O Joio e O Trigo

Lobby convence governo que reduzir fumantes e não liberar vape ‘prejudica’ a agricultura familiar

, especial para o Joio

Cultivo de tabaco adoece e exaure a maioria dos agricultores, mas políticos e associações estão de olho nos lucros e impostos que novos fumantes podem trazer ao setor

Ao longo dos 20 anos em que passou na lavoura, o fumicultor Alan Klumb, 42 anos, relata se tornar um “escravo do fumo” sempre entre novembro e fevereiro. No período, o agricultor e a tia trabalham até 16 horas diárias na colheita e secagem manual das folhas de cerca de 50 mil pés de tabaco. 

A dupla mantém 24 hectares de terra – 3,5 de fumo – na zona rural de São Lourenço do Sul, município do sudeste sul-rio-grandense, a principal região fumicultora do país, a 202 km de Porto Alegre. “Daqui a dois, três anos talvez vou parar, porque o corpo não aguenta mais e tu não quer morrer deitado em um camalhão de fumo”, afirma Alan.

O também fumicultor Alair da Rocha, 60 anos, 53 deles na produção de tabaco, quase sofreu essa morte. Por volta de 2016, ele teve um derrame enquanto trabalhava na lavoura em Camaquã, município vizinho a São Lourenço do Sul. Mesmo com as mãos trêmulas pela doença, Alair retornou ao serviço na safra seguinte e, hoje, segue no cultivo de 35 mil pés de tabaco com a esposa Tânia da Rocha, 53 anos. 

“Essa tremura para trabalhar dificulta e até prato de comida é ela (Tânia) que me serve”, relata o agricultor, que anseia pelo descanso. “Eu aposento ano que vem, ela, em três anos, aí, fechamos a lavoura e pronto”, diz.

Esse desalento de Alan e Alair está ligado a uma gradual redução na quantidade de agricultores no plantio da folha, já que os jovens do campo têm preferido se mudar para a cidade ou apostar em outras culturas enquanto os fumicultores mais velhos, pais ou avós, se aposentam. 

Hoje, são cerca de 138 mil famílias produzindo tabaco, 95% delas localizadas na região sul e em propriedades rurais com um tamanho médio de 10,5 hectares, segundo indicadores da safra 2022/23 da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra). Quase vinte anos antes, na 2004/5, as mesmas estatísticas apontavam quase 237 mil famílias. No total, eram quase 1 milhão de pessoas cultivando fumo. Agora, são aproximadamente 650 mil.

Trabalhadores do campo enfrentam êxodo, principalmente de mulheres jovens, segundo sindicalista. Foto: Pedro Nakamura

“Quem plantava 100 mil pés, hoje planta 50 [mil]: há uma redução na mão de obra e, para mim, o tabaco vai se reduzir sozinho nos próximos anos”, avalia o sindicalista Luís Weber, presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Sintraf) de São Lourenço do Sul e vereador na cidade. “Há muitos largando a propriedade, principalmente as meninas”, destaca. 

Até a paisagem rural do sudeste gaúcho tem mudado. Sem a sucessão familiar, muitas terras acabam arrendadas ou vendidas para médios e grandes produtores de grãos. Com isso, aos poucos, onde havia folhas de fumo surgem as de soja.

Em 2012, por exemplo, os plantios de soja e fumo ocupavam dimensões parecidas em São Lourenço do Sul. Ambas as culturas respondiam cada uma por cerca de 21% da área plantada no município, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

Dez anos depois, em 2022, a área da soja havia saltado para 59% e a de fumo caído para 11%. “A gente escuta que conforme reduzem os fumantes, vai reduzir os plantadores”, destaca Alan. “Na verdade, na minha opinião, o fumo vai acabar não pela pressão do governo e da OMS [Organização Mundial da Saúde], mas porque vai acabar o produtor”, avalia. Alair pensa parecido. “Os jovens não querem mais saber”, diz.

Sem consumo, não há produção

Entidades ligadas à indústria do tabaco, no entanto, têm repetido outra história em reuniões com autoridades e ministérios. De acordo com eles, é o avanço de restrições a cigarros que ameaça a fumicultura e a agricultura familiar, a ponto de incentivar o “êxodo rural”.

