Ilustrações por Clara Borges

O Básico dos Básicos | Batata

A batata é um fenômeno! É o terceiro alimento de origem vegetal mais consumido no mundo todo — só perde para o trigo e o arroz. No Brasil, desbancou o inhame, a batata-doce, o cará e a mandioca para se estabelecer como uma das bases da alimentação.

De acordo com a mais recente Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) divulgada pelo IBGE, cada brasileiro consome, em média, quatro quilos de batata por ano. Mas esse número, como veremos adiante, já foi bem maior. Quem ganha cada vez mais espaço no prato dos brasileiros são as versões industrializadas do tubérculo: a batata pré-frita, a batata-palha e os chips.

Conhecida pela versatilidade na cozinha, a batata tem diversas outras utilidades longe do fogão. A fécula é usada para completar comprimidos na indústria farmacêutica e para fabricar uma cola bastante usada na indústria têxtil. Com 10 quilos de cascas é possível produzir um litro de etanol — e a fermentação da batata produz bebidas alcoólicas muito apreciadas nos duros invernos da Rússia e da Escandinávia. 

Nesta página, que compõe o especial “O Básico dos Básicos”, você encontra tudo o que precisa saber sobre um dos ingredientes mais generosos da nossa culinária: ela brilha no prato, mas deixa os outros ingredientes brilharem também. O nome oficial é Solanum tuberosum, mas pode chamar só de batata.

Origem e maiores produtores

Muita gente acredita que a batata é uma cultura europeia, mas ela é nativa da Cordilheira dos Andes, aqui na América do Sul. Há registros de que povos andinos, especialmente de Peru, Bolívia e Chile, já consumiam batatas 8.000 anos atrás.

Ela só chegou à Europa no final do século 16, junto ao ouro roubado pelas expedições colonizadoras. Lá, foi adaptada ao clima e aos dias mais longos antes de se espalhar pelo mundo. 

Nem toda batata é amarelinha e de pele uniforme. Existem mais de 160 variedades catalogadas, com cores, formatos, sabores e utilidades diferentes. Mas só cerca de 20 delas são cultivadas em larga escala atualmente — via de regra, justamente as mais amarelinhas e uniformes. Falaremos mais sobre as variedades adiante.

Com uma produção anual que nunca ultrapassou quatro milhões de toneladas, o Brasil é o 20º maior produtor de batatas do mundo. De acordo com um levantamento feito pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) em 2016, as batatas brasileiras representam apenas 1% da produção mundial. Juntos, China, Índia, Rússia, Ucrânia e Estados Unidos respondem por 57%.

A batata no Brasil

Mesmo sendo um alimento quase obrigatório em vários países vizinhos, a batata foi trazida ao Brasil por mãos europeias. Se você pensar em alguns pratos tradicionais que levam batata, vai perceber essa influência. O purê francês, o nhoque italiano e a fritada espanhola são só alguns dos exemplos. 

O brasileiro se adaptou rapidamente à batata, mas, pelo menos em casa, consome cada vez menos o tubérculo. De acordo com a última POF, que coletou dados em 2017 e 2018, cada brasileiro consumia, em média, 8,1 gramas de batata por dia. Na edição anterior da pesquisa, realizada com dados de 2008 e 2009, a média era de 14,7 gramas por dia. Foi uma redução de 45% em menos de 10 anos.

Uma das explicações está no fato de que a batata é um dos alimentos que os brasileiros mais consomem fora de casa: cerca de 18% da ingestão total, segundo a POF. Outra causa é a industrialização crescente da batata, que acelera a substituição do ingrediente in natura por versões processadas. Em entrevista ao site SuperVarejo, a diretora de marketing da McCain (líder de vendas no setor), Victoria Gabrielli, afirmou que o segmento de batata pré-frita congelada cresceu 22% só em 2018.

Uma queda sensível no consumo de batata in natura já vinha sido registrada desde 1974, pelo Estudo Nacional da Despesa Familiar (Endef), e pelas POFs de 1987/88 e 1995/96. A participação da batata no total de calorias ingeridas pelos brasileiros passou de 1,49% em 1974 para 0,88% em 2002. Uma redução de 40% em 28 anos.

É evidente que o consumo não é igual em todo o território nacional. As regiões Norte e Nordeste são as que menos consomem batata, principalmente porque são áreas onde é mais comum o uso de ingredientes “equivalentes”, como mandioca e inhame. As regiões Sul e Sudeste, por outro lado, apresentam os mais elevados índices de consumo. Uma das explicações é justamente a influência da colonização europeia.

De onde vem?

