de empresas no Brasil. A ideia não é exatamente uma novidade, já ocorre faz quase 40 anos em outros territórios, mas está se multiplicando. Trata-se de tentar mudar a conduta de grandes corporações atuando internamente nas estruturas administrativas.
A iniciativa repercutiu de modo positivo para índios de diferentes etnias e, de um lado, pode abrir outras frentes de atuação para os grupos da sociedade civil; de outro, no entanto, integrantes de organizações ouvidos pelo Joio afirmam que esse “novo ativismo” pode não ser efetivo em todas as áreas, a exemplo de quando envolve empresas de alimentação.
O primeiro caso se passou no final de abril, assim que grupos da etnia guarani compraram na bolsa de valores ações da Rumo Logística, operadora de quatro concessões de linhas de ferro. O objetivo era denunciar o não cumprimento de prerrogativas ambientais e sociais no litoral de São Paulo, onde os índios têm áreas demarcadas.
A compra de papéis da companhia foi a saída às dificuldades impostas pelo Estado brasileiro, segundo o coordenador do comitê das aldeias impactadas pela Rumo, Karai Tataendy (Tiago Santos, em português). A iniciativa ganhou força no atual momento de ataques do governo federal às políticas indigenistas. “Encontramos uma forma de dialogar com instâncias superiores que nos deram voz de fato”, afirma em entrevista ao Joio.
Os guarani obtiveram, após aquisição das ações, voz na assembleia anual de investidores da companhia e conseguiram mobilizar o setor de compliance —uma espécie de ouvidoria com poder de decisão— e a auditoria externa. Isso fez com que outros acionistas, muitos deles estrangeiros, cobrassem mais transparência e proatividade nos tocantes sociais e ambientais. De acordo com Tatendy, a iniciativa também levou a melhorar o diálogo dos índios com o Ministério Público Federal, que monitora o cumprimento dos compromissos assumidos pela operadora de linhas de ferro.
A ideia se multiplicou. Eloy Terena, advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, participou, um mês depois, no final de maio, da reunião de acionistas da Black Rock, uma gestora de fundos de investimento que tem participações em gigantes do agribusiness no Brasil, como a Bunge e o grupo JBS. “Adquirimos ações da companhia e tomamos assento na qualidade de acionista-investidor. Aproveitamos para denunciar o impacto do agronegócio sobre os direitos dos povos indígenas e meio ambiente no Brasil”, ele declarou em uma rede social.
Essas formas de manifestação que, em uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo foram batizadas de “ativismo societário”, inspiram-se em exemplos que vêm de fora. No Canadá, povos originários já faziam parecido desde os anos 1990, de acordo com Tataendy. Mas o primeiro caso de iniciativas incidindo diretamente sobre corporações vem dos Estados Unidos. A organização não-governamental Peta (People for the Ethical Treatment of Animals), a maior entidade mundial de defesa de direitos dos animais, foi pioneira em atuar por dentro de empresas.
Em 1981, a ONG norte-americana conduziu uma investigação sobre maus-tratos a macacos, em um laboratório no Estado de Maryland, e trouxe visibilidade ao tema do sofrimento animal. O sucesso da empreitada desenhou as primeiras políticas públicas de direitos dos animais nos EUA. De lá para cá, a organização ampliou o escopo.
“Constituímos boas relações com centenas de empresas multinacionais em uma ampla gama de setores, alcançando inúmeros resultados de sucesso ao longo dos anos, participando de diálogos cooperativos e colaborando em estruturas de negócios existentes”, diz Sofia Chauvet, assessora de comunicação da Peta, em entrevista por e-mail ao Joio.
A entidade afirma deter ações de empresas do ramo de alimentos, farmacêutico, biotecnológico e outros setores. O objetivo é garantir presença nas reuniões anuais das companhias, caso elas não deem atenção ao bem-estar animal. A Peta declara que já atingiu mais de 3.900 corporações, que foram demovidas da ideia de testar produtos em animais e instigadas a buscar outros métodos. Nessa relação, estão marcas do naipe de Avon, Benetton, DuPont, General Electric Company, Hasbro, Mattel, McDonald’s, 3M Company, entre outras.