Em setembro de 2023, a Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo), o Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (SindiTabaco) e a Afubra foram ao Itamaraty criticar políticas que ajudam as pessoas a parar ou a nunca começarem a fumar. 

Na ocasião, eles puseram a culpa da queda no números de fumicultores na Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT), o primeiro acordo internacional de saúde pública da história, coordenado pela OMS e destinado à redução na quantidade global de fumantes, cuja última conferência de negociações (COP-10) ocorreu em fevereiro deste ano, no Panamá.

“Meus interlocutores (…) relataram já terem sido muito atingidos pelas medidas de redução do tabagismo recomendadas pela CQCT, que teriam

provocado significativa redução do número de famílias produtoras, da área plantada e do volume de produção de tabaco no Brasil”, descreveu o diplomata Carlos Moojen, embaixador brasileiro no Panamá, em um telegrama diplomático sobre a reunião, obtido via Lei de Acesso à Informação (LAI) pelo O Joio e O Trigo.

O Joio e o Trigo obteve acesso a mais de 20 arquivos que documentam o lobby da indústria do tabaco na COP-10 via LAI. Veja a íntegra.

O encontro foi marcado pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE), após pedido do senador bolsonarista Luis Carlos Heinze (PP-RS). Na ocasião, a Afubra entregou à diplomacia um ofício dizendo que “sem consumo (de cigarros), não há produção (de tabaco)”.

“Entendemos ser altamente prejudicial à agricultura familiar brasileira estabelecer restrições, mesmo que indiretas, à cultura do tabaco”, diz o um trecho do documento entregue ao Itamaraty. O ofício também pediu a participação de representantes da “cadeia produtiva do tabaco” na Comissão pela Implementação da CQCT no Brasil, a Conicq, que é coordenada pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca). 

O mesmo pleito foi levado pela associação a outras quatro pastas com assento no comitê ao longo de 2023, segundo um levantamento do Joio na plataforma Agenda Transparente. 

Meses mais tarde, durante a COP-10, a associação repetiu a sugestão de que menos fumantes trazem menos renda para o campo. “As ações da OMS não atingirão diretamente os fumicultores, porém, se houver diminuição de consumo, implicará em redução de plantio”, disse em um segundo ofício enviado ao Itamaraty.

Ministérios compram ideia

A proposta da Afubra de ser incluída nos debates, no entanto, é irregular. A CQCT veda a participação de representantes com conflitos de interesses com a indústria na formulação de políticas antitabagistas.

Isso inclui, também, políticos locais de regiões fumageiras, como deputados, prefeitos e vereadores, que capitanearam a pressão pró-fumo contra a OMS por meio da Associação dos Municípios Produtores de Tabaco (Amprotabaco), grupo que foi fundado com apoio do Sinditabaco.

Em reunião com a Casa Civil de Lula, idem em setembro, a Amprotabaco entregou uma “carta de reivindicações” ao governo federal, com exigências para a posição brasileira na COP-10 que, mais uma vez, usou agricultores como a razão para o país frear o avanço de restrições a cigarros, inclusive os eletrônicos. Na carta, a associação de municípios alegou que a CQCT traz “riscos à cadeia produtiva”. 

Ela listou dois: “O estímulo à substituição forçada da produção de tabaco por outras culturas com menor rentabilidade ao produto, que representa diminuição de receita para os municípios e entes federativos”, disse, em primeiro. “Banimento de novas tecnologias que tenham tabaco como matéria-prima, que poderá impactar diretamente o produtor brasileiro”, enumerou, em segundo, a associação, argumentando que restrições a vapes prejudicam fumicultores. 

Sufocados por folhas de tabaco hoje, agricultores se preocupam com o futuro com vape e sem cultivos. Foto: Pedro Nakamura

A pressão funcionou. Tanto o Ministério da Agricultura (Mapa) como o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que haviam recebido comitivas da indústria nos meses anteriores, enviaram notas quase idênticas à Conicq, defendendo, em linhas gerais, a posição sobre vapes. O Mapa, por exemplo, teve duas reuniões com o setor sem registrar ata nem lista de presença, o que viola recomendações da CQCT para que governos sejam transparentes sobre encontros com a indústria.

Na época, ambos os ministérios pediram “cautela” à Conicq para que ela aguardasse o resultado da reavaliação sobre vapes promovida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). 

