Monopólio da fumicultura no estado influencia políticas de educação, formação profissional e arrecadação tributária. Prefeitos e deputados estaduais agem em favor de corporações com discurso de defesa dos pequenos produtores
A terceira região que mais produz tabaco no país pode ser observada em uma viagem de três destinos, na região Centro-Sul do Paraná. O roteiro, cumprido pelo Joio, percorre rodovias estaduais, a PR-151 e a PR-364, e uma federal, a BR-153, que entre os meses de novembro e março têm as duas margens tomadas por largas folhas verdes da variedade de fumo Virginia, plantadas nas pequenas propriedades de até dez hectares e vendidas às exportadoras instaladas na região.
Em um dos acessos ao município de São Mateus do Sul, uma escola rural, fundada em 2006 para estimular a independência de famílias da economia do fumo, passa por uma mudança radical em relação à proposta original. Inspirada no modelo francês das Maisons Familiales Rurales, em que o pilar central é a pedagogia da alternância, a Casa Familiar Rural (CFR), que oferta aos jovens do município o ensino médio regular e um curso técnico integrado, terá a grade curricular técnica totalmente alterada no próximo ano.
O tradicional curso de agroecologia, que ensina alternativas de trabalho no campo sem o uso de agrotóxicos e com foco na autonomia de pequenas propriedades, está em processo de extinção. Em substituição, os alunos passarão a frequentar aulas do técnico agrícola, com grade voltada às culturas de exportação e ao monocultivo.
“Desse pessoal aqui [das comunidades atendidas pela escola], posso te dizer com segurança que mais de 80% tem o fumo como produção econômica primária”, afirma Felipe Chico, diretor do Colégio Estadual Duque de Caxias, escola da área urbana de São Mateus do Sul, que serve de “ponte” entre a CFR e a Secretaria Estadual de Educação do Paraná (Seed/PR), chamada de escola-base. “Esse foi um dos motivos pelo qual se idealizou a Casa Familiar Rural: mostrar para o fumicultor que ele podia diversificar a produção, que ele não precisava comprar o tomate no mercado. Esse objetivo foi alcançado”, completa Chico.
Números do agronegócio são ostentados na redação do novo plano de curso, cuja justificativa apresenta estatísticas publicadas pelo núcleo duro do lobby ruralista no país, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
“O agronegócio brasileiro representou 26,6% do produto interno bruto (PIB) nacional, totalizando quase R$2 trilhões no ano de 2020, apresentando excelente desempenho tanto para a pecuária, quanto para agricultura (CNA, 2021)”, diz o documento. O texto ainda defende a criação da nova ementa “para o atendimento de um mercado promissor em plena expansão”.
O que se vê em expansão nessa região do Paraná é a fumicultura. Considerando três municípios, São Mateus do Sul e os dois vizinhos campeões de produção de tabaco no estado, São João do Triunfo em primeiro lugar e Rio Azul em segundo, a produção e a área plantada de tabaco aumentaram, respectivamente, 39,8% e 37,3% num período de 10 anos, entre as safras de 2010/2011 e 2020/2021.
Os dados são da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do estado (Seab/PR), que apontam que, no período, o volume de folhas de tabaco nos três municípios aumentou de 33.110 para 46.290 toneladas, e as lavouras que somavam 14.785 hectares expandiram para 20.305 hectares.
A expressividade da fumicultura também é notada pelo volume da produção paranaense, que abrange outras cidades e que cresceu 11% da safra de 2021/2022 para a de 2022/2023. Nessa região, a safra do tabaco ocorre entre os meses de junho, período de semeadura, e abril do ano seguinte, quando termina a colheita.
Segundo a Seab, a produção paranaense de fumo é enviada quase que totalmente aos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul para beneficiamento e exportação de fumageiras, nome comum na região para as indústrias do tabaco. A última safra produziu 171,5 mil toneladas de folha de fumo.
Só na região Centro-Sul do Paraná estão presentes, com alguma estrutura logística ou de processos de beneficiamento, oito fumageiras. São elas a Premium Tabacos do Brasil, Alliance One International; Continental Tobaccos Alliance (CTA); Japan Tobacco International (JTI); Philip Morris International (PMI); British American Tobacco Brazil (BAT Brasil), que incorporou a antiga Souza Cruz; Universal Leaf Tabacos e a UTC Brasil. Segundo o Sindicato Rural de Irati, município da região, cerca de 29 mil famílias paranaenses plantam e entregam tabaco para as transnacionais acima.