“A Peta continuará a ter um papel ativo como acionista, até que essas empresas tomem a decisão de deixar o uso ou colocar em risco os animais”, declara Chauvet. Ela admite, porém, que agir por dentro das companhias nem sempre traz os resultados desejados.
“Nosso objetivo é impedir o sofrimento dos animais. Às vezes, isso exige campanhas publicitárias que algumas pessoas julgam ultrajantes ou controversas, mas parte do nosso trabalho é chamar a atenção das pessoas e até chocá-las para iniciar discussões, debates e questionamentos sobre o status quo.”
O posicionamento é semelhante ao adotado pelos indígenas no Brasil. O representante dos povos guaranis não sabe dizer porque o “ativismo societário” demorou para chegar por aqui, mas reconhece que foi adotado devido ao atual momento político. Recordar é viver: os índios são um dos principais alvos das declarações estapafúrdias e dos ataques do presidente Jair Bolsonaro.
Ele desmontou estruturas importantes para as políticas indigenistas e tentou transferir a Fundação Nacional do Índio (Funai) ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, chefiado pela advogada e pastora evangélica Damares Alves, que é fundadora de uma ONG acusada de sequestro de crianças e incitação de ódio contra indígenas.
“O novo governo piorou a nossa situação, tentávamos reuniões e não conseguíamos resposta. Dadas as dificuldades, surgiram outras ideias de atuação, algumas sugeridas por nossos assessores”, afirma Tatendy. “[Esse novo ativismo] é uma forma de inovar o nosso movimento. Ver que sua voz é ouvida te dá muito força para continuar, acho que esse pode ser o pontapé inicial de algo novo no Brasil”, acrescenta o guarani.
Em nota, a Rumo diz que “a empresa e o Comitê Interaldeias estão em negociação para a continuidade das atividades do Componente Indígena do Plano Básico Ambiental (CI-PBA).” O CI-PBA determina as prerrogativas a seguir por uma companhia que realiza empreendimentos em áreas indígenas.
“Cabe esclarecer ainda que grande parte da obra de duplicação nos 215 quilômetros de via, incluindo os 55 quilômetros em área de interferência em terras indígenas, já foi concluída, com os devidos licenciamentos para sua realização. Por fim, a Rumo reafirma seu compromisso com as normas de sustentabilidade e sua preocupação com o cumprimento da lei”, acrescenta a operadora de ferrovias. Procurada, a Black Rock, por sua vez, não se posicionou até a publicação desta reportagem.
Coca sempre ela
Não é só no Brasil que a ideia de comprar ações de empresas ganhou atenção. Recentemente, duas organizações de defesa dos consumidores, uma do México e outra da Colômbia, fizeram o mesmo contra a Coca-Cola. Ao mesmo tempo que os indígenas no Brasil tomavam a iniciativa, o par de entidades participou da assembleia anual de investidores da megacorporação, no final de abril, em Atlanta (EUA).
Elas conseguiram motivar uma resolução do conselho de acionistas pedindo que a empresa de refrigerantes deixasse de intervir nas políticas de saúde dos dois países.
O Joio já tratou do assunto. Por mais de uma vez e em mais de um local, a Coca-Cola atuou para barrar programas para o aumento de impostos em bebidas açucaradas —uma recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), diga-se de passagem.
A taxação de refrigerantes e correlatos é vista como uma medida importante para reduzir o consumo desses produtos, associados ao desenvolvimento de diversas doenças crônicas não transmissíveis. No México, um tributo sobre tais itens foi aprovado em 2014 para conter a epidemia de obesidade —a compra caiu em quase um quinto, segundo estudos preliminares. Na Colômbia, uma iniciativa semelhante surgiu, mas naufragou em 2016 após forte campanha das empresas do setor.
“O que os executivos da Coca-Cola temiam ouvir?”, disse Esperanza Ceron Villacaran, diretora executiva da ONG colombiana Educar Consumidores, após a reunião. “Eles não podem se esconder para sempre. A Coca-Cola deve parar a interferência nas políticas públicas que nossos países pretendem adotar para prevenir a epidemia de obesidade, uma epidemia impulsionada por seus produtos”, ela afirmou, em nota da organização sobre a assembleia em Atlanta.