“Solicito que a delegação brasileira adote uma posição cautelosa em relação a esse regulamento, até que a reavaliação seja concluída e este Ministério da Agricultura possa analisar os potenciais impactos sobre produtores de tabaco do Brasil”, disse o Mapa. O MDA repetiu a mesma tese. Já em relação à “substituição forçada” da fumicultura, só o Mapa reproduziu o pleito da Amprotabaco à Conicq. 

Em abril, a agência decidiu manter a proibição contra os cigarros eletrônicos pelo risco que causam à saúde e pela renovação do público fumante que promove.

Apesar da derrota na Anvisa, na prática,o lobby junto ao governo federal teve sucesso. Na COP-10, o país não manifestou contrariedade aos cigarros eletrônicos que, no fim, integraram de forma discreta os debates.

Contudo, ainda que muito se discuta sobre o assunto em nome dos agricultores nos corredores de Brasília, no campo não se fala em vape. “Não é um assunto entre nós aqui, não”, diz o fumicultor Alan Klumb. “O que eu escuto falar é que ele é muito mais prejudicial”, relata. Além dele, outros quatro fumicultores afirmaram à reportagem que desconhecem o assunto e que tudo o que sabem sobre ele viram na televisão.

Há, na verdade, desconfiança com a possibilidade da nicotina artificial, no longo prazo, substituir a das folhas de fumo. “Somos favoráveis à liberação com regulação rígida e defendemos que seja usado produto oriundo do tabaco”, diz o presidente da Afubra, Marcílio Drescher, defendendo que uma eventual lei garanta o uso da nicotina proveniente da lavoura, no lugar da do laboratório. “Dependemos do consumo final (de fumo), e enquanto ele existir, queremos ter a nossa fatia”, enfatiza.

No entanto, o projeto pela legalização dos vapes proposto pela senadora Soraya Thronicke (União-MS) que tramita no Senado Federal – e feito com participação da Abifumo – não inclui exigências para o uso do fumo em folha nos dispositivos. “Há um interesse individual das indústrias, mas nunca conversamos com eles”, diz Drescher. 

Hoje, as fumageiras apostam o futuro do setor nesses “novos dispositivos”. No primeiro relatório trimestral para investidores de 2023, a Philip Morris International (PMI) listou a incapacidade para comercializar e introduzir novos produtos, como cigarros eletrônicos, entre os principais riscos à sustentabilidade financeira do setor. No Brasil, a fumageira já mantém diversas patentes registradas no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) relativas a vapes – muitas dos quais abrem a brecha para o uso exclusivo da nicotina artificial.

Já uma apresentação, também do ano passado, da fumageira British American Tobacco (BAT), a antiga Souza Cruz, a investidores internacionais apontou o Brasil como um “mercado-chave” que continua inacessível para esses produtos, junto ao México e à Turquia.

Comparação de fumaças

Um mês antes da primeira visita ao Itamaraty para falar de COP-10, em uma audiência de agosto de 2023, a Afubra levou  “preocupações” ao ministro Luiz Marinho, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), uma das pastas com assento na Conicq. 

“As ONGs antitabagistas continuam a disseminar notícias de que os males de saúde pública são decorrentes tão-somente do consumo de cigarros”, disse a entidade, em um documento entregue no encontro e obtido via LAI. “Destacamos, porém, que nem todas as doenças são provenientes do tabaco”, prosseguiu a associação, citando, em seguida, artigos de jornais escritos por médicos que tratavam dos riscos do ar poluído à saúde.

Um dos autores dos artigos citados no documento, o médico patologista Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador dos efeitos da poluição na saúde, leu o ofício a pedido da reportagem e disse que houve “mau uso (de estudos) distorcendo a realidade dos achados”. 

Ao Joio, o presidente da Afubra, Marcílio Drescher, disse que a intenção do ofício foi mostrar que o setor é “criticado e difamado”, enquanto pouco se fala dos males dos combustíveis fósseis. “Batem muito no tabaco e não vêem que o agricultor acaba sendo visto como produtor de algo do mal”, diz. “Mas, para ele [o agricultor], é algo do bem, que traz renda e sustentabilidade à agricultura familiar”, completa.