A recente instalação da UTC Brasil na região é sinal de que o negócio só cresce. Mesmo visível à beira da estrada de 28 quilômetros que liga São João do Triunfo a São Mateus do Sul, o novo galpão logístico da empresa passou despercebido por alguns são-mateuenses com quem a reportagem do Joio conversou em abril deste ano.
No mês anterior, em março, a recém chegada fumageira, que é subsidiária da alemã Contraf-Nicotex-Tobacco (CNT) e da estadunidense United Tobacco Company (UTC), foi anunciada pelo prefeito de São João do Triunfo, Abimael do Valle (PT), como conquista para a cidade.
Do Valle não vibra sozinho. A região apresenta uma teia bem amarrada de atores políticos e fumageiras que conversam entre si. Os discursos favoráveis à fumicultura se manifestam nas prefeituras e nas rodas de chimarrão no interior do estado, onde se escuta haver uma dependência da indústria do tabaco, seja na arrecadação de impostos para o município ou na renda familiar. Iniciativas para sair do “único negócio possível para essas terras pequenas e de alto declive”, impróprias para outras culturas agrícolas, parecem inexistentes, a começar pelas escolas.
Fumageiras dentro da escola
A área de 14,5 hectares da Casa Familiar Rural de São Mateus do Sul, parcialmente ocupada por prédios de sala de aula, alojamentos, agroindústrias, hortas, viveiros e tanques de peixe, já tem um espaço reservado para receber mudas de árvores frutíferas orgânicas de um novo projeto pedagógico. Não só as mudas, mas todos os insumos necessários para o plantio e manejo a ser feito pelos alunos serão pagas pelo Projeto Quintais, parceria técnico-financeira entre a Embrapa e a Philip Morris International, a segunda maior produtora de cigarros do Brasil.
“A gente tem bastante alunos que trabalham na parte de fumicultura, que escolhem o tabaco, porque estão em áreas que não podem ser mecanizadas e com alta declividade. Mas eu tenho a visão que é muito por falta de possibilidade, de conhecimento do que dá para agregar na propriedade”, explica Cleverson Ferreira, coordenador dos cursos técnicos da CFR e articulador do projeto.
Pela escassez de recursos públicos, a CFR não nega auxílios financeiros oriundos da iniciativa privada. O modelo de ensino integral e a pequena receita, que diminuiu depois do término do convênio original entre três prefeituras, incluindo o município sede da escola e São João do Triunfo, exige esforços de custeio e investimento.
Não é a primeira vez que a Philip Morris marca presença na escola. A empresa já pagou as horas-aula de um professor de informática na CFR e doou computadores recauchutados para a escola-base. O contrato com o professor durou menos de um ano. E os computadores usados da fumageira, entregues no primeiro ano de pandemia, já não funcionam mais.
Dinheiro de troco para o lucro anual das fumageiras e de responsabilidade social, mas bem-vindo numa escola do campo no interior do estado, dependente de convênios. As pequenas inserções financeiras das empresas se eternizam na história da instituição. A Japan Tobacco International financiou, em 2018, um dos cinco espaços construídos na CFR. Por doação direta, a JTI construiu um laboratório de informática, que, hoje, também abriga a sala dos professores e a biblioteca.
O Joio perguntou às assessorias de comunicação das fumageiras o motivo e a quantidade de repasses às escolas públicas do campo no Paraná. A nota da PMI se limitou a dizer que “todas as iniciativas da Philip Morris, ligadas à área de ESG [sigla em inglês para Ambiental, Social e Governança], têm o objetivo de apoiar as comunidades onde a empresa atua”.
A JTI respondeu que não divulga valores de doações, tampouco que repassa dinheiro às escolas, mas que investe em “realização de ações” sob demanda das instituições ou por iniciativa da própria empresa. “Entendemos que além de ser um espaço de desenvolvimento e formação, ir à escola e ter acesso à educação é um direito de crianças e adolescentes”, afirma a nota da fumageira de origem japonesa, que justifica as ações para diminuir o trabalho infantil, conservar as florestas e a biodiversidade, e “desenvolver” as regiões onde atua.