“Os consumidores estão cada vez mais conscientes dos verdadeiros custos dos produtos açucarados da Coca-Cola e de sua associação com epidemias crescentes. É hora de a corporação revelar o risco real de seu modelo de negócios orientado para o lucro para seus acionistas”, complementou Rebecca Berner, diretora de desenvolvimento institucional da ONG mexicana El Poder del Consumidor, que também foi aos EUA.
Procurada por esta reportagem, a Coca-Cola declarou que “as opiniões e comentários de nossos acionistas são bem-vindas. Nós aceitamos o máximo de perguntas que conseguimos – com o tempo que tínhamos – durante a reunião. Infelizmente, por conta da natureza dessas reuniões, não é garantido que todos terão tempo de falar, uma vez que é grande o número de pessoas que querem se pronunciar e serem ouvidas.”
Com os burros n’água
Tentar atuar por dentro das empresas de alimentação, contudo, pode nem sempre dar resultados. Há algum risco de dar com os burros n’água. Por essa e outras razões, a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, que é o principal ajuntamento de entidades da sociedade civil e do meio acadêmico relacionadas ao tema no Brasil, nunca chegou a cogitar usar do “ativismo societário” para atingir companhias de alimentos.
Além disso, este debate, na área da alimentação, levanta uma pergunta: quais tipos de empresa deveriam produzir comida? A resposta, em linhas gerais, divide dois grupos. De um lado, há quem afirme que seria necessário rever as atuais companhias, que fazem parte de um grande oligopólio mundial que, apesar da diversidade de marcas, traduz-se em poucas holdings e produtos mais ou menos iguais (todos com açúcar, farinha, gordura, sal e aditivos).
“Quais tipos de empresas nós gostaríamos de financiar e incentivar? Talvez uma cooperativa de pequenos agricultores ou um grupo de pessoas que faça alimentos orgânicos e tenha dificuldades financeiras. Talvez valha pensar o ativismo societário dessa forma, para conseguir dar pernas e pés para o que a gente quer que seja consumido”, diz a nutricionista Ana Carolina Feldenheimer, professora da UERJ e integrante da secretaria-executiva da Aliança.
De outro lado, existem os que defendem que as atuais corporações do setor precisam melhorar ou adaptar os produtos às necessidades dos consumidores, reduzindo os índices de açúcar, gorduras e sal por meio de marcos autorregulatórios, adicionando fibras, fazendo outras modificações ou lançando outros itens.
Esse ponto de vista é de agrado de boa parte das companhias do setor, que se dizem atentas às necessidades dos consumidores. As corporações investem pesado em marketing e procuram conhecer quase em tempo real os hábitos da população. Têm diversas estratégias para isso: monitoram redes sociais, contratam pesquisa de opinião, entre outras iniciativas. Assim, dizem que estão atentas ao que vendem.
“Na área de alimentos, as empresas sabem que os consumidores estão procurando produtos mais saudáveis. Então, elas buscam antecipar essa tendência, em vez de ficar resistindo. Sobre gorduras saturadas, sal, açúcares, houve os acordos de redução de uso. As empresas que estão resistindo ficam para trás”, afirma Regina Magalhães, especialista em finanças, logística e cadeias produtivas e PhD em ciências ambientais pela USP.
Ocorre, contudo, que esta última perspectiva apresenta certas limitações. Não só as investidas de autorregulação estão aquém das necessidades da saúde pública, por exemplo, como também existe algo mais trivial. Há muitas empresas no setor que não possuem capital aberto, portanto, não vendem ações na bolsa de valores e deixam as decisões unicamente a cargo dos diretores.
“Existe espaço para alguma mudança na cultura das empresas da indústria de alimentação, mas não acho que seja o mais efetivo”, afirma a nutricionista Ana Paula Bortoletto, pesquisadora em alimentos do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
Nunca é demais ressaltar: sobram evidências sobre a relação entre o consumo dos ultraprocessados e o aumento de mortes e problemas de saúde como a obesidade. Bortoletto levanta dúvidas quanto a deixar decisões públicas a cargo de empresas privadas. O diálogo com as empresas de alimentação pode ser apenas um subterfúgio para criação de produtos voltados a nichos, que não eliminam ou deixam de circular os alimentos ultraprocessados.
