Em entrevista ao Joio, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação defende semáforo como melhor sistema
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deve dar hoje, 21, um passo importante na definição de um novo modelo de rotulagem frontal de alimentos industrializados. A pauta da reunião da diretoria prevê a apresentação do relatório de análise de impacto regulatório, ou seja, das impressões gerais sobre os modelos em discussão.
No papel, o pressuposto desses sistemas é encorajar hábitos mais saudáveis, na busca por um freio aos índices de sobrepeso e obesidade, que já afetam mais da metade da população brasileira.
Mas há diferenças grandes em termos de resultado. O tema é recente. Países ao redor do mundo desenvolvem sistemas próprios. E apenas o Chile tem implementação obrigatória. De modo que os estudos científicos ainda se acumulam, porém com sinais cada vez mais claros de quais modelos funcionam melhor.
Por aqui, a Associação Brasileira das Indústria de Alimentação (Abia) apresentou à Anvisa um semáforo adaptado ao sistema de adesão voluntária criado em 2006, no Reino Unido. O padrão mostra as cores verde, amarelo e vermelho para açúcar, gordura saturada e sódio. Basicamente, traz para a frente do rótulo algumas informações que já constam da tabela nutricional, acrescidas de cores que, na visão da Abia, facilitam a interpretação.
O recém-eleito presidente da organização, Wilson Mello Neto, respondeu por e-mail a algumas perguntas do Joio. “A rotulagem nutricional é uma das medidas para incentivar uma alimentação equilibrada, o que significa comer com moderação e de forma variada”, defende.
Há outros modelos em disputa. Um deles é inspirado no caso chileno, com sinais de advertência para sal, açúcar, gorduras e gorduras saturadas. É o sistema defendido pela Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, que reúne organizações não governamentais e pesquisadores. Segundo reportagem do jornal Folha de S. Paulo, a análise de impacto regulatório mostrará que esse é o sistema mais eficaz.
Também não é segredo a posição do Joio: nossa carta de princípios adota as linhas do Guia Alimentar para a População Brasileira, com a recomendação de que sejam evitados os alimentos ultraprocessados. As evidências científicas mostram que o sistema de advertências é o que melhor funciona nesse sentido.
Porém, consideramos importante que o leitor conheça todas as posições e tome a própria decisão. Por isso, apresentamos abaixo a entrevista concedida pelo presidente da Abia.
Você também pode saber mais sobre os sinais de advertência e sobre o NutriScore, sistema francês que foi apresentado à Anvisa pela Associação Brasileira de Nutrologia (Abran).
Como foi a definição, pela Abia, do modelo de rotulagem frontal apresentado à Anvisa? Quais foram as vantagens do semáforo em relação a outros modelos estudados?
A Abia acredita que a rotulagem nutricional frontal é uma excelente forma de garantir que o consumidor tenha mais informações e informações mais claras para compor a sua dieta, com a indicação das porções, das medidas caseiras, da quantidade de porções por embalagem e de ícones coloridos que facilitam a compreensão das quantidades de sódio, açúcares totais e gordura saturada.
Fizemos uma análise detalhada dos modelos existentes, com uma revisão bibliográfica conduzida pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação, da Unicamp, estudo que indicou que a utilização de cores, no painel frontal, facilita o entendimento das informações nutricionais.
Partindo da premissa de cores, tomamos como base o modelo de rotulagem nutricional colorido já utilizado no Reino Unido. Isso porque esse modelo permite que o consumidor faça a composição nutricional mais apropriada para ele, comparando as características dos alimentos e o teor de cada nutriente. Dessa forma, as pessoas podem fazer suas escolhas para uma dieta equilibrada, diversificada e inclusiva.
Pesquisa Ibope Inteligência revelou que sete em cada dez brasileiros preferem o modelo do semáforo. Para 89% dos entrevistados, ele cumpre os requisitos para auxiliar escolhas mais nutritivas e saudáveis. 70% dos brasileiros compreendem as informações nutricionais porque estão baseadas em porção e medida caseira.
Além da mudança na rotulagem nutricional, acreditamos que devem ser realizados também programas de educação alimentar e nutricional.
Qual a opinião da Abia sobre o impacto que essa medida pode ter em termos de consumo e de saúde pública?
Consideramos que o aumento da incidência de obesidade e de outras doenças associadas ao estilo de vida atual tem causas multifatoriais e sua solução passa por uma abordagem ampla, incluindo o incentivo à prática de atividades físicas e à alimentação equilibrada.
A indústria de alimentos está comprometida em promover ações concretas para ajudar a combater o problema, com grande investimento na inovação do seu portfólio e adequação às necessidades atuais do consumidor e seu paladar. As mudanças passam por alterações no perfil nutricional, disposição de alimentos em porções menores e redução voluntária de sódio, gordura trans e açúcar, trabalho realizado em parceria com o Ministério da Saúde.
Já foram retiradas 310 mil toneladas de gorduras trans dos alimentos industrializados até 2016. Com relação ao sódio, o compromisso retirou mais de 17 mil toneladas e tem a meta de chegar a 28,5 mil toneladas até 2020. O trabalho com o ministério para a redução de açúcar já começou e está na fase das oficinas técnicas.
A rotulagem nutricional é uma das medidas para incentivar uma alimentação equilibrada, o que significa comer com moderação e de forma variada. A simples proibição de alimentos não contribui para a adoção de hábitos saudáveis. É preciso avaliar o contexto da dieta e os hábitos de vida do consumidor, bem como realizar campanhas de educação alimentar e nutricional.
Qual deve ser o objetivo da Anvisa com a definição desse modelo de rotulagem: garantir a comparação entre produtos ou desestimular o consumo de determinados produtos?
O objetivo deve ser estimular uma alimentação equilibrada, de acordo com a quantidade e nutrientes de cada alimento.
Mike Rayner, um dos criadores do semáforo britânico, fez seguidos estudos que chegaram à conclusão de que esse sistema tem baixa efetividade. Ele aderiu a um abaixo-assinado que pede que a Anvisa adote os sinais de advertência. Como a Abia avalia essa questão?
Entendemos que a decisão de Mike Rayner foi baseada na experiência da Europa, que difere da realidade brasileira. O modelo do Reino Unido foi uma inspiração para o desenvolvimento de uma proposta adaptada à realidade brasileira. Acreditamos que o Brasil é um país com características singulares, particularidades importantes relacionadas ao tamanho do território e da população, além das diversidades regionais. E, por essas razões, acreditamos que não devemos simplesmente replicar modelos estrangeiros.
Na visão da Abia, quais as evidências científicas que podem ser percebidas como desvantagens do sistema de advertências?
Levamos em consideração as evidências de que a utilização de cores facilita a compreensão das informações nutricionais, como demonstrou a revisão bibliográfica conduzida pela Unicamp.
A rotulagem nutricional frontal, por porção, com a indicação das medidas caseiras, da quantidade de porções por embalagem e de ícones coloridos para quantidades de sódio, açúcares totais e gordura saturada traz informações mais completas. O modelo de advertência, por fornecer informações limitadas sobre a composição nutricional dos alimentos e das porções, não contribui para a educação do consumidor e, consequentemente, a adoção de uma dieta equilibrada e saudável.