Algumas professoras relatam ter ouvido críticas de pessoas na cidade pelo fato da escola aceitar doações de fumageiras, por uma incoerência de ideais. “[Ouvimos] ‘nossa, mas uma empresa fumageira patrocinando?’. Mas, então, dê o dinheiro que nós deixamos de usar o dinheiro do fumo”, defende Gisela Bueno Lazzari, professora da CFR. “Não é abraçar o diabo, é aproveitar a oportunidade”, complementa Sinara Adriana Soares, coordenadora de um dos projetos da CFR, em parceria com a Petrobras e também financiado com recursos da iniciativa privada. A partir do ano que vem, com o técnico agrícola totalmente instalado, não haverá contradição alguma.
A direção da escola-base, porém, comemora que as matrículas para o novo curso passam dos 40 alunos por turma, uma procura cinco vezes maior se comparada ao curso em extinção. O diretor Felipe Chico, um dos redatores do novo plano do curso, diz que “a troca não foi uma decisão direta da escola, nós recebemos a orientação [da Seed/PR] de que o curso seria mudado e que nós deveríamos produzir a documentação”. A Seed/PR afirmou em nota, ao contrário, que a solicitação da troca do curso foi um pedido da própria instituição, que preferiu a nova grade por razões de “maior empregabilidade”, diz o texto.
O possível aumento da procura de alunos demandará novos alojamentos na estrutura da CFR e reforços no orçamento. Para depender menos do dinheiro da iniciativa privada e de doações esporádicas, a prefeita de São Mateus do Sul, Fernanda Sardanha (PSD), e a coordenadora da CFR, Vandressa Meira Jetka, foram até a prefeitura de São João do Triunfo tentar reatar a antiga parceria intermunicipal, já que parte dos alunos da CFR é do município. O prefeito Abimael do Valle, que também recebeu o Joio em abril, ainda não bateu o martelo do convênio.
Outra figura política da região, eleita por União da Vitória, município a 85 quilômetros de São Mateus do Sul, também afirma preocupação com o formato de ensino das 17 Casas Familiares Rurais do Estado. O deputado estadual Hussein Bakri (PSD), além de líder do governo Ratinho Junior (PSD), é presidente da Comissão de Educação na Casa Legislativa. Em 2019, quando começava o segundo mandato, Bakri anunciou a criação de um “projeto moderno de ensino” para as CFRs. Na ocasião, prometeu que faria uma reformulação do sistema para inserir as escolas rurais nos repasses financeiros do governo.
O deputado negou os pedidos de entrevista da reportagem. Em nota, Hussein Bakri afirma que “de fato, tivemos uma grande participação na análise da proposta de mudança do currículo do curso ofertado”. A resposta do deputado ainda justifica a nova grade dizendo que ela “irá proporcionar uma maior empregabilidade para os alunos formados e, em consequência, um estímulo na economia local”, já que o antigo curso “limitava o aluno no conhecimento e manejo de algumas tecnologias importantes para a atualização frente ao mercado industrial”.
Em outro trecho, o parlamentar afirma que “o objetivo do governo do estado e da Comissão de Educação é seguir modernizando as instituições e permitir uma melhoria cada vez maior na qualidade do ensino”. Parte da comunidade escolar ouvida pelo Joio afirma não ter sido consultada sobre a decisão de troca de curso técnico. A mudança dos cursos começou em 2021, mesmo ano em que Hussein Bakri ganhou créditos na mídia e nas redes sociais por ter atendido a um pedido das indústrias do tabaco, evitando a oneração de impostos sobre o cigarro.
Imposto sobre o cigarro
Pela PR-151 e a menos de meia hora de carro, deixamos São Mateus do Sul para conhecer São João do Triunfo, a cidade capital do tabaco no Paraná. É de lá que partiu o prefeito reeleito em 2020, Abimael do Valle (PT), rumo à Curitiba, depois de combinar o encontro com parceiros políticos na capital do estado.
Do Valle é a primeira e mais longa voz do vídeo gravado ao lado do deputado estadual Hussein Bakri e do prefeito de Rio Azul, Leandro Jasinski (PSD), depois do trio conseguir o que tinha ido buscar no Centro Cívico de Curitiba.
