Os cuidados que o novo coronavírus desperta na alimentação

Estudos e autoridades de saúde dizem que o elo entre a comida e os casos de Covid-19 é fraco, mas não descartam cautela, além de práticas de higiene

A comida pode servir para a transmissão do novo coronavírus, o SARS-Cov-2? Esta é provavelmente uma dúvida —dentre outras— que você teve nos últimos dias. Diferentemente de outras questões, a resposta para a pergunta é, digamos, um pouco menos desagradável. No entanto, não é menos óbvia.

Por enquanto, não há evidências científicas que mostrem que o novo coronavírus seja transmitido ou pelo contato direto com ou pela ingestão de alimentos. Não há registro de contágio da Covid-19 por esses meios, segundo autoridades de saúde, estudos acadêmicos e o conhecimento adquirido pelas doenças desencadeadas por outros parasitas semelhantes.

A Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) avaliou o risco durante as epidemias da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) e da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS). Nas duas situações, concluiu que não houve transmissão por alimentos. 

Deduz-se, daí, que o SARS-CoV-2 se comporte de maneira semelhante aos vírus causadores da SARS e da MERS. Como, até o momento, também não se tomou nota de nenhum caso de infecção pela ingestão ou pelo contato com alimentos, essa hipótese vem sendo aceita como plausível, embora continue apenas como uma hipótese — isso é, sem estudos que a comprovem.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) brasileira tem o mesmo posicionamento, referendado na conclusão da EFSA.

A Covid-19 é uma doença respiratória que, portanto, decorre da intromissão de um vírus nas células e tecidos do sistema respiratório. Não foram encontrados males ou sintomas relacionados ao contato do SARS-CoV-2 com outros órgãos humanos. Isso não significa, no entanto, que o coronavírus não chegue às vias respiratórias a partir de outra região do corpo — e é por isso que lavar as mãos é tão importante.

Sabe-se, por enquanto, que os principais meios de contágio são o contato com os fluidos de uma pessoa que apresenta sintomas, mesmo leves. 

Um indivíduo doente, ao tossir, ao espirrar, mesmo ao falar, libera partículas de saliva contendo o vírus que pode infectar outro alguém. As secreções corporais também levam o parasita a permanecer em superfícies, que, tocadas, podem chegar ao sistema respiratório pelas mãos, ao se mexer no rosto, na boca ou no nariz.

Apesar de um estudo na revista The Lancet mostrar que exemplares do parasita foram encontrados tanto na urina quanto nas fezes humanas, descarta-se a hipótese de que o novo coronavírus afete o aparelho digestivo.

Baseada em tais evidências, a Agência Francesa de Vigilância Sanitária do Meio Ambiente e do Trabalho (Anses), no entanto, faz um alerta importante. A Anses diz que uma pessoa doente, ao estar próxima, tem a chance de liberar fluidos com o vírus na comida, a qual, ingerida, chegaria aos órgãos da respiração.

“De fato, embora o vírus tenha sido observado nas fezes dos pacientes, provavelmente foi devido à circulação do vírus no sangue após infecção respiratória e não através do trato digestivo. No entanto, a possibilidade de infecção do trato respiratório durante a mastigação não pode ser completamente descartada”, afirma.

Para todos os fins, você pode considerar que a sua comida está relativamente segura e que não há perigo de ficar doente enquanto se alimenta, desde que feitas as devidas ressalvas. Isso quer dizer que é importante ter alguns cuidados.

A “vida” do coronavírus

Os parasitas da família coronavírus permanecem “vivos” —isso é, com potencial de infectar— por períodos de até nove dias em superfícies estáveis em temperatura ambiente (entre 22º e 25º C e umidade de 40% a 50%). A constatação se refere a microorganismos semelhantes ao SARS-CoV-2, mas induz que ele se comporte da mesma forma, segundo revisão bibliográfica publicada na plataforma Science Direct.

A mesma pesquisa ainda afirma que os parasitas são sensíveis a temperaturas superiores a 30ºC e a locais com alta umidade, superiores a 90%.

Também diz que os coronavírus “não sobrevivem”, ou seja, perdem a capacidade de infecção, se as superfícies onde estão são limpas por hipoclorito de sódio ou álcool com concentração entre 62% e 71% —respectivamente, hidrosteril e álcool em gel 70º, produtos normalmente utilizados na higiene doméstica, às vezes, até na de alimentos.

