O pesquisador Boyd Swinburn diz que pressão dos fabricantes atrasa políticas públicas para conter obesidade e doenças crônicas
Boyd Swinburn entende que passou da hora de colocar a indústria de alimentos ultraprocessados nos trilhos. O professor de Nutrição Populacional e Saúde Global da Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, usa a expressão “sindemia” para descrever o que está ocorrendo. Não estamos mais falando de uma epidemia de obesidade, mas da junção de uma série de problemas que passam a agravar um ao outro.
Diabetes, doenças do coração, câncer: três dos maiores fatores de mortalidade no mundo têm associação com a obesidade – embora possam também estar ligados a outros fatores. Para ele, o discurso impulsionado pela indústria de que a conscientização do consumidor tratará de resolver o problema é simplista. E desigual, na medida em que quem pode mais passa a comprar alimentos de melhor qualidade.
Em abril, o professor passou por Brasília para participar do Congresso Brasileiro de Nutrição (Conbran). Ele falou sobre um de seus interesses fundamentais: formular, identificar e monitorar políticas públicas que funcionem. Swinburn é um dos nomes à frente do INFORMAS, uma rede de organizações e pesquisadores voltados a essa finalidade. Afinal, se a obesidade se tornou um problema global, se as empresas são as mesmas mundo afora, é possível que a solução aplicada aqui também faça sentido acolá, ainda que com adaptações.
Uma das possibilidades no momento é usar a rotulagem frontal dos alimentos para desestimular o consumo de produtos não saudáveis. Há uma série de modelos, mas Swinburn reiterou em Brasília o apoio ao sistema defendido pela Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável. A ideia é colocar sinais que alertem o consumidor sobre o excesso de sal, açúcar, gorduras e gorduras saturadas, além de acusar a presença de edulcorantes e gorduras trans.
O INFORMAS criou modelos de avaliação dessas políticas públicas pensando em quais argumentos conseguem persuadir formuladores e políticos. A rede conta com pesquisadores de 22 países interessados em desenvolver estratégias comuns quanto a temas como publicidade, rotulagem, composição dos alimentos, tributação e logística.
Swinburn deixa claro: é inútil procurar por uma bala de prata. E a tarefa de convencimento dos formuladores de políticas se torna mais difícil quando há um interesse que se sobrepõe à saúde pública. “O produto que eles vendem é a dúvida. A indústria do cigarro se valeu disso durante muito tempo, e agora a indústria de alimentos se tornou especialista em semear a dúvida na ciência”, critica.
Confira a seguir os principais trechos da conversa.
Você disse que não há uma solução mágica. Mas sabemos o que pode ser mais efetivo em lidar com a epidemia de obesidade?
A análise do que foi feito até aqui sobre modelos mostra que o mais eficiente são políticas públicas. Impostos sobre bebidas adoçadas, restrições na publicidade de alimentos, políticas alimentares em escolas e ambientes públicos. Geralmente, políticas públicas custam muito menos do que programas governamentais. E, no nível de política pública, você atinge toda a população, enquanto um programa é direcionado a um segmento.
Esse debate sobre políticas regulatórias está avançando rapidamente no mundo. O que tem promovido essa aceleração?
Há um enorme impulso da OMS e da sociedade civil, de acadêmicos, de formuladores de políticas públicas. Mas também há uma enorme reação da indústria de alimentos. Eles têm bolsos muito profundos e habilidade para converter poder econômico em poder político para garantir que as políticas implementadas não prejudiquem seus lucros. Isso é o que temos no momento.
Os políticos estão espremidos no meio, com um grupo dizendo que precisamos de políticas públicas e outro grupo dizendo que não. Os políticos tendem a ficar assustados quando há dois grupos muito significativos batendo à porta, e acabam por congelar a ação. Então, quase nenhum país tem avançado rapidamente no campo político. O Chile fez o maior progresso porque tinha um ministro e um senador dando realmente duro para fazer a política ser implementada.
Já que você falou do Chile, temos visto um grande esforço da indústria em mostrar que essas políticas não estão funcionando. Como você vê esses esforços?
Essa é uma tática clássica das indústrias. Desacreditar as evidências. O produto que eles vendem é a dúvida. A indústria do cigarro se valeu disso durante muito tempo, e agora a indústria de alimentos se tornou especialista em semear a dúvida na ciência. As linhas clássicas que usam são de dizer que não existe evidência de que determinada política será efetiva em reduzir a obesidade.
O que fizeram no México, por exemplo, foi selecionar alguns dados para dizer que a taxação de refrigerantes não está funcionando. Não importa que os dados completos nunca tenham sido divulgados, nem que esse tipo de conclusão não tenha sido submetido a uma revisão pelos colegas. No Chile estão fazendo o mesmo. E no Brasil.
Você falou algumas vezes sobre o Guia Alimentar brasileiro. Qual sua opinião geral sobre o Guia? O que poderia ser melhor?
Quando eu vivia na Austrália, tínhamos um trabalho sobre sustentabilidade e colocamos no guia alimentar. Houve uma grande briga por alguns anos e a indústria ganhou. Todo o trabalho sobre sustentabilidade foi jogado fora, não foi incluído. Tentamos e perdemos. Os Estados Unidos tentaram e perderam. Mas o Brasil venceu. E agora é um modelo mundial para guias alimentares.
O desafio é implementar e levar todas as políticas públicas na direção de incluir as dimensões social e ambiental. Falar sobre educação alimentar. Fazer publicidade social voltada à alimentação saudável.
No Brasil e em outras partes do mundo há uma demanda crescente por alimentos frescos, mas muitas vezes isso acaba por não ser acessível a classes baixas. Como fazer com que essa demanda não crie uma nova faceta da desigualdade?
Se você não faz nada, e a obesidade continua nas manchetes dos jornais, as pessoas que ganham dinheiro suficiente, que têm bom acesso a informação, que têm tempo para lidar com isso, vão procurar um estilo de vida mais saudável. Isso fará crescer a desigualdade.
Então, para evitar que isso aconteça, é preciso ter políticas específicas pró-igualdade, como subsídios para os mais pobres e impostos sobre bebidas adoçadas. Esses impostos atingem de maneira mais dura os mais pobres porque têm um impacto maior no bolso. Políticas que restringem o marketing de fast-food e a oferta de fast-food no entorno das escolas. Você pode decidir que não haverá McDonald’s próximo a uma escola de baixa renda. As políticas precisam facilitar às pessoas pobres fazer escolhas saudáveis.