O Joio e O Trigo

O dinheiro do McDonald’s não vem só do lanche que você compra

O aluguel cobrado sobre os terrenos faz com que as unidades franqueadas, que representam 93% do total, gerem rendimentos até oito vezes maiores do que as lojas próprias

Você entra com fome em uma loja do McDonald’s e se depara com uma promoção: dois lanches do cardápio por R$ 14,90. É um ótimo negócio. Enquanto espera, você repara na estrutura da loja. As luzes, as máquinas, os móveis, a decoração chamativa. Olha pros funcionários que te atenderam e pros outros que preparam as refeições na cozinha. Depois bate os olhos na nota fiscal e pensa: “Será que foi um bom negócio pro McDonald’s também?”.

Afinal, R$ 15 não parecem ser suficientes para pagar o custo dos lanches, os funcionários, a publicidade, a energia elétrica, a manutenção da loja, os impostos… Será que sobra alguma coisa para a matriz americana da corporação?

A resposta simples é que sim, sobra um bom dinheiro. Em 2020, depois de um ano de redução nas vendas por conta da pandemia de Covid-19, a McDonald’s Corporation registrou um lucro líquido de US$ 4,7 bilhões — quase R$ 25 bilhões. Os números refletem o gigantismo da empresa: são 39.198 lojas espalhadas por 119 países, de acordo com o último relatório anual da companhia. 

Mas existe uma outra resposta, mais longa e complexa, que ajuda a entender melhor o caminho que seus R$ 15 percorrem até chegar aos cofres da mais poderosa rede de fast food do mundo. Essa outra resposta parte de uma premissa básica: vender lanches, refrigerantes e sorvetes é muito importante para o McDonald’s, mas está longe de ser o principal negócio da empresa. 

Franquear, franquear e franquear

Das mais de 39 mil lojas, só 2.677 são controladas diretamente pela McDonald’s Corp. Isso significa que 93% das unidades espalhadas pelo mundo são franqueadas. E não é por acaso: as franquias são infinitamente mais lucrativas e fáceis de administrar do que as lojas próprias. 

Somente em 2020, as franquias repassaram à matriz US$ 10,7 bilhões em taxas — cerca de 12,5% dos US$ 85,1 bilhões arrecadados com a venda de produtos. Além de um valor fixo pago para adquirir o direito de operar uma loja, os franqueados ainda pagam mensalmente uma taxa de royalties, uma de publicidade e, via de regra, um aluguel pelo uso do terreno em que a loja está construída. Falaremos mais sobre isso adiante.

Os custos das lojas franqueadas, por outro lado, são baixos para a matriz. Cabe ao franqueado comprar todos os ingredientes usados nos itens do cardápio (de fornecedores indicados pelo McDonald’s) e arcar com os demais custos operacionais da loja. Na prática, o dinheiro se faz sozinho: a matriz só aguarda sentada pelos repasses mensais.

É bem diferente do que acontece com as lojas próprias. Em 2020, por exemplo, elas arrecadaram US$ 8,1 bilhões, mas apresentaram custos elevados: US$ 2,5 bilhões com “comida e papel”, US$ 2,4 bilhões com a folha de pagamento e outros US$ 2 bilhões com terrenos e outros gastos operacionais. O “saldo positivo” dessa operação, de cerca de US$ 1 bilhão, é muito inferior ao das lojas franqueadas, de US$ 8,5 bilhões.

Talvez você esteja pensando: “Não é mais vantajoso franquear todas as lojas, então?”

Não é tão simples assim. O McDonald’s usa suas lojas próprias com diversos outros propósitos além da geração de lucro. Elas são os “tubos de ensaio” da rede, onde novas tecnologias são testadas e padrões são desenvolvidos. Elas são o modelo que a rede exporta aos quatro cantos do mundo. Mais do que isso, algumas unidades são estratégicas e precisam ficar sob o controle direto da empresa. 

Mas é inegável que, pelo menos financeiramente, as franquias são o segredo do sucesso do McDonald’s. Um segredo antigo.

A fome do Méqui

Os irmãos Dick e Mac McDonald não sonhavam com um império quando fundaram a rede de lanchonetes, na década de 1940. A fome do McDonald’s foi herdada de Ray Kroc, um vendedor ambicioso que se tornou sócio dos irmãos McDonald em 1954. Ele foi o responsável pela ampliação do sistema de franquias da rede e acabou arrematando a empresa de Dick e Mac em 1961.