O grupo fez uma articulação para impedir o aumento da alíquota de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre o cigarro. Um projeto de lei apresentado pelo Executivo estadual propôs criar o auxílio-alimentação aos servidores da ativa das polícias civil, militar e científica do Paraná. O dinheiro do benefício, estimado em R$ 157,7 milhões de reais por ano, viria da oneração da indústria fumageira. Com alguns telefonemas, Bakri, líder do governo na assembleia, dobrou o governador Ratinho Júnior (PSD) para voltar atrás na proposta.
No mesmo enquadramento do vídeo, a companhia não era só política. Do Valle apresenta, apontando ao lado, representantes da Philip Morris International e da British American Tobacco (BAT), antiga Souza Cruz. O material foi postado no instagram do prefeito de Rio Azul em 14 de dezembro de 2021 e logo virou notícia em vários portais regionais onde o agronegócio é pauta.
No vídeo, Abimael do Valle pega na mão do deputado e agradece. “O Hussein fez um trabalho fantástico”, diz o prefeito petista. “[Ele] acabou de receber uma ligação do governador e o projeto que incidia imposto, mais ICMS na fumicultura, está sendo retirado através de uma emenda do deputado Hussein Bakri”.
Proposto pelo governo no dia 7 de dezembro para ser votado com urgência, o PL já tinha emenda supressiva do deputado Bakri exatamente uma semana depois, substituindo a fonte de financiamento do ICMS extra do cigarro por recursos de corte de despesa do governo. Apesar dos vastos créditos enaltecendo o trabalho do deputado, a imunidade da indústria do tabaco só ocorreu pelo movimento dos chefes do Executivo municipal. Em 17 de dezembro, a lei foi publicada sem perturbações à indústria do tabaco.
Ao final do vídeo, o prefeito de Rio Azul, Leandro Jasinski (PSD), e um representante do Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco não deixaram de frisar que a articulação foi em prol dos fumicultores, mesmo não estando nenhum trabalhador do campo entre eles.
“Todo esse imposto a mais que ia ser gerado ia acabar desencadeando lá na ponta”, diz o prefeito referindo-se aos trabalhadores. “Quem está mais sofrendo, que é o produtor do tabaco”, continua. À época membro do Sinditabaco e gerente sênior de assuntos externos da Philip Morris, Guatimozin Santos garante que o benefício será direto para a agricultura familiar.
Prefeituras do tabaco
Depois de garantir o alívio financeiro ao bolso das fumageiras, Abimael do Valle retorna ao município de 15 mil habitantes que administra e que sustenta a posição de maior produtor de tabaco do estado.
Entre várias perguntas sobre o apoio à fumicultura, Do Valle menciona com orgulho que a prefeitura de São João do Triunfo também apoia a diversificação, comprando 100% da merenda escolar da produção familiar orgânica, o que abastece 12 escolas e creches. “As gestões anteriores tentaram e não deu certo, mas, agora, está dando muito certo. Já temos agricultores que cessaram o plantio de tabaco e estão plantando tomate, morango, e ganhando muito dinheiro com isso”, afirma.
Porém, o número de famílias envolvidas com o tabaco no município não é pequeno, considerando o tamanho da população. Aproximadamente 2.300 famílias cultivam tabaco, responsáveis por “segurar” a produção nacional quando a colheita no Rio Grande do Sul vai mal por questões climáticas, como ocorreu na safra 2020/2021, em razão da seca. Também chamados de “fumeiros”, os produtores de São João do Triunfo são um grupo importante de eleitores que não pode ser ignorado por quem aspira a seguir no poder.
O município tem uma história particular com o Partido dos Trabalhadores (PT), ao qual Do Valle é filiado. Foi uma das primeiras prefeituras brasileiras a eleger candidato do partido após a redemocratização. Nas eleições presidenciais de 2022, o candidato petista teve quase 60% dos votos, na contramão do estado, em que 62% do eleitorado preferiu a reeleição de Bolsonaro.
No entanto, Do Valle não faz questão alguma de se vincular ao PT depois de ter conquistado a cadeira do Executivo municipal. Não chegou a fazer campanha para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no pleito passado, além de não se afirmar petista atualmente. Ao Joio, declarou que está de saída do partido.
“Eu, aqui, nunca me vinculei às ‘organizações’ do partido. Meus deputados não são do partido, não defendo o partido, defendo pessoas, projetos. Esse ‘ideologismo’ de esquerda e direita, para mim, é nojento”, pontua.
