Taxar refrigerantes pode financiar o SUS e alavancar o PIB, diz estudo

Pesquisa sobre a adoção de um imposto sobre bebidas adoçadas mostra impactos positivos sobre a economia e sobre a saúde

No interior ou na cidade, a qualquer hora do dia ou da noite: comprar refrigerante é fácil, barato e tudo isso contribui para que ele substitua opções mais saudáveis, como água. Mas, e se essa lógica fosse invertida no Brasil? E, de tabela, o país ganhasse uma turbinada no PIB, com mais empregos e recursos para o SUS?

Um estudo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) mostra que tudo isso é possível: basta criar um tributo que incida especificamente sobre as bebidas adoçadas, um grupo composto por achocolatados, isotônicos, energéticos, e, claro, refrigerantes. O debate está na ordem do dia, já que o Congresso Nacional e o governo estão mobilizados na discussão de propostas para tirar do papel uma reforma tributária. Inclusive, o ministro da Economia, Paulo Guedes, já chegou a defender publicamente a criação de um imposto com essa finalidade.

Esse tipo de taxação também vem sendo discutido internacionalmente, e vários países do mundo já adotaram algum tipo de tributação que desestimule o consumo de refrigerantes e destine os recursos arrecadados para políticas públicas, casos do México e do Reino Unido.

A pesquisa, feita a pedido da ACT Promoção da Saúde, ONG que é apoiadora de O Joio e O Trigo, foi motivada a investigar se o que deu certo em outros locais poderia funcionar também no Brasil. “O estudo mostrou que sim”, afirmou Paula Johns, diretora-geral da ACT, durante um debate debate virtual promovido pelo jornal Valor Econômico na quarta-feira (23), para divulgação do estudo.

O ponto de partida é simples: bebidas adoçadas seriam taxadas com um novo imposto criado nos moldes da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide). Outras categorias de produtos, como água mineral e de coco, leite, café, chá, sucos naturais e açaí ficariam isentas.

Para isso, foram projetados três cenários, em que a alíquota desse tributo seria de 20%, 35% ou 50%. Em todos os casos, os pesquisadores concluíram que haveria redução do consumo de bebidas adoçadas em favor de opções mais saudáveis, um dos objetivos de uma eventual taxação.

No primeiro cenário, no qual a alíquota é de 20%, o consumo de achocolatados e refrigerantes cairia, 24% e 18%, respectivamente. Já a compra de água e suco aumentaria 21% e 15%.

Com a alíquota de 35%, de novo, os mais afetados são os achocolatados (-42%). Refrigerantes caem 32%. O suco cresce 26% e a água, 38%. 

Por fim, uma alíquota de 50% impulsiona o consumo de água em 54%, de café ou chá em 39%, de suco em 37% e de leite em 18%. Achocolatados reduzem 60% e refrigerantes, 46%.

Hoje, a bebida mais consumida no Brasil é o leite (39%), seguido do café (26%). No terceiro lugar está o refrigerante (21%), e a partir daí a lista segue com outras bebidas adoçadas. A água aparece no sexto lugar, seguida do suco natural. Os dados são da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE referente ao biênio 2017-18, usada como base para os cálculos da Fipe.

Um olhar para o todo

A maior motivação do estudo, segundo seus autores, é regular a indústria e induzir a escolhas mais saudáveis de consumo. A proposta de um imposto sobre bebidas adoçadas, no entanto, é frequentemente questionada. “A pergunta que a gente sempre enfrenta é que gera desemprego, traz males econômicos. Mas não é assim”, afirmou Johns, da ACT.

Os efeitos econômicos da taxação das bebidas adoçadas também entraram no escopo dos pesquisadores. E, para isso, deixaram o microscópio de lado. Em vez de examinar as repercussões apenas no consumo de bebidas adoçadas e na indústria que fabrica esses produtos, olharam para a economia brasileira como um todo.