Mas a ideia que mudou pra sempre a trajetória — e o modelo de negócios — da empresa não foi dele. Harry Sonnenborn, primeiro presidente da corporação e braço direito de Kroc, percebeu que alugar os terrenos nos quais funcionavam as lanchonetes aos franqueados era muito mais lucrativo do que vender hambúrgueres. 

Os irmãos Dick e Mac McDonald pouco antes da abertura da primeira unidade do McDonald’s, em San Bernardino, Califórnia, em 1948.

O filme Fome de Poder, que mostra os primeiros anos da trajetória de Ray Kroc no comando do McDonald’s, dedica algumas cenas a esse processo. Na mais simbólica delas, Sonnenborn, interpretado por B. J. Novak, diz a Kroc, representado por Michael Keaton, que ele parece não entender o próprio negócio. “Você não está no ramo dos hambúrgueres”, diz com um sorriso no canto da boca. “Você está no ramo imobiliário.”

Até aquele momento, a McDonald’s Corp. permitia que os franqueados escolhessem o terreno onde uma nova loja seria instalada. A busca do espaço, a negociação com o proprietário, o contrato de locação, a construção do prédio: tudo ficava sob a responsabilidade do franqueado. Kroc não fazia ideia, mas estava entregando seu pote de ouro.

Tudo mudou com a criação da McDonald’s Franchise Realty Corporation, uma empresa dedicada exclusivamente à gestão dos ativos imobiliários da rede. Kroc e Sonnenborn colocaram em prática um método usado até hoje pela corporação. 

É o McDonald’s que define onde e quando uma nova loja será aberta. A empresa encontra o melhor espaço e define se aquela loja será operada internamente ou repassada a um franqueado. Mesmo no segundo cenário, é a rede que compra ou aluga o terreno e subloca para o franqueado com uma margem de lucro. Também é o McDonald’s que constrói o prédio da loja — o franqueado paga apenas por equipamentos, placas, assentos e decoração.

A taxa mensal de aluguel é definida como uma porcentagem fixa das vendas brutas da loja. Ou seja, quanto mais uma unidade vende, maior é o aluguel que remete à matriz. 

A porcentagem exata é um mistério: o McDonald’s e os franqueados não costumam revelar os números. De acordo com o Wall Street Journal, franqueados americanos pagam até 16% das vendas brutas. Relatos mais antigos registrados na imprensa brasileira falam de até 23% por aqui. Nós tentamos contato com diversos donos de franquias do McDonald’s no Brasil, mas nenhum deles topou falar com a reportagem.

Os valores elevados fazem com que os aluguéis sejam uma fonte de receitas muito maior do que os royalties — que não passam de 5% das vendas brutas — e alimentam as brincadeiras de que o McDonald’s seria “a maior imobiliária do mundo”. Mas, como em toda brincadeira, há um pouco de verdade nessa afirmação. Os ativos imobiliários da corporação estão avaliados em cerca de US$ 40 bilhões (R$ 210 bilhões), valor equivalente ao PIB da Bolívia em 2019. 

Mesmo que a maior parte dos lucros do McDonald’s seja fruto dos aluguéis, a corporação não pode se esquecer dos produtos vendidos nas lojas. Primeiro porque os aluguéis são proporcionais às vendas; e segundo porque, sem clientes, os franqueados não conseguiriam pagar taxa alguma. É por isso que a rede renova constantemente os cardápios e investe cerca de US$ 4 bilhões anuais em marketing.

A taxa mensal de aluguel é definida como uma porcentagem fixa das vendas brutas da loja. Ou seja, quanto mais uma unidade vende, maior é o aluguel que remete à matriz.

Há uma frase de Harry Sonnenborn, registrada no livro Fast Food Nation: The Dark Side of the All-American Meal, que resume bem esse pensamento: “A única razão pela qual vendemos hambúrgueres é porque eles são os maiores produtores da receita com a qual nossos inquilinos podem nos pagar aluguel”.

Esse segredo do McDonald’s, que fez com que a rede se tornasse uma referência no mundo das franquias, costuma desagradar um grupo bastante específico: o das pessoas que de fato vendem seus hambúrgueres.

Chapa quente

Uma pesquisa interna de 2018, obtida pela revista Restaurant Business, apontou que 90% dos franqueados do McDonald’s nos Estados Unidos estavam insatisfeitos com seu fluxo de caixa — 69% se diziam “muito insatisfeitos”. 

As disputas entre a corporação e seus franqueados não são uma exclusividade dos norte-americanos. Se você tiver um pouco de paciência para buscar, vai encontrar um vasto registro de brigas públicas, litígios e lavação de roupa suja entre o McDonald’s e alguns franqueados brasileiros. Pelo menos até 2005, momento no qual as brigas públicas cessam. Mas, calma, nós vamos explicar o motivo do aparente sossego.