“Não sei qual será a preocupação dos acionistas com coisas como a empresa causando obesidade ou trabalhando contra políticas públicas. Imagino que haja um limite para o ‘ativismo societário’ que não seja suficiente”, complementa a nutricionista do Idec.
McDonald’s vegano
Nos EUA, recentemente, a escritora e ativista vegana Kathy Freston, uma importante influenciadora digital na área da alimentação, lançou um abaixo-assinado no Change.org reivindicando a inclusão de um sanduíche vegano nos cardápios da rede de restaurantes do McDonald’s. Em 24 de maio, ela conseguiu voz no conselho de acionistas da empresa. A iniciativa é para lá de controversa, mas o desfecho da história é, por demais, simbólico.
Instada a se posicionar, a gigante de lanches ultracalóricos desconversou e não deu uma resposta clara à reivindicação. Burros n’água, como falamos. Segundo a influenciadora digital, a diretora de marketing global do McDonald’s, Silvia Lagnado, disse, após ser informada sobre a petição de 215 mil assinaturas, que a empresa ainda precisa avaliar melhor a demanda dos consumidores. O Joio questionou a matriz norte-americana da companhia sobre o assunto, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Freston, porém, afirma que está otimista. “Estou otimista porque o mercado está falando alto e claramente. Então, a menos que eles ignorem uma tendência, eles irão acatar a reivindicação. É do interesse deles”, ela afirma, em entrevista ao Joio. Questionamos a influenciadora digital sobre o que motivou a sua reivindicação. “Há muitas pessoas que também estão reavaliando sua comida, e querendo uma opção mais saudável e mais humana. Essas pessoas estão deixando o McDonald’s em massa”, explica.
“Adoramos a facilidade e a familiaridade do McDonald’s, mas eles não acompanham as tendências alimentares em constante mudança. Eles têm ignorado o crescente desejo de obter proteína oriunda de plantas. Eu pensei que uma petição poderia ajudar a deixar bem claro quantas pessoas estão pedindo mudanças”, complementa.
A nutricionista Ana Ceregatti, por sua vez, é uma das pessoas que tenta pautar no Brasil os debates sobre veganismo que ocupam as redes sociais. Pós-graduada em nutrição clínica e nutrição materno-infantil, tem 30 anos de experiência em atendimento clínico, principalmente com pacientes preocupados com alimentação saudável. Ela diz não acreditar que empresas de fast-food podem fazer produtos mais nutritivos.
“Pessoalmente, acho negativo essa facção da população vegana que vai atrás seja atrás de McDonald’s, seja atrás de Burger King, ou seja, atrás de qualquer outro alimento que não seja saudável. Isso é uma forma de perpetuar uma cultura alimentar onívora inadequada”, diz à reportagem. “Nem todas as pessoas que se alimentam sem carne, vegetarianas ou veganas, têm a preocupação da alimentação saudável”, complementa.
Para deixar claro: fazer um sanduíche que não tem carne pode não mudar o fato de que é produto cheio de gorduras, sal e elevado em calorias. “Embora seja vendido com um selo de ser mais saudável, provavelmente não será mais saudável. No fim das contas será um sanduíche como todos os outros vendidos na loja, acompanhado de refrigerante e batata frita”, lembra Feldenheimer, da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável.
Ela também diz que reivindicações como um lanche vegano no McDonald’s ganham força sob influência das propagandas e do marketing das grandes empresas de alimentação. “Isso tem um apelo em como os conglomerados de comida ultraprocessada fomentam a criar um ativismo de inserção no sistema alimentar como é e não que pensa em rediscuti-lo para frente. São causas que as pessoas se engajam para serem inseridas no sistema em como está colocado.”
Mudança no horizonte?