No sentido oposto de estímulo à fumicultura, governos petistas atuaram, com o estímulo da sociedade civil, para incluir o Brasil como signatário da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco da Organização Mundial da Saúde (CQCT-OMS), um pacto global para frear o tabagismo.
Como apoiador da fumicultura, o confuso caldo político triunfense é confirmado pelo presidente do diretório do PT no município. “Todos os prefeitos aqui, nenhum deles tem coragem, ou tinha, de dizer que é contra o fumo. Sempre, todos apoiam, porque, medo de perder voto, né?”, contextualiza Nelson Dias da Silva, que também é coordenador regional da Fetraf no Paraná, a Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar.
Setenta quilômetros com trechos de estrada de terra, seguindo pela PR-364 e a BR-153, separam a dupla de prefeitos defensores do tabaco da região Centro-Sul paranaense. Em Rio Azul, município de 14,5 mil habitantes, muito similar ao vizinho não só em tamanho da população, mas, também, em área e na economia da fumicultura, ocorreu a 1ª Conferência da Fumicultura em 2021, graças ao bom relacionamento dos prefeitos Abimael do Valle e Leandro Jasinski (PSD). A reunião foi entre produtores, empresas e entidades relacionados ao fumo.
A segunda edição do evento teve queda de participação pela metade e ilustra outro braço de alcance da dupla. Além de administrar os municípios que mais produzem tabaco e de terem impedido juntos o aumento da alíquota do ICMS do cigarro, os dois gestores municipais ainda compartilham cadeiras na diretoria da Amprotabaco, a Associação dos Municípios Produtores de Tabaco, uma rede de prefeitos dos três estados do Sul do país que concentram interesses das fumageiras.
Os dois representantes paranaenses na associação foram reeleitos do biênio 2021-2022 para a gestão 2023-2024. Abimael do Valle, como vice-presidente, e Leandro Jasinski, como vice-secretário. Mesmo na direção da entidade, ambos expressam desgosto quando perguntados sobre a organização.
“A Amprotabaco se manifesta quando tem algo que vem para dificultar a produção do tabaco, como o aumento de impostos. No mais, ela não participa da mesa de negociação ativamente”, diz Do Valle, referindo-se às reuniões promovidas por entidades do tabaco anualmente para definir o preço a ser pago ao fumicultor.
Jasinski lembra da associação pela ausência nas conferências de fumicultura que promoveu no município. “A Amprotabaco é uma associação que eu perdi a fé. Nós chamamos todas as empresas para participar, prefeitos, Afubra, representantes do Sinditabaco, representantes de deputados. Eu chamei, mas a Amprotabaco não veio”, ressente-se.
Citada pelo prefeito de Rio Azul, a Afubra é a Associação dos Fumicultores do Brasil, entidade que deveria representar os produtores da folha de tabaco. A filial paranaense da entidade fica em Irati, município a 35 quilômetros de Rio Azul. A inauguração do novo prédio da Afubra na cidade em 2021 foi prestigiada pelo prefeito Jorge Derbli (PSDB). A estrutura física e organizacional da associação oferece três finalidades bem distintas. Além das pautas sindicais, a entidade negocia contratos de seguro para safras, cobrados dos produtores, e fatura com uma loja de eletrodomésticos.
Tendo começado a carreira política na Câmara de Vereadores, o atual prefeito de Rio Azul fez a campanha ao lado do também ex-vereador Jair Boni, como vice. A esposa de Boni, Ana Rita Vianna Boni, trabalha na Alliance One International, a transnacional que compra de atravessadores menores no município e região, como da LB Comércio de Tabacos, Tabacos Paraná, Gima Tabacos, Agro Nativa, entre outras.
Na mesma campanha em que o marido foi eleito vice-prefeito, Ana Boni (PSB) garantiu vaga na câmara municipal pela primeira vez, substituindo o marido na cadeira do Legislativo.
Em conversa prévia por mensagens de telefone, Ana Boni sinalizou que poderia receber o Joio até na sede da Alliance One na cidade, mas, depois, negou a entrevista.
Segundo o prefeito, a administração municipal tem um bom relacionamento com a Alliance One que, segundo ele, está entre as três empresas que mais arrecadam ICMS para o município. “A Alliance gera imposto, gera emprego, é uma empresa importante para nós”, destaca Jasinski. Sobre a eleição de Ana Boni, o prefeito afirma não ter feito campanha para a vereadora oriunda da fumageira.