Uma matéria da Folha de S.Paulo, publicada em maio de 2003, dá conta de uma das mais simbólicas brigas. Um grupo de cerca de 30 franqueados descontentes com as práticas da matriz se organizou para formar a Associação dos Franqueados Independentes do McDonald’s (Afim). A “facção”, como descreveu a Folha, fazia frente a outro grupo, que apoiava a rede, simbolizado na Associação Brasileira dos Franqueados McDonald’s (ABFM).

“Defendemos nossos direitos como empresários de acordo com as leis brasileiras”, afirmou a presidente da Afim, Janete Veloso, à repórter Renata Valdejão. O grupo liderado por Veloso buscava uma reparação da rede de lanchonetes na Justiça com duas alegações principais. Primeiro, a de que o McDonald’s sublocava os terrenos dos restaurantes por valores abusivos, até 500% mais altos do que pagava aos proprietários. Segundo, a de que a rede permitia a criação de um ambiente de “canibalização”, ou seja, permitia a abertura de várias lojas em uma mesma região — o que gerava competição e diminuía os faturamentos.

Do outro lado, o presidente da ABFM, Rubens Fragoso Filho, defendia a corporação. “A expansão do McDonald’s resulta da necessidade da empresa de se defender no mercado”, disse à Folha. Sobre os valores abusivos do aluguel, foi pragmático: “Quando um franqueado assina o contrato, já sabe de tudo isso”.

Os insatisfeitos da Afim alegavam que o método de cobrança de aluguéis do McDonald’s desrespeitava a Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91) — o que rendeu ao menos 37 ações contra a rede em 2003. O McDonald’s venceu boa parte delas porque os juízes entendiam que a relação entre franqueados e franqueadores não se dava pela Lei do Inquilinato, mas sim pela Lei de Franquias (Lei 8.955/94), que nada previa sobre os contratos de locação.

Mas alguns venceram a corporação. Também em 2003, a sexta turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve uma decisão de primeira instância e determinou a redução do aluguel pago por um franqueado de Aracaju. O STJ considerou o contrato de aluguel “abusivo e excessivo”. João Quintiliano da Fonseca Neto, que pagava 14,5% das vendas brutas de sua loja à matriz, passou a pagar apenas 4% — valor semelhante ao que o McDonald’s pagava ao dono do imóvel. 

“Não vejo nenhuma ilegalidade nisso, esse é o negócio deles”, disse a advogada especialista em franquias Thaís Bonini, do escritório Artuni, Frazatti & Bonini, em entrevista ao Joio. “São contratos particulares, a pessoa que aceita a franquia McDonald’s sabe desses valores.”

Ela explica que, antes de assinarem os contratos, os aspirantes a franqueados recebem um documento chamado Circular de Oferta de Franquia (COF), que reúne todos os dados sobre o negócio. “Informações financeiras, projeções de despesas e receitas e a zona de exclusividade, por exemplo”, esclarece. “Ele pode aceitar, ‘pagar’ por esse conforto, ou negar — e o McDonald’s provavelmente vai rejeitá-lo como franqueado.”

De acordo com a advogada, a intermediação do contrato de aluguel pela matriz não é comum no país. “Aqui no Brasil, geralmente a responsabilidade pela locação do imóvel fica com o franqueado”, explica. “O contrato de aluguel, portanto, costuma ficar no nome dele.” 

Antes de assinarem o contrato, os aspirantes a franqueados recebem um documento com informações financeiras e projeções de despesas e receitas. “Ele pode aceitar, ‘pagar’ por esse conforto, ou negar — e o McDonald’s provavelmente vai rejeitá-lo como franqueado”, explica Bonini.

Mas isso deve começar a mudar. Em dezembro de 2019, uma nova Lei de Franquias (Lei 13.966/19) foi aprovada e regulamentou o método usado há décadas pelo McDonald’s. Agora, as franquias brasileiras estão autorizadas não só a intermediar os contratos, como também a repassá-los por valores mais altos aos franqueados. Ou seja, as redes podem lucrar sobre uma transação especulativa, que nada produz, e que deve beneficiar as redes internacionais em detrimento dos empresários brasileiros. 

Mesmo com todas essas informações disponíveis na COF e acessíveis antes da assinatura do contrato, não é incomum que franqueados se sintam insatisfeitos com os rendimentos do negócio. Segundo Bonini, os brasileiros não costumam buscar assessoria jurídica antes de assinar contratos de franqueamento. “Ele vê lá uma taxa e acha que está tudo certo, tudo maravilhoso”, comenta. “Depois assina sem advogado e, quando vê na prática que é um problema, já não tem mais volta.”