Na visão do atual presidente da Afubra, por exemplo, o alcoolismo também seria “muito mais grave” do que o tabagismo, mas bebidas não recebem as mesmas restrições que o setor fumageiro. 

É fato que o álcool mata muito, mas o tabaco mata mais. Segundo o Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), um instituto apoiado pela indústria da bebida, foram 69 mil mortes atribuíveis ao álcool no Brasil em 2021. Já o Ministério da Saúde aponta quase 162 mil mortes ligadas ao fumo anualmente – no mundo, o tabagismo mata um total de 8,3 milhões de pessoas anualmente.

A Afubra é membro da Associação Internacional dos Plantadores de Tabaco (ITGA), uma organização global fundada no fim dos anos 80 para ser o braço político da BAT, segundo documentos da indústria do tabaco revelados nos EUA. Há, inclusive, registros de reuniões entre a fumageira, a ITGA e a entidade gaúcha sobre estratégias de relações públicas e pressão conjunta contra a CQCT no início dos anos 2000. 

Documentos internos da Philip Morris, de 1996, mencionam “envolver a Afubra” como estratégia no lobby legislativo contrário a leis que, na época, começavam a restringir o setor. Drescher, no entanto, diz que a entidade é independente da indústria. “Isso é uma alegação difamatória, tentando dizer que não somos uma entidade legítima para representar o setor”, rebate o presidente da associação. “A Afubra defende o produtor, em primeiro lugar”, garante.

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“O fumante é um sobrevivente”

Nas lavouras ou em debates entre fumicultores, não são raros os discursos que relativizam os males dos cigarros para criticar políticas que restringem o acesso a esse tipo de produto. São frases como “o importante é educar, e não restringir” ou “fuma quem quer”. 

“Você não tem escolha quando está dependente”, contrapõe o médico pneumologista Paulo Corrêa, coordenador da comissão de tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT). 

“A nicotina tem um alto poder de causar dependência e uma vez que você usou um cigarro comum mais de cem vezes, já é considerado fumante”, diz Corrêa, que ressalta que, no caso de cigarros eletrônicos, o vício surge mais rápido, já que a concentração de nicotina nesses aparelhos é maior. “Com a dependência química, para não ter o desconforto da abstinência, a pessoa é obrigada a continuar fumando”, explica.

A partir daí, o hábito de fumar aumenta muito o risco de doenças cardiovasculares, crônicas e de vários tipos de câncer, principalmente o de pulmão, entre outras doenças – no total, são ao menos 50. De acorod a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), o tabaco mata até metade dos usuários regulares. 

“O tabagista é, na realidade, um sobrevivente de vários riscos”, ressalta Corrêa. “Se não morrer por algo cardiovascular aos 30, 35 anos, vira candidato à morte por AVC ou câncer de pulmão mais tarde”, alerta. O consumo regular de cigarros é a principal causa evitável de adoecimento e morte no mundo.

Todos esses males se somam ao fato de que, desde os anos 60, a indústria do tabaco já sabia que o produto viciava e matava, o que não a impediu de fazer muito lobby e campanhas dizendo o contrário, para tentar atrasar restrições ao setor. Assim, as regras mais duras de restrição aos cigarros só chegariam a partir do fim dos anos 90 e com a criação da CQCT, em 2001.

De lá para cá, o Brasil se tornou referência internacional em combate ao tabagismo. Em 1989, antes dessas políticas, quase 35% dos brasileiros fumavam – mais de um terço da população. Em 2019, 30 anos depois, esse número havia caído para cerca de 13% da população, praticamente uma a cada sete pessoas, de acordo com dados do Ministério da Saúde. 

Menos fumantes. Mais lucros?

No entanto, ainda que a quantidade de fumantes esteja em queda, os lamentos contra políticas antitabagistas ocorrem em um momento lucrativo para fumicultores brasileiros. Como cerca de 90% do tabaco do país é exportado, desde a alta do dólar impulsionada pela pandemia da covid-19, o faturamento do setor atingiu pelo menos R$ 12,7 bilhões em 2023, um recorde.

Só no ano passado, por exemplo, o Brasil embarcou mais toneladas de fumo para o estrangeiro do que 20 anos antes, em 2003, ano em que a CQCT foi assinada. Estatísticas da Comex Stat, a plataforma de comércio exterior do governo federal, confirmam isso: foram 465 mil toneladas no início dos anos 2000 contra 476 mil no último ano.