Outro vereador também atua na agenda da fumicultura localmente. Felipe Chemereta (União) é fumicultor e tem contratos com a JTI e a Premium Brasil Tabacos, subsidiária da transnacional Premium Tobacco Group, que opera em 14 países. “O que a gente vê é que certos governos querem acabar com o fumo, e é verdade”. Em plenário, Chemereta propôs instituir a semana da agricultura familiar.
A minuta do projeto de lei justifica que a criação dessa semana é importante para “fortalecer, apoiar e incentivar o desenvolvimento da agricultura familiar”, que é “responsável por 70% dos alimentos produzidos no país”. Na mesma proposta, entre outras estatísticas de produção de alimentos pelas famílias rurais, como a mandioca, o arroz e o feijão, o vereador destaca a produção de fumo. O projeto ainda não virou lei em Rio Azul.
União pelo tabaco
Do mesmo partido do vereador Felipe Chemereta, outro ator político é o mais lembrado entre os produtores da região quando o assunto é fumicultura. O voto do setor, no entanto, não se materializou para reeleger Emerson Bacil ao cargo que disputou nas últimas eleições proporcionais no estado.
Ele se orgulha do histórico da família na fumicultura e na política. O pai dele, já falecido, Olisses Bacil, foi fumicultor e prefeito pelo MDB em São João do Triunfo. Conforme conta o filho, o pai foi o idealizador da primeira festa da fumicultura na cidade, em 2004. “E eu, como deputado, coloquei ela [a festa] no calendário do estado do Paraná”, diz o ex-parlamentar, que também protocolou projeto de lei que estabelece normas de negociação entre fumicultores e fumageiras. O projeto segue em tramitação, mesmo com Bacil fora da Casa.
Sendo filiado atuante do partido União Brasil, Bacil se apresenta hoje como assessor da presidência da mesa-diretora da Assembleia Legislativa do Paraná, dada a aliança regional entre o partido e o PSD, que é situação no governo estadual. Essa proximidade explica que ele tenha ter citado o senador Sérgio Moro (União) como “simpatizante da causa da fumicultura” no estado.
“Eu estive com Moro esta semana [abril de 2023], em Curitiba. Ele já veio aqui, em São Mateus do Sul, apresentei a ele essas pautas. Em Rio Azul, tomamos café na propriedade de um fumicultor”. Bacil não disse quando, mas afirma que Moro deve voltar ao Centro-Sul paranaense. “Ele se mostrou muito interessado [na fumicultura], como nunca vi antes. Estou surpreso com ele, positivamente, e acho que tem muito a somar”, comenta.
Como ministro da Justiça do governo Bolsonaro, Moro agiu nos primeiros meses do então novo cargo em parceria com a indústria do tabaco.
Assim como o senador, que teria confidenciado ao ex-deputado a pretensão de seguir na carreira política na próxima década, Bacil afirma que não está fora do jogo. É suplente a deputado estadual pelo União-PR e transita bem entre as lavouras de tabaco, a Assembleia e Brasília.
Mesmo sem cargo eletivo, o ex-deputado reivindica para si o movimento feito pelos prefeitos da região para barrar o aumento do ICMS do cigarro. “Foi um vídeo meu, uma live no meio da lavoura, quando mostrei vários argumentos, que chamou a atenção deles [dos prefeitos]. Postei no sábado e no começo da outra semana eles estavam em Curitiba articulando isso tudo”, diz Bacil, mencionando também não ter sido convidado para a caravana do tabaco na capital.
Futuro da fumicultura no Paraná
Com exceção de São Mateus do Sul, em que a economia soma o tabaco à presença de ervateiras e a mineração do xisto, explorada até novembro do ano passado pela Petrobras, as cidades do tabaco do Paraná estão no fim da lista que aponta os municípios mais desenvolvidos no estado.
Dos 399 municípios paranaenses, São João do Triunfo aparece na posição 383º no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), ou seja, entre as vinte cidades com os piores indicativos de renda, educação e longevidade. Rio Azul, não muito à frente, está na 277ª posição.
Para muitas famílias que trabalharam a vida toda na fumicultura, o retrato das dificuldades financeiras atravessa décadas e gerações, sem apresentar perspectivas.