No caso específico do McDonald’s, os contratos de franqueamento geralmente são celebrados por períodos de 20 anos. Na maior parte dos casos, é tempo suficiente para que o franqueado acumule uma pequena fortuna — e até adquira outras franquias da rede. Por outro lado, também é possível dizer que os contratos deixam os franqueados desprotegidos e à mercê da matriz.

Ricos e indefesos

Os franqueados do McDonald’s são criteriosamente selecionados. É uma competição dura: a rede já confirmou que recebe em média 15 registros de interessados por dia só no Brasil. Ser escolhido é quase um privilégio. Depois da seleção, o franqueado deve pagar à corporação uma “taxa de franquia” de cerca de R$ 150 mil, que dá direito e custeia o treinamento, os manuais e todo know how transferido pela matriz.

Como já mencionamos, é o McDonald’s que constrói a loja, mas sobram diversos outros custos para o franqueado, que pode ter de investir até R$ 2,5 milhões antes mesmo de abrir uma unidade. O capital investido deve ser próprio, ou seja, o franqueado deve ser rico o suficiente para não depender de um empréstimo para montar a franquia. Ele não pode, portanto, ser considerado um elo frágil nessa cadeia.

Mas há um certo desamparo na posição do franqueado. Após o vencimento do contrato de franqueamento, por exemplo, o McDonald’s tem liberdade para não renovar sua licença de uso e “chutá-lo” da rede. 

“Pra mim, esse é o risco do negócio”, opina a advogada Thaís Bonini. “Digo pros meus clientes: ‘Você assinou um contrato com prazo determinado, então sugue e fature o máximo que puder nesses anos, porque passado o tempo do contrato a franquia não precisa te ter mais’”. Segundo ela, os franqueados que não garantem bons rendimentos às redes raramente conseguem uma renovação de contrato: “Isso é comum nas grandes franquias”, completa.

Bonini confirma que as relações de franqueamento podem ser tensas e litigiosas — e oferece uma justificativa para a quase inexistência de registros recentes de casos envolvendo o McDonald’s. “Eles costumam usar câmaras de arbitragem”, explica. “É uma cláusula no contrato que prevê que qualquer litígio envolvendo o franqueador e o franqueado não vai para a justiça comum, mas para uma câmara arbitral.”

“Digo pros meus clientes: ‘Você assinou um contrato com prazo determinado, então sugue e fature o máximo que puder nesses anos, porque passado o tempo do contrato a franquia não precisa te ter mais’”

Nesses espaços, que se oferecem como “alternativas à Justiça estatal”, não é um juiz quem avalia os casos, mas um árbitro que pode ser sorteado ou indicado para a função. O árbitro não precisa sequer ser formado em direito, a lei só determina que seja uma pessoa maior de idade, capaz e “de confiança” das partes do processo. 

Além de serem bem mais caros do que os da Justiça comum, os processos julgados nas câmaras arbitrais não são públicos ou acessíveis para a sociedade. Provavelmente as brigas entre o McDonald’s e seus franqueados não acabaram em meados dos anos 2000, mas nós nem teríamos como saber. O que sabemos é que uma outra movimentação, nessa mesma época, mudou o sistema de franqueamento da rede em toda a América Latina.

Em algum lugar do Atlântico

O franqueamento, ainda mais nos moldes adotados pelo McDonald’s, é o sistema perfeito para garantir a expansão explosiva de uma empresa. A maior parte dos gastos é transferida para o franqueado: é ele quem investe mais pesado na criação de uma nova unidade. Com o capital necessário para colocar de pé uma única loja própria, a rede consegue abrir várias lojas franqueadas. 

O melhor de tudo é que, se quiser, a corporação pode tomar de volta a loja franqueada depois do vencimento do contrato — afinal, ela já é dona do terreno e do prédio. No fim das contas, o McDonald’s fica com a faca e o Big Mac na mão.

No entanto, como já deve ter ficado claro, franquear dá uma dor de cabeça tremenda. Tente imaginar o trabalho envolvido na gestão de 36.521 lojas franqueadas. Mas o McDonald’s, de novo, achou uma boa solução: criar “atravessadores” entre a empresa e seus franqueados, os “Master Franqueados”.