Outro estudo, no New England Journal of Medicine, relatou a condução de uma experiência específica sobre o SARS-CoV-2. Dependendo do material em que se encontra, o novo coronavírus pode permanecer “vivo” por 24 horas ou até três dias. Em aerossóis expelidos pelo corpo humano, como ao tossir ou espirrar, a pesquisa diz que o parasita pode permanecer no ar por até três horas.

O experimento concluiu que em superfícies de papelão o vírus pode “sobreviver” por períodos de no máximo 24 horas, enquanto que naquelas de plástico ou aço inoxidável este tempo varia entre dois e três dias.

Quem sabe, sabe. Papelão, plástico e metal são normalmente utilizados em sacos, pacotes, latas e caixas usados para armazenar, envolver ou transportar alimentos. Além disso, utensílios domésticos, como travessas, panelas e talheres são feitos com alguns destes materiais.

O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), uma das principais instituições de pesquisa nos EUA, observa que “provavelmente existe um risco muito baixo de propagação [do vírus] em alimentos ou embalagens enviados por um período de dias ou semanas em temperatura ambiente, refrigerada ou congelada”.

Por via das dúvidas, no entanto, vale ter em mente cuidados recomendados como fazer a higienização —pode ser com álcool 70º— de embalagens, pacotes e sacolas de origem desconhecida trazidos para casa. Outra medida importante é evitar compartilhar utensílios domésticos e lavar bem louças e talheres.

Além disso, esquentar certos alimentos é uma segurança a mais. Um estudo de 2011, disponível na plataforma Hindawi, apontou que o vírus da SARS (SARS-Cov-1), parente do novo coronavírus, “morre” em minutos se exposto a temperaturas superiores a 50ºC. Esse processo é acelerado sob temperaturas maiores e com mais umidade. Em outras palavras, quando o meio contaminado pelo vírus é cozido.

É um cuidado adicional. No mais, essas práticas, além de clássicos como consumir alimentos frescos, lavar as mãos, limpar e higienizar frutas e verduras, deve lhe ajudar a evitar outras doenças. Em um momento no qual uma das maiores preocupações é a lotação do sistema de saúde, evitar ir ao hospital por uma dor de barriga também serve para prevenir outro caso em potencial de Covid-19.

Os cuidados de sempre

Não custa nada, e você já deve sabê-los de cor, mas sempre é bom repassar os cuidados recomendado pelas autoridades de saúde. Lavar as mãos pode não só prevenir a infecção pelo SARS-CoV-2, também é importante para evitar intoxicações alimentares e viroses que afetam o aparelho digestivo. Mas não basta só uma passadinha na torneira.

Use água e sabão e esfregue com cuidado as palmas, as costas, os dedos e o punho das mãos por pelo menos 20 segundos. Depois, enxague sob água corrente. Faça isso antes e depois de cozinhar ou comer, ou sempre que puder. Se não tiver água e nem sabão fáceis, utilize álcool em gel 70º, repetindo o mesmo ritual que faria se estivesse diante da torneira.

Evite levar aos mãos ao rosto, principalmente se você tocou em superfícies que não sabe quando ou como foram limpas. Quanto mais próximo do rosto, mais perto das vias respiratórios você está.

Além disso, limpe bem utensílios, superfícies e, se possível, os pisos que frequenta. Álcool com concentração de 60% a 70%, água sanitária e produtos à base de cloro são algumas sugestões para a faxina. E já que o assunto é limpeza, lembre-se sempre de higienizar os alimentos e, quando necessário, cozinhá-los com o devido cuidado.

Por fim, um adendo. A nutricionista Marion Nestle, professora da Universidade de Nova York, que nos inspirou a produzir este texto, faz recomendações parecidas. “Para estar 100% seguro quando comer alimentos frescos, faça o que você faria em locais sem abastecimento de água seguro”, diz.

“Siga as regras do MDPE [ou dos 4 P’s, no original, em inglês] e coma apenas alimentos que são: 1. Muito quentes, pois temperaturas quentes destroem vírus e outros microorganismos; 2. Descascados, lembrando de lavar as mãos antes e depois; 3. Purificados, alimentos cozido e não contaminados; e 4. Embalados, empacotados industrialmente, congelados ou secos.”

“E como sempre, lave as mãos. Se você tiver produtos frescos, lave-os. E em caso de dúvida, cozinhe”, ela conclui.

Ah, e tem mais: se puder, fique em casa!

Por Guilherme Zocchio

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