Em Rio Azul, o casal Margarete e Lauro Bueno planta tabaco há 40 anos. A reportagem foi recebida na garagem da casa de alvenaria, à beira da rodovia, onde moram há menos de um ano. “A outra casa, de madeira, estava podre, mas a gente não conseguia fazer outra, só ano passado que deu para construir”, contam.
Mesmo quatro décadas depois, a subsistência dos pequenos agricultores ainda depende das corporações. “Já vendi toda a safra 2022/2023, paguei as contas [custos de produção], e emprestei dinheiro do banco para pagar o rancho até a próxima colheita”, explica Lauro. A família depende de empréstimos a juros de instituições financeiras para pagar água, luz e a alimentação da família até o vencimento do próximo contrato com as fumageiras, em fevereiro de 2024. “Faz mais de 10 anos que é assim”, reforça Margarete sobre os empréstimos.
No interior de São Mateus do Sul, muito próximo às cavas de exploração de xisto, está a área de 2,5 hectares da família de Antônia Radaskivicz e Vanderlei Riske. As casas de madeira dos filhos, já adultos, foram construídas ao redor da pequena propriedade onde, segundo os produtores, não tem tamanho adequado para plantar outras culturas que não o fumo. Os 20 anos de fumicultura, porém, não foram suficientes para aumentar a área, tampouco para regularizar o terreno, ocupado pelos ascendentes do pai.
Tendo contrato com quatro fumageiras diferentes para escapar das constantes baixas de preço impostas pelas empresas, que classificam elas mesmas a qualidade do tabaco e, consequentemente, o preço que vão pagar pelo produto, Vanderlei aluga, todo ano, terras vizinhas para aumentar a produção.“Nós chegamos a pagar 45 mil reais de aluguel de terra. Quando vem o pagamento da colheita, o que sobra mal dá para comer”, queixa-se o fumicultor, cujos filhos seguiram a profissão.
A juventude rural da região não vê muitas alternativas a não ser continuar o trabalho já começado pelos pais, avós e até bisavós. É o que vai fazer José Gabriel Kiviatcoski, 24, que aproveita uma tarde de sol do primeiro mês mais folgado de trabalho, abril, num bar e tabacaria de São João do Triunfo.
Frequentado pelo jovem José Gabriel, recém formado no curso técnico agrícola, o BO1 Lounge Bar é ponto de encontro de outros jovens fumicultores e “picaretas”, os assim chamados atravessadores de fumo entre produtores e grandes fumageiras.
Para bom entendedor, ou para qualquer triunfense, o nome do bar revela uma boa sacada de marketing. BO1 é a classificação de fumo de maior qualidade, o tipo mais bem pago pelas fumageiras e o mais esperado pelos fumicultores. Ter o fumo rebaixado pelas fumageiras no ato da compra para BO2, Bo3 ou qualquer outra classificação é sinônimo de menor pagamento, situação comum no período de vendas, já que o fumo não tem fixação de preço antes da colheita, como a soja e outras commodities.
Mesmo com as incertezas da produção de fumo, José Gabriel decidiu manter o negócio como sustento da família. “Por trabalharem muito tempo na lavoura, meu pai tem problema de coluna, minha mãe tem problema de rim, daí, eles resolveram parar, mas eu sigo”, conta. Os pais têm, respectivamente, 45 e 49 anos de idade.
Em contrapartida, existe uma parte da juventude que tenta fugir à regra. A egressa do curso Técnico em Agroecologia da Casa Familiar Rural de São Mateus do Sul, Carolina Mayer Riske, 21, lamenta o fim da política pedagógica que a formou.
“Você saía daqui [Casa Familiar Rural] vendo outras oportunidades de investir na propriedade. É uma coisa que abre os olhos para os jovens. Eu, por exemplo, saí daqui querendo trabalhar com sericicultura, mas aqui [na região] não dá, porque é muito agrotóxico em volta, é muito sensível [o bicho-da-seda]”, conta Carolina, que hoje trabalha no projeto de piscicultura da CFR. “No [técnico] agrícola, eles vão querer produzir muito, vão para a soja, milho, essas coisas”, conclui Carolina, ao mencionar que o negócio das grandes corporações de monocultivo vai se sobrepor às outras formas de produção de alimentos e à autonomia das pequenas propriedades.