Ex-ministro da agricultura, Alysson Paulinelli afirma em entrevista que o país precisa produzir mais frutas, legumes e verduras e valorizar a mão de obra rural
Há uma demanda mundial crescente por alimentos in natura, e o Brasil deve tomar a frente para atendê-la. Pode parecer inusitado, mas quem defende o protagonismo do país no cultivo e comércio de comida saudável é uma das principais cabeças pensantes do agronegócio brasileiro —um setor que produz commodities como soja e milho, que, não raro, servem para abastecer a indústria de ultraprocessados.
O ex-ministro da agricultura de Ernesto Geisel (1974-1979), durante a ditadura militar, Alysson Paulinelli, 83, afirma que as pessoas, principalmente aquelas mais jovens, querem consumir mais frutas, legumes e verduras, não importa a área do globo.
Presidente da Associação Brasileira de Produtores de Milho (Abramilho), ele é uma das mais conhecidas figuras públicas dentre os produtores agropecuários e tem usado de sua influência para alertar sobre a necessidade do aumento do cultivo de alimentos in natura no país.
“Você vai na Europa, e ela quer frutas e legumes. Você vai no Japão, e ele quer frutas e legumes. Você vai nos Estados Unidos, e a juventude só quer falar em produto natural para comer. Chegou a grande vez do Brasil”, ele afirma, em entrevista que concedeu a O Joio e O Trigo.
Tomar a frente da produção de gêneros in natura, ele diz, pode não só alavancar a economia como também gerar mais postos de trabalho. Como mostrou o último Censo Agropecuário, a agricultura familiar, grande responsável por esta produção, vem perdendo mão de obra.
Na conversa com este repórter, ele comentou sobre a alta do preço da carne. Além disso, negou que o agronegócio contribua para as mudanças climáticas e ainda teceu elogios à ministra Tereza Cristina —que, na sua gestão, foi a grande responsável por autorizar 503 novos venenos agrícolas para comércio no Brasil. Confira os principais trechos da entrevista abaixo.
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Pergunta — O senhor tem afirmado que as novas gerações querem consumir alimentos mais saudáveis. E, para dar conta disso, a agricultura brasileira precisaria mudar. Como seria esta mudança?
Resposta — Não é propriamente uma mudança. Eu não acredito que seja possível fazer uma agricultura forte sem o mercado. Quando eu entrei no governo [em 1974] o mercado era interno. O Brasil importava um terço do que consumia. Tomamos uma decisão e fizemos uma agricultura para atender o mercado [interno e externo] e passamos também a ser mais competentes.
Eu tenho andado muito, voltei de um congresso com mais de 128 países, conversei muito, ouvi muito, e tenho lido os relatórios do FDA, da FAO, da OCDE e etc. Há uma nítida tendência de mudança de hábito alimentar no mundo, especialmente na juventude mundial, especialmente em quem tem mais dinheiro por enquanto… Mas todos os outros vão acompanhar.
Esse negócio de hábito alimentar é como o macaco: um comeu, o outro quer comer. O que há é o seguinte: você terá um novo mercado para produtos naturais.
Mas o senhor acredita que seria a agricultura de commodities a responsável pela produção de alimentos mais saudáveis? Onde se acomodaria esse novo mercado?
Ao lado da produção de commodities. A commodity é destinada mais à produção de alguma coisa. Você não consome, por exemplo, o milho direto, a não ser em poucos países. Você não consome a soja direto. Você consome o frango, o porco, o boi, o leite, o ovo etc. E assim sucessivamente.
Eu gostaria de chamar a atenção para um novo mercado que é o de produtos naturais. Se o consumidor pudesse, ele só comeria o resultado dessa agricultura. Mas ela não tem condição de abastecer todo o mercado que está surgindo. Então, é o mercado natural que vai crescer o quanto for possível, e o Brasil vai aproveitar isso.
O senhor está dizendo que esse mercado de produtos in natura, como ainda não tem tantas condições, receba os mesmos investimentos do agronegócio?