Em 2019, o Brasil dedicou 116.804 hectares à plantação de batatas e colheu 3.696.930 toneladas do tubérculo. Em comparação com 1974 — primeiro ano em que o IBGE divulgou dados da Produção Agrícola Municipal (PAM) — a área plantada diminuiu bastante. Há 45 anos, eram 192.312 hectares dedicados à bataticultura, uma área 64% maior. A produção, por outro lado, era significativamente menor: 1.672.498 toneladas.

Se hoje plantamos menos e colhemos mais, é porque a produtividade por hectare aumentou drasticamente. Em 1974, o rendimento médio das plantações era de 8,6 toneladas por hectare. Em 2019, era de 31,6 toneladas por hectare — quase quatro vezes mais. 

A produção brasileira de batatas cresceu 121% nesses 45 anos. É pouco se compararmos, por exemplo, com a soja, a menina dos olhos do agronegócio brasileiro. Nos mesmos 45 anos, a produção de soja aumentou em 1.350%.

Assim como o consumo, a produção da batata não é distribuída igualmente pelo país. Existem nove regiões que se destacam das demais e precisam ser mencionadas nesta página. 

Em São Paulo, boa parte da produção está concentrada nas regiões de Itapetininga, no sudoeste do estado, e Vargem Grande do Sul, quase na divisa com Minas Gerais. Do outro lado da fronteira, além de todo o sul do estado, é o chamado Triângulo Mineiro que se destaca e faz de Minas o maior produtor de batata do país. 

No Sul, há três áreas importantes: as regiões de Guarapuava e Curitiba, no Paraná, e de São Francisco de Paula, no Rio Grande do Sul. Ainda precisam ser mencionadas duas regiões que têm se desenvolvido mais recentemente: Cristalina, em Goiás, e Chapada Diamantina, na Bahia. Essas duas últimas são grandes fornecedoras da indústria de batata pré-frita e chips.

Atualmente, mesmo com o surgimento de novas áreas de cultivo pelo país, quatro estados são responsáveis por mais de 80% da produção nacional: Minas Gerais (32,4% do total), Paraná (20,2%), São Paulo (17,5%) e Rio Grande do Sul (12,2%). Todos eles já se destacavam em 1974, mas eram os estados da região Sul que lideravam a produção.

Principais variedades e contradições

Nos supermercados brasileiros, é comum encontrar um único tipo de batata. Bem amarela e com formato levemente alongado, ela é vendida como “batata-inglesa” ou “batata lavada”. Mas esses nomes não representam uma variedade específica do tubérculo — são termos genéricos para vários cultivares diferentes.

A “batata-inglesa” que você encontra nas gôndolas muito provavelmente é da variedade Ágata, um cultivar holandês criado em 1990. Indicada para o cozimento, ela é a mais plantada no Brasil, seguida pela Asterix, de pele rosada e ideal para frituras, e a Atlantic, muito usada pela indústria.

A expressão “batata lavada”, por sua vez, indica apenas que o tubérculo passou por um processo de lavagem para remover a terra residual — vale lembrar que as batatas crescem no subsolo. Não há, portanto, uma descrição precisa da variedade que está sendo vendida. É possível que, numa mesma gôndola, você encontre variedades distintas de batata, já que muitos distribuidores misturam tubérculos de produtores diferentes antes de repassar a supermercados ou feirantes.

Mas é claro que alguns produtores optam por outras variedades. A Cupido e a Orchestra, ambas holandesas, são relativamente comuns nas lavouras do país. Há ainda uma diversidade de cultivares desenvolvidos por instituições de pesquisa brasileiras, como a Embrapa, mas que não ganharam tanto destaque quanto as variedades europeias.

Essa é uma grande contradição da bataticultura brasileira. Mesmo com variedades nacionais ou originárias de países vizinhos à disposição, a maior parte das sementes usadas por aqui são importadas da Europa — especialmente da Holanda. Isso gera alguns problemas para os produtores. Adaptadas a dias mais longos, com até 16 horas de exposição solar, as batatas europeias têm seu rendimento diminuído no Brasil.

Plantio e safras

Como na maior parte das culturas, o plantio da batata começa pela compra das sementes. A chamada “batata-semente” é um dos insumos mais caros de todo o processo de produção, muitas vezes superando inclusive o gasto com fertilizantes. Os custos variam de acordo com o local, o tamanho da lavoura, a época do plantio e a destinação do produto final.

Um levantamento feito em 2020 pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Cepea/Esalq-USP), mostrou que o gasto com batata-semente variava de R$ 4.162 por hectare (14% do custo total) a R$ 7.165 por hectare (19% do custo total). 