O ativismo de sócios minoritários em empresas pode se tornar uma tendência nos próximos anos. A leitura está em artigo da edição de 2018 da revista do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), assinado pela economista Cristiana Pereira, ex-diretora da B3 (a antiga Bovespa, a bolsa de valores de São Paulo).
Segundo ela no texto “As Inovações Trazidas pelo Voto a Distância”, a admissão de novos mecanismos de participação nas reuniões chancelados pela Comissão de Valores Mobiliários, como conferências online, abre espaço para que mais acionistas tenham voz nas corporações.
De certa forma, isso permite que o chamado ‘ativismo societário’ torne-se uma tendência cada vez mais forte nos próximos anos, principalmente no Brasil. Não seria estranho se, daqui em diante, outros setores da sociedade seguissem o exemplo dos povos indígenas e passassem a também comprar papéis de empresas para pleitear mais transparência ou troca de prioridades. Parece que há alguma mudança no horizonte.
De acordo com a especialista em finanças Regina Magalhães, que também assina um artigo na revista do IBGC, o que tornará uma empresa mais ou menos sensível a essas reivindicações será o perfil geral dos acionistas e dos diretores.
Ela diz, em entrevista a nossa reportagem, que dependendo da visão desses grupos as empresas, podem priorizar ganhos mais imediatos, no curto prazo, ou mais duradouros e sustentáveis ambiental e socialmente, no longo prazo. Porém faz uma observação: “Muitas empresas percebem que um ambiente social melhor é melhor para os negócios. Entretanto, há diferenças entre o que querem as empresas e o que querem, por exemplo, organizações da sociedade civil.”
Uma das limitações visíveis para o que as empresas podem mudar diz respeito à saúde pública. Apesar de muitas companhias afirmarem que estão preocupadas com o assunto, acabam tentando direcionar o cumprimento de políticas públicas para que, em um primeiro momento, os lucros não sejam prejudicados.
“Um problema das empresas de capital aberto é a enorme influência que têm no sistema alimentar. Elas vão se preocupar mais com os interesses comerciais do que com a saúde pública. Podem adotar uma iniciativa de reformulação de produtos, mas vai ter um limite em quais produtos irão mexer, como os itens líderes de vendas, que vão continuar a ser produtos ultraprocessados”, declara Bortoletto, do Idec.
Escolhas equilibradas, não existem alimentos bons nem ruins, a classificação NOVA —que derrubou a pirâmide alimentar e cunhou o termo ultraprocessados— “faz distorções”. São muitos os argumentos que as empresas de alimentos usam para relativizar os males que seus produtos causam. Faz parte do debate. Contudo, diz o ditado, contra fatos restam poucos argumentos.
“A indústria de alimentos promove uma alimentação bastante inadequada. A gente está em uma moda de alimentos fit, alimentos ‘politicamente corretos’ e a indústria percebe isso. Se for realmente saudável, cabem poucas coisas que estão dentro de um pacote; por exemplo, arroz cabe, mas a bolacha já estaria fora. E que indústria não quer vender bolacha?”, diz a nutricionista Ceregatti.
Fazer papel de advogado do diabo é uma das razões para que o Joio existe. Isto é, não cansamos de mostrar como, no inferno, há uma infinidade de ditas “boas intenções”. Uma delas foi um programa educativo da Danone, que, sob o suposto objetivo de promover oficinas sobre saúde e educação alimentar, expunha produtos da empresa, como uma espécie de campanha de marketing. Tratava-se do projeto 1, 2, 3 Saúde!, que prescrevia para crianças alimentos lácteos, os mais vendidos da companhia, coincidentemente.
Na área da alimentação, é muito comum que empresas usem de iniciativas do tipo para tentar barrar a agenda regulatória de Estados nacionais. “Se as corporações assumem que querem contribuir para a saúde pública, já deveriam adotar as práticas regulatórias sem ninguém para cobrá-las. Isso já deveria fazer parte das estratégias que a empresa toma para contribuir à saúde, sem precisar de alguém que compre ações e vá lá dizer isso”, afirma Bortoletto.
Imagem do destaque: Denise Matsumoto/O Joio e O Trigo
Crescem reações à relação entre ciência e indústria de ultraprocessados