O Joio e O Trigo

Um resumo dos ataques e da importância do Guia Alimentar para a População Brasileira

Lançado em 2014, o Guia Alimentar Para a População Brasileira se consolidou como um dos documentos mais relevantes do mundo nessa seara. Foi a primeira vez que a diretriz oficial de um país passou a recomendar expressamente que se evite ultraprocessados. Além disso, a publicação do Ministério da Saúde rompeu com paradigmas ao trazer para a discussão sobre alimentação saudável as dimensões da agricultura, da sustentabilidade e da cultura alimentar.

O documento foi elaborado pelo Ministério da Saúde, com o apoio do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da USP, coordenado pelo professor Carlos Monteiro, da Faculdade de Saúde Pública. 

Para isso, o guia usa como base a classificação NOVA, que divide os alimentos conforme o grau e o propósito do processamento. Ela é considerada um marco nos estudos de nutrição e saúde mundialmente, ao elencar a necessidade de pesquisarmos sobre os danos associados ao consumo de ultraprocessados. 

Se o paradigma predominante divide os alimentos de acordo com os nutrientes e as recomendações são baseadas na quantidade das porções, a NOVA se soma à defesa de que os os padrões alimentares sejam observados, ampliando o olhar sobre o que constitui uma alimentação adequada e saudável. 

A regra de ouro do Guia é: “Prefira sempre alimentos in natura ou minimamente processados e preparações culinárias a alimentos ultraprocessados.”

“O Guia Alimentar para a População Brasileira é um marco, principalmente, pela inclusão de considerações sobre sustentabilidade da dieta e por utilizar uma classificação de alimentos baseada no nível de processamento”, diz Carlos González-Fischer, pesquisador na Universidade de Buenos Aires e autor de uma revisão sobre guias feita para a FAO.


Confira 10 dicas para uma alimentação saudável e adequada baseadas nas informações do guia:

  1. Faça dos alimentos in natura ou minimamente processados a base da alimentação;
  2. Utilize óleos, gorduras, sal e açúcar em pequenas quantidades;
  3. Limite o consumo de processados;
  4. Evite o consumo de ultraprocessados;
    (De acordo com a cartilha Alimentação Cardioprotetora, uma boa forma de identificar um alimento ultraprocessado é observar a lista de ingredientes na embalagem do produto. Em geral, se são descritos cinco ingredientes ou mais, o alimento é classificado como ultraprocessado, especialmente quando os ingredientes são basicamente formulações industriais ou com nomes desconhecidos.)
  5. Coma com regularidade e atenção, em ambientes apropriados, sempre que possível, com companhia;
  6. Faça compras em locais que ofertem variedades de alimentos in natura ou minimamente processados;
  7. Desenvolva, exercite e partilhe habilidades culinárias;
  8. Planeje o uso do tempo parar dar à alimentação o espaço que ela merece;
  9. Quando estiver fora de casa, dê preferência a locais que servem refeições feitas na hora;
  10. Seja crítico quanto a informações, orientações e mensagens sobre alimentação veiculadas em propagandas.

    DICA: Fique atento às informações em destaque na embalagem, como “zero açúcar”, “livre de gorduras trans”, “natural”, “caseiro”, “igual ao da vovó”, pois isso não significa que o produto é saudável.

Fonte: Ministério da Saúde


O Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de 2 Anos

Em novembro de 2019, o Ministério da Saúde lançou o Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de 2 Anos. O documento define as diretrizes oficiais do país no que diz respeito à amamentação e à introdução alimentar. Alinhado ao Guia Alimentar para a População Brasileira, de 2014, a nova versão para os pequenos é enfática na orientação-chave: crianças de menos de dois anos não devem consumir ultraprocessados.

O documento começa com a constatação de que duas em cada três crianças de menos de seis meses já recebem outro tipo de leite que não o materno, e apenas uma em cada três continua até os dois anos, que deveria ser o mínimo, nas recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS). 

E ainda fala que, antes dos seis meses, o único alimento necessário é o leite materno. Nem fórmulas, nem leite de vaca, nem água, muito menos suquinho.

Quando o assunto é introdução alimentar, ele deixa claro: biscoitos e bolachas, sucos artificiais, refrigerantes, salgadinhos de pacote, macarrão instantâneo, guloseimas: risca da lista. Tudo o que é açúcar também deve ficar de fora. Não há necessidade de adoçar frutas. Isso pode inclusive afetar o paladar da criança e a percepção sobre o sabor real dos alimentos.

“Não oferecer açúcar nem preparações ou produtos que contenham açúcar à criança até 2 anos de idade. O consumo de açúcar não é necessário e causa danos à saúde como cáries, obesidade ainda na infância e, na vida adulta, pode levar a doenças crônicas, como diabetes”, diz o documento.

Além disso, o Guia desmonta mitos que muitas mães e pais ouvem quando na primeira infância das crianças. Todo mundo tem uma opinião sobre aleitamento, mas é importante seguir o que dizem as melhores evidências científicas.


A ofensiva contra o Guia

A ministra da Pecuária, Agricultura e Abastecimento (MAPA), Tereza Cristina, requisitou em 2020 ao Ministério da Saúde a revisão do Guia Alimentar para a População Brasileira. Na Nota Técnica nº 42/2020, assinada pelo chefe de seu gabinete, servidores do MAPA centram fogo na classificação NOVA.

O documento foi endereçado ao então ministro interino da Saúde, o general Eduardo Pazuello, e remetido para consideração. Ele dizia que “a classificação NOVA é confusa, incoerente e prejudica a implementação de diretrizes adequadas para promover a alimentação adequada e saudável para a população brasileira”.

Além disso, a nota criticou o conceito de alimento ultraprocessado. Afirmando que a diferenciação deste item “por meio da contagem do número de ingredientes (frequentemente cinco ou mais) parece ser algo cômico”.

Um dos argumentos utilizados na nota técnica diz que o Guia “diminui a autonomia das escolhas alimentares sem informar corretamente o que é importante para uma alimentação adequada e saudável”. Para bom entendedor, meia palavra basta: a alegação é a mesma recorrentemente utilizada por cartolas da indústria de alimentos.

Após a má repercussão dos ataques contra o Guia, o ministério voltou atrás. Mas essa não foi a primeira vez que representantes da indústria de alimentos atacaram o documento. Já mostramos que em fevereiro de 2014, Edmundo Klotz, então presidente da Abia, requisitou para Arthur Chioro, que havia acabado de assumir o Ministério da Saúde, não publicar o documento sobre alimentação. Desde que as diretrizes foram publicadas, a Abia busca desqualificar a recomendação relativa aos ultraprocessados. 


Estamos de olho

O mais recente ataque se deu nos corredores do Palácio Pedro Ernesto, sede da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Entidades que representam as principais empresas do setor conseguiram protelar a aprovação de um projeto de lei que tenta proibir a venda e a oferta de alimentos e bebidas ultraprocessados em escolas públicas e privadas no Rio. 

Além da proibição nas cantinas, o Projeto de lei nº 1662/2019 também sugere que bebidas açucaradas e alimentos ultraprocessados fiquem a uma altura superior a um metro nas prateleiras e gôndolas de estabelecimentos comerciais, longe dos olhos das crianças. Outra proposta é a implantação de Salas de Apoio à Amamentação em empresas sediadas no município do Rio. 

Mas, sem conseguir impedir a tramitação e diante da ameaça de aprovação pela maioria do plenário, o lobby sobre os parlamentares se intensificou e resultou na apresentação de uma emenda que desidrata o teor original e desconfigura o projeto de lei, além de protelar sua votação definitiva pelo Legislativo municipal.

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