O estudo analisou 67 setores econômicos presentes nas cinco regiões do país. Isso possibilitou constatar, por exemplo, que a taxação criaria entre 69 mil e 153 mil empregos, já que haveria aumento do consumo de produtos de cadeias produtivas intensivas, como a do leite e do café, e consequentemente, o da mão de obra empregada nesses setores.

Outra conclusão é que, depois do Sudeste, a região Nordeste seria a segunda mais beneficiada pela taxação em termos de vagas de trabalho. Uma alíquota de 20% geraria 20 mil empregos. No caso de um imposto de 50%, esse número chegaria a quase 47 mil, de acordo com a pesquisa.

Reforços na saúde e na economia

Os pesquisadores também simularam cenários que levam em conta o gasto público com a taxação de bebidas adoçadas. A arrecadação do novo imposto ficaria entre R$ 4,7 bilhões por ano, com a alíquota de 20%, e R$ 7 bilhões anuais, com a alíquota de 50%.

Eles projetaram o que aconteceria se todos esses recursos fossem destinados ao SUS. Nesse caso, a geração de empregos seria ainda maior, já que a saúde é um setor também intensivo em mão de obra. Seriam criadas pelo menos 97 mil vagas no cenário da alíquota de 20% (59 mil delas na saúde pública) e 194 mil com a alíquota de 50% (sendo 89 mil na saúde). 

“O problema hoje é que a conta não fecha. O que os governos arrecadam com a tributação desses produtos não supera as chamadas externalidades que eles geram, dentre elas os gastos com os tratamentos de problemas de saúde decorrentes de seu consumo, como cáries, obesidade infantil e doenças crônicas não transmissíveis”, comentou Johns.

“Então o ônus da produção recai sobre toda a sociedade, enquanto o bônus vai apenas para as empresas e seus acionistas. Não podemos fomentar um modelo econômico que permita situações assim.”

Em relação ao PIB, o novo tributo geraria ganho de R$ 2,4 bilhões a R$ 3,5 bi, caso a estrutura de gastos estatais se mantivesse igual. E haveria incremento de 7% caso o governo destinasse toda a arrecadação do novo tributo para o SUS, numa escala que vai de R$ 2,6 bilhões a R$ 3,8 bi.

“A opção pela proposta de um imposto nos moldes da Cide se deu por duas razões. Além de ter como função principal corrigir distorções na economia, a Cide permite que a arrecadação gerada seja destinado para fundos, programas e ações específicas”, disse Claudio Lucinda, professor titular da Faculdade de Economia da USP (FEA-USP) e um dos coordenadores do estudo.

“O trabalho mostra que os efeitos positivos da taxação sobre outros tipos de bebidas e até sobre gastos públicos superam os efeitos negativos que recaem especificamente sobre a indústria de bebidas adoçadas”, ele acrescentou durante o debate promovido pelo Valor.

Por que não agora?

Se o estudo aponta um caminho bastante factível para geração de emprego e crescimento econômico, resta perguntar por que propostas como a taxação de produtos que fazem mal à saúde não prosperaram até agora no Brasil.

Em 2019, uma pesquisa Datafolha, feita também por encomenda da ACT, mostrou que 61% dos brasileiros são a favor de aumentar a tributação sobre bebidas não saudáveis. Segundo Johns, o principal obstáculo na discussão de medidas regulatórias, no entanto, não é a opinião pública, e, sim, o lobby da indústria de refrigerantes.

O exemplo mais recente é a cruzada das empresas contra mudanças na rotulagem de alimentos ultraprocessados. “Estamos debatendo isso desde 2014, e é a resistência do setor que vai ser impactado que trava os avanços. Tributação é ainda mais difícil”, reconhece.

Mas ela afirma que há sinais de que a mobilização da sociedade no campo da alimentação pode reverter este quadro. “Não tenho dúvidas de que a alimentação está indo pelo mesmo caminho do tabaco. A mobilização da sociedade pode parecer lenta, mas está acontecendo. A tarefa é transformar em inevitável o que parece hoje ser impossível.”

Navegue por tags

Matérias relacionadas