Para reduzir esses custos, os bataticultores geralmente utilizam um engenhoso sistema de multiplicação de sementes. Via de regra, os produtores compram apenas uma pequena porcentagem das batatas-semente de fornecedores estrangeiros. A semente, no caso da batata, é o próprio tubérculo, mas em tamanho reduzido, com cerca de dois centímetros de diâmetro. Quando plantadas, cada uma dessas sementes dá origem a pelo menos outros dez tubérculos — e cada um deles pode ser usado como uma nova semente.

Dessa forma, um bataticultor que compra, por exemplo, 1.000 batatas-semente pode, em dois ciclos de multiplicação, obter 100.000 mil (ou mais) sementes. Mas as multiplicações têm riscos: a cada nova geração, as batatas se afastam da genética da matriz e podem perder qualidade. Não é recomendado, portanto, que os produtores submetam as batatas a mais do que três ciclos de multiplicação — mas alguns agricultores assumem o risco.

Quando as sementes finalmente chegam ao solo, demoram de três a quatro meses para atingir o estado ideal de colheita. Isso acontece cerca de 15 dias depois de as ramas aéreas da planta secarem — isso pode acontecer naturalmente ou com a “ajuda” de herbicidas específicos aplicados sobre a lavoura. 

No Brasil, as batatas são produzidas em três períodos principais. A “safra das águas” é a mais importante, com plantio entre agosto e outubro e colheita entre dezembro e fevereiro. O cultivo da “safra das secas” começa em dezembro e as colheitas vão até julho. A última safra, “de inverno”, tem o plantio concentrado nos meses de abril, maio e junho, e a colheita nos meses de agosto, setembro e outubro. Nesta última, os agricultores geralmente precisam contar com irrigação artificial constante e redobrar os cuidados com possíveis geadas em regiões mais frias.

Essas condições ideais são, na maior parte do tempo, impraticáveis no Brasil. Por aqui, as plantas raramente ficam expostas a mais de 14h seguidas de sol — e manter os cultivares sob temperaturas relativamente baixas é muito difícil. Sem a combinação perfeita de fotoperíodo longo e temperatura amena, a produtividade das lavouras brasileiras é bem inferior à europeia. A única variável que pode ser controlada é a irrigação, que em muitas regiões é feita de maneira artificial.

Preços

Cultivar batata é caro. A pesquisa conduzida pelo Cepea/Esalq-USP, que já foi mencionada anteriormente, analisou as despesas de produção de diferentes propriedades nos estados de Minas Gerais e São Paulo. Em 2019, o custo por hectare plantado variava de R$ 29.368, em lavouras de grande porte, a R$ 46.599, em espaços menores. 

Vale ressaltar que os custos são diferentes para a produção de “batata-consumo”, voltada à venda em feiras e supermercados, e a de “batata-indústria”, destinada ao processamento. Levando em consideração esses diferentes segmentos, o custo médio de cada quilo de batata produzido ficou entre R$ 0,76 e R$ 1,33  — R$ 38,18 e R$ 66,57, respectivamente, para as sacas de 50 quilos, como os tubérculos são geralmente comercializados.

Os preços mais altos da saca de 50 quilos nos últimos três anos impactaram diretamente os preços pagos pelos consumidores nas gôndolas de feiras e supermercados. A inflação dos alimentos, que registrou assustadores 14% em 2020, não poupou a batata. Esse é mais um dos fatores que contribuem para a tendência de redução do consumo do tubérculo nas casas brasileiras registrada pela Pesquisa de Orçamentos Familiares em 2018.

Depois de uma alta acentuada nos últimos meses de 2020, o preço da batata nos equipamentos varejistas caiu sensivelmente no primeiro quadrimestre de 2021

Dados estruturados sobre perdas na cadeia da batata são raros na literatura brasileira. Mas, de acordo com uma estimativa da Associação Brasileira da Batata (Abba), em casos extremos o descarte pode chegar a 40% da produção.

Problemas fitossanitários, como doenças e pragas, são os maiores responsáveis pelas perdas. A Abba estima que doenças como requeima, canela-preta, sarna-comum, podridão-mole e murcha-bacteriana causem um descarte que varia de 10% a 20%. Adversidades climáticas, como secas prolongadas, geadas, chuvas intensas ou temperaturas muito elevadas também podem causar até 10% de perdas.

A associação aponta ainda o manuseio inadequado como responsável por um desperdício de 5% a 10% da produção. Essa estimativa leva em consideração os danos físicos causados aos tubérculos principalmente durante a colheita, a lavagem, o transporte e também no comércio varejista.

Quanto às perdas geradas pelos consumidores, é difícil saber com precisão. Mas uma pesquisa de 2018 realizada pela Embrapa estimou em 4% o desperdício doméstico de hortaliças, grupo que engloba a batata.

Por Victor Matioli

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