Eu quero que isso aconteça. Os profissionais e o governo precisam ver. É a grande chance que nós temos. Está se abrindo um mercado que vai poder dar uma melhor ocupação para milhões de brasileiros que ainda não entraram no processo produtivo. Não conseguem produzir nem para si.
A agricultura de subsistência não dá renda. Ela não tem nem um salário. Isso é ruim para o país, enquanto tivermos uma dicotomia entre agronegócio e agricultura familiar. Uma é altamente competitiva, dá renda, anda fazendo o diabo…
A outra tem que crescer. O governo tem que voltar ao que foi a chave do nosso programa de governo [nos anos 1970]. Ciência, muita ciência, para fazer as modificações, as revoluções e ter capacidade produtiva nessa área, com assistência técnica e extensão rural. Precisa de uma política pública para isso.
Hoje, qual deveria ser a prioridade da política agropecuária do país?
Não atrapalhar os 842 mil [grandes produtores] e fazer uma política para que eles evoluam sem a interferência do governo, sem tributações estapafúrdias, melhorar a infraestrutura e outras coisas, para que eles continuem com capacidade competitiva e continuem ganhando e mantendo o que já ganharam.
A segunda prioridade é a geração de um novo modelo para atender o novo mercado. Eu não acredito em agricultura sem mercado. Então, se o mercado está começando a formar, vamos dominá-lo.
Eu acho que é a grande chance. [Queremos] gente que tenha a capacidade de se organizar, de produzir, que tenha vocação, que tenha educação formal, coisas que o governo precisa ajudar via o sistema de extensão rural e de assistência técnica, para que tenha a capacidade de usar as inovações que vão tornar o produto competitivo.
Não acho que vamos usar de imediato os milhões [de pequenos produtores], mas vamos usar muitos deles. Com um detalhe: hoje você produz soja com o mínimo de mão de obra. Na agricultura natural, não.
A agricultura natural passa pela mão do produtor. Ela exige uma mão de obra mais qualificada e especializada para isso. Você vai produzir alimentos que têm que ser de alta capacidade de atendimento ao que o consumidor novo deseja: o mais natural possível. Quando entra máquina demais, começa a retirar o natural.
Isso vai além das políticas que existem hoje, como o Pronaf, a principal delas?
Exatamente. Especialmente, pesquisa, porque eu não acredito que o agricultor faça revolução sem pesquisa. Nós temos que fazer formas de transferir tecnologia. Nós temos que ter crédito assistido para que o governo garanta que as inovações sejam usadas e que o produtor se beneficie dela. E ajudar, especialmente, na comercialização.
Esse mercado pode se desenvolver…
Não. Ele já está se desenvolvendo. Eu quero atendê-lo! Você vai na Europa hoje, e ela quer frutas e legumes. Você vai no Japão hoje, e ele quer frutas e legumes. Você vai nos Estados Unidos, e ele está mudando a tendência dele e a juventude especialmente só quer falar em produto natural para comer. Chegou a grande vez agora.
Esse mercado pode se desenvolver, mesmo com as políticas em curso do atual governo? A Conab, por exemplo, está fechando armazéns de alimentos.
A Conab [está fechando] porque governo não é bom para comercializar. As Ceasas hoje, apenas o prédio é do governo, têm toda a comercialização privada. Hoje, temos mega empresas comercializadoras de produtos alimentares.
Agora, não pode deixar ter especulação. A formação do preço tem que ter informação. Foi o que eu fiz [na década de 1970]. Aquela informação automática que tem nos Ceasas, nos centros de comercialização, você vê o preço do Brasil inteiro, isso tem que ter a iniciativa privada, e o governo só deve policiar para não haver malandragem.
Mas os armazéns da Conab não eram importantes para evitar a especulação dos preços?
Nas áreas pioneiras sim. Mas, na medida em que a iniciativa privada vai chegando às áreas pioneiras, se houver um sistema de acompanhamento da formação do preço, as empresas privadas têm preços melhores do que os da Conab. Pode ser que o preço de venda [da Conab] seja melhor, mas, assim, o governo está perdendo. Ou ele subsidia ou perde.