“Nas últimas três, quatro safras, a produção agrícola diminuiu e o consumo estatisticamente se manteve, logo, faltou produto e a demanda global aumentou”, analisa o fumicultor Lindomar Bergman, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Agricultores Familiares de Camaquã, entidade ligada à Fetag. “Com isso, as empresas nem estão classificando o fumo e estão buscando direto no galpão”, conta.

Isso significa que, na prática, no lugar dos produtores rurais levarem a folha até as indústrias para que elas o classifiquem e decidam o preço que irão pagar – às vezes, até menos por um fumo que valia mais –, as empresas passaram a ir até as propriedades para buscá-lo direto no galpão e remunerando os valores das classes mais altas, independente da qualidade do fumo. 

Ainda assim, essa boa rentabilidade das últimas safras, que não é regra no cultivo, não é suficiente para reduzir o desalento com a fumicultura. “Tu não planta (fumo) porque gosta, planta porque precisa”, diz Klumb. “Se tivesse outra renda estável para a pequena propriedade, eu não plantava mais”, reforça. A aposta que o produtor tinha para substituir o tabaco, que era o leite, enfrenta hoje uma crise de rentabilidade que tem quebrado os produtores.

Cooperativistas entrevistados pelo Joio, no entanto, apontam que é possível garantir rentabilidade próxima da produção do tabaco, além de   trabalhar menos plantando mais comida. Essa alternativa, contudo, depende bastante do mercado de compras públicas, como as do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). 

Além disso, esse tipo de apoio para o plantio de outras culturas, a exemplo do ofício da Amprotabaco enviado à Casa Civil, é acusado de ser uma “substituição forçada” da fumicultura, ainda que haja muitos produtores de fumo que aguardam oportunidades para trocar de cultivo.

“É difícil dar números, mas produzindo comida e hortifrutis, é tranquilo competir com o tabaco se houver um mercado garantido para a venda”, avalia o produtor rural Jorge Ritter, ex-fumicultor e presidente da Cooperativa Agropecuária de Sertão Santana, município gaúcho a 70 km de Porto Alegre, que vê no PAA um aliado para a diversificação. “Temos produtores que plantavam tabaco, não plantam mais e, hoje, produzem uva para a cooperativa transformar em suco”, relata.

Na região de São Lourenço do Sul, outros cooperativistas enfrentam a mesma dificuldade de acesso ao mercado de compras públicas somado a uma questão cultural: o tabaco é visto como a única alternativa para a agricultura familiar. “É muito difícil tirar a percepção de que só o fumo dá lucro, mas o alimento dá lucro, o milho, o feijão e a soja, também”, garante o técnico agrícola Renato Stasinski, presidente da Cooperativa Agropecuária Centro-Sul.

De acordo com Stasinski, além dessas culturas terem potencial de gerar renda até maior que a do tabaco, produtores rurais trabalham “90% menos”. “A principal diferença é que o fumo basicamente tem todo o trabalho da lavoura braçal na mão”, explica. “O resto, você mecaniza e o milho, mesmo, não se bota a mão em nada”, diz. Falta, no entanto, um maior acesso a mercados de compras públicas para escoar as produções.

Durante a COP-10, em meio às tentativas de interferência da indústria do tabaco nos debates, o MDA foi ao evento para anunciar a retomada do Programa de Diversificação de Cultivos em Áreas Produtoras de Tabaco, desativado desde 2018. A reportagem pediu atualizações do programa à pasta no fim de março, mas o ministério não retornou os contatos. Não há novidades sobre o programa, que não o breve anúncio de retomada, feito em fevereiro pela pasta.

O que se fala entre pesquisadores, no entanto, é que o programa não é prioridade e que não há registros disponíveis sobre a implementação ao longo dos anos 2000. “Dentro do governo federal, a indústria chegou e foi recebida, mas a saúde e organizações sociais que trabalham com a diversificação e a produção de alimentos não tiveram a mesma abertura”, lamenta o engenheiro agrônomo Germano Pollnow, pesquisador do Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde (Cetab), da Fiocruz, que buscou, sem sucesso, “agendas rápidas com o segundo escalão do MDA” ao longo de 2023.

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