É assim no Brasil. Na verdade, todas as unidades em operação por aqui e em outros 19 países e territórios da América Latina e Caribe estão sob a responsabilidade de uma mesma Master Franqueada, a Arcos Dourados. Em 2007, a Arcos comprou os 1.560 restaurantes que a McDonald’s Corporation tinha na região por cerca de US$ 700 milhões. O contrato, válido por 20 anos, também transfere à Arcos Dourados o relacionamento com os subfranqueados.

Atualmente, ela é a principal Master Franqueada do McDonald’s — detém 6% dos restaurantes franqueados e responde por 2,8% das vendas globais da corporação. Mas não é a única: as unidades de países como Índia, China e Japão também operam em um sistema semelhante.

No começo de 2021, a Arcos Dourados operava 2.236 restaurantes, dos quais 660 (cerca de 29%) eram terceirizados para franqueados independentes. O Brasil é o principal mercado da empresa e concentra mais ou menos 45% das lojas e do faturamento total. Em 2019, a Arcos Dourados pagou cerca de US$ 155 milhões em royalties à McDonald’s Corporation somente pelos restaurantes que opera diretamente. Em 2020, foram US$ 111 milhões.

O fundador e atual controlador da Master Franqueada é o empresário Woods Staton, que foi presidente da operação argentina do McDonald’s durante mais de 20 anos antes de fundar a Arcos Dourados. Woods é neto de Albert Staton, criador da Panamco, umas das maiores engarrafadoras de Coca-Cola do mundo e que foi vendida para a mexicana Femsa em 2002.

O que mais chama a atenção, contudo, é o país escolhido para sediar a Arcos Dorados Holdings Inc., principal empresa do grupo. Apesar de o escritório central ficar no Uruguai, onde mora Woods Staton, e a empresa ter negócios relevantes em países como Brasil, Argentina, Chile e México, é nas Ilhas Virgens Britânicas (BVI, na sigla em inglês) que a holding está inscrita.

As BVI são um conjunto de ilhotas no Caribe, com 153 quilômetros quadrados de área e apenas 30 mil habitantes. Mais do que isso, elas são um conhecido paraíso fiscal: aparecem em primeiro lugar no Corporate Tax Haven Index, um ranking criado pela Tax Justice Network e que registra os principais paraísos fiscais (ou “abrigos fiscais”, na terminologia correta). De acordo com a entidade, as BVI são “o maior facilitador de abuso fiscal corporativo” do mundo.

Em territórios como esse, as empresas desfrutam de um sigilo fiscal e bancário muito mais restritivo do que na maior parte dos países. Além disso, os impostos são muito inferiores ou até inexistentes, em alguns casos. Isso estimula a instalação das chamadas “shell companies”, ou “companhias concha”. São empresas vazias, que não têm funcionários e não produzem nada. São apenas endereços, CNPJs pelos quais o dinheiro passa sem deixar rastros ou pagar impostos.

É impossível saber com precisão quanto dinheiro está escondido em abrigos fiscais. Aliás, o segredo é a alma do negócio. Mas algumas estimativas apontam que até 10% de toda a produção financeira mundial pode estar alocada nesses territórios. Um cálculo feito pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) indica que os governos dos países de origem dessas riquezas podem perder até US$ 800 bilhões por ano em arrecadação.

É fundamental, contudo, ressaltar que não há ilegalidade alguma em ter uma empresa do grupo econômico sediada em um abrigo fiscal. Em geral, as corporações têm equipes formadas por advogados e contadores competentes para que a economia tributária seja a maior possível sem violar os frouxos limites legais. 

É claro que uma parte das organizações usa esses endereços com finalidades obscuras, mas não se pode estabelecer uma relação direta entre a existência dessas empresas e a prática de crimes.

Ainda assim, é curioso imaginar a finalidade de uma Master Franqueada do McDonald’s usar não apenas um, mas três endereços em abrigos fiscais. Sob a Arcos Dorados Holdings Inc., na estrutura organizacional do grupo, há uma empresa sediada em Curaçao (Arcos Dorados Group B.V.) e outra nos Países Baixos (Arcos Dorados B.V.), ambos também notórios abrigos fiscais. 

Ou seja, encerrando aquela longa resposta sobre a trajetória que seus R$ 15 percorrem até chegar aos cofres da mais poderosa rede de fast food do mundo, é difícil saber com certeza. Mas, antes de chegar aos Estados Unidos, eles provavelmente fazem uma escala em algum lugar do Atlântico.

Ilhas Virgens Britânicas. Foto: Christine Rondeau/CC BY-ND 2.0.

* A assessoria de comunicação da Arcos Dourados foi procurada para comentar algumas das informações apresentadas pela reportagem, mas não respondeu até a publicação deste texto.

Por Victor Matioli

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