O aumento do preço da carne não é um indício de que o mercado interno pode ser prejudicado, caso a comercialização dependa apenas da iniciativa privada?
O que ocorreu foi uma explosão [da demanda]. Para você ter uma ideia, a China tem mais da metade dos suínos do mundo. E, de uma hora para outra, aparece lá uma doença que ela não conseguiu controlar, porque mais da metade da suinocultura é de fundo de quintal. Não se controla doenças com suinocultura de fundo de quintal.
Isso avassalou a China e mais de um quarto de toda a população de suínos do mundo foi dizimada. Ninguém esperava. Agora, [essa situação] vai se acomodando.
Nós não temos carne para suprir. O que está uma beleza é que os suinocultores e avicultores estão rachando de ganhar dinheiro. Isso é ótimo, porque eles estão investindo e vão produzir mais. A China vai gastar no mínimo quatro anos para recompor o seu rebanho, se agir corretamente, mas isso eu não garanto. Então, nós temos quatro anos para crescer.
Isso que é uma beleza do mercado. A hora que nós tivermos maior, nós vamos concorrer com a própria China, talvez. E nós produzimos um pouco mais barato do que ela.
Atender essa demanda externa não pode prejudicar a soberania alimentar do Brasil?
Não. Isso ajusta. O mercado ajusta. O preço vai subir e depois vai cair naturalmente. O mercado tem que ajustar. O preço tem que subir mesmo. Olha, mercado é interessante. Faltou, o preço sobe.
Qual avaliação o senhor faz da gestão de Tereza Cristina à frente do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento?
Excepcional. A Cristina tem uma sensibilidade muito grande para isso. Eu conversa muito com ela, porque eu sou fã número 1 dela e acho que ela está fazendo um papel belíssimo. Tem um competência política que o próprio presidente já verificou. Ele reconhece isso.
Outra coisa. Ela tem profissionais hoje muito mais qualificados. A ministra tem isso à disposição. E ela está utilizando, ela é muito competente. Além disso, ela tem uma competência política invejável. Ela é muito hábil.
Todos nós reclamamos que o nosso presidente tem uma língua solta. Ela é o contrário. Ela tira pirulito da boca de menino sem ele chorar [risos].
Ela não tem tomado medidas controversas, como a liberação de mais agrotóxicos, que vão na contramão da produção de alimentos mais saudáveis?
O que está acontecendo é que quem não conhece está dando palpite errado. Essa questão dos defensivos, ela não aumentou nada. Existem moléculas [de agrotóxicos] novas ou mais simples, menos corrosivas, por exemplo, e, dependendo do tipo da praga ou da doença, você pode usar essas alternativas. O que ela fez foi dar essas alternativas.
O senhor falou que o clima tropical é o trunfo da agropecuária brasileira. As mudanças climáticas não podem prejudicar a nossa agricultura?
Ao contrário. Você tem que usar mais pesquisa para sair na frente dos outros. Essas mudanças existem sempre, só que estão vindo com mais velocidade agora. Então, você tem que estar atento. O que resolve isso? Pesquisa.
Você precisa ter um corpo científico competente, e nós temos isso no Brasil, graças a Deus. A Embrapa, as nossas universidades, as organizações estaduais de pesquisa e a iniciativa privada. Nós estamos colocando tudo junto agora em um saco único para que o Brasil não perca tempo. Esse é um trabalho que eu estou tentando ajudar.
Ambientalistas dizem que o agronegócio colabora para as mudanças climáticas.
Sobre isso daí você me desculpe. Sabe o que é isso? É frustração de ideologias que não deram certo [risos]. Nós estamos acompanhando, conseguindo nos adaptar a todas essas condições [climáticas]. O nosso produto é cada dia mais saudável.
Eu separo a ideologia da ciência. Acho que tem uma diferença grande. E o diabo a ciência está comprovando que é bom. O Brasil não era nada e hoje é o grande. Foi a ciência que fez. Lá, o lado comunista, caiu o Muro [de Berlim], mostrou o que era. A gente tem que separar bem o que é ideologia do que é tecnologia.