Manchetes caça-cliques, informações distorcidas e até notícias falsas preocupam cientistas. Mas as soluções estão longe do consenso
Melhorar a fita dos cientistas na mídia. Essa era uma das preocupações dos participantes reunidos no X Congresso do International Life Sciences Institute (ILSI), realizado entre os últimos dias 10 e 12 de abril, em Águas de São Pedro, interior de São Paulo. A motivação vem de uma constatação um tanto quanto intuitiva, porém. O jornalismo não costuma tratar a ciência, sobretudo na área de saúde, com o devido cuidado. Manchetes caça-cliques, conclusões distorcidas e até notícias falsas (as ditas fake news, outro nome para o que deveria ser só chamado de “pura mentira”) são mais comuns do que deveriam.
A programação do encontro foi, em grande parte, dedicada a discutir formas de como tornar mais fidedigna a relação entre as duas partes. No entanto se engana quem pensa que os jornalistas têm toda a culpa no cartório. Convidado a palestrar, o biólogo Gustavo Belchior, fundador da empresa Core Us, falou de seu trabalho, voltado a facilitar a comunicação dos cientistas com a mídia e a sociedade. Segundo ele, os pesquisadores precisam aprender “a contar histórias” quando indagados sobre estudos.
“A história das pessoas é uma das coisas mais interessantes de você conhecer. E existe não só o conhecimento de que isso é fato, mas, também, uma forma de a gente trabalhar a contação de histórias”, disse. Para o biólogo, a fórmula do sucesso está nos colegas cientistas falarem das pesquisas como Walt Disney narrava contos maravilhosos.
A jornalista da Rede Globo de Televisão Patrícia Carvalho, editora-chefe do programa Bem-Estar, complementou o raciocínio de Belchior. Ao falarem, cientistas costumam ser prolixos, segundo ela, tangenciando o ponto principal daquilo que querem dizer, para só depois de minutos e minutos de muitas idas e vindas mostrarem a conclusão à qual chegaram. A global afirmou que os acadêmicos conseguiriam evitar isso trocando o início das declarações. Podem começar uma apresentação trazendo primeiro o que concluíram com um estudo X ou uma pesquisa Y, para, então, demonstrar o raciocínio.
“Por que a informação quando você recebe pela revista ou pelo jornal tem tanto impacto?”, questionou a jornalista. “Fazer algo inspiracional. É isso que a comunicação dá a chance de vocês fazerem, de mudar o comportamento das pessoas, porque elas não vão mudar o comportamento com o que vocês dizem no consultório.”
“O que vai fazer a pessoa mudar o comportamento não é uma informação racional. Qualquer pessoa que já mudou de hábito sabe que tem que ter uma decisão interna para mudar esse hábito. O que é que a gente vai fazer? Vai pegar uma informação e embrulhar para presente”, detalhou a editora do Bem-Estar. Aliás, o programa, que saiu da grade da Globo para se tornar um quadro dentro do programa da apresentadora Fátima Bernardes, foi só elogios para os presentes. Carvalho reiterou que o sucesso é importante porque a emissora sabe que o relevante é, mais do que informar, seduzir as pessoas.
Fake news
Os títulos são os mais variados: “Mulher comprou erva milagrosa e emagreceu 164 kg” ou “Este homem vai te revelar o segredo para uma barriga tanquinho fazendo uma dieta à base de pepinos e croissants” ou ainda “Fibra que faz emagrecer ‘seca’ ator em tempo recorde”. Tem para todos os gostos, mas a suspeita acende para qualquer pessoa um pouco mais familiarizada com o trato da informação. Isso tudo que não passa de um monte de mentiras e bobagens, contudo, representa também um dos diferentes graus de distorção das evidências científicas
Tais exemplos são de casos exagerados. E há para todos os gostos. Trata-se de informações falsas para ganhar cliques de internautas desorientados. No entanto, não são o único tipo de problema na relação mídia e ciência. No meio acadêmico, queixas sobre como estudos são veiculados em reportagens jornalísticas são muito frequentes. Variadas, as razões vão desde um press release mal-feito sobre um estudo enviado a um jornalista, que tampouco se preocupa em ir atrás da pesquisa original, até as exaustivas — e cada vez piores — condições de trabalho nas redações de grandes jornais, portais e revistas.
Esse cenário motivou a criação da DROPS, que percorre um caminho de tendência crescente no jornalismo. É uma agência de checagem de informações sobre ciência. Quando o resultado duvidoso de um estudo aparece, os profissionais dela vão atrás para conferir o que é verdade e o que é mentira. A ideia é evitar o telefone sem fio, quando a mensagem de algo é captada de forma errada, conforme definiu no congresso Maria Vitoria Zambrone, diretora do Instituto Brasileiro de Toxicologia, uma das entidades que apoiam o DROPS.
“Eu acredito que o grande problema na área de saúde não é exatamente as fake news. Eu acho que são as notícias equivocadas que são colocadas de forma inacurada sem intenção”, ela detalhou.
Só até a página dois
A preocupação é semelhante —até a página dois— à manifestada pelos integrantes da primeira edição do Programa de Treinamento para Jornalistas e Estudantes sobre a indústria de alimentos ultraprocessados e a saúde pública. A iniciativa foi realizada pelo Joio, em meados de março, em parceria com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), a ONG ACT Promoção da Saúde e a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável.
Virada a página dois, a DROPS tem uma diferença. O Instituto Brasileiro de Tecnologia, que dá sustentação à agência, é parceiro da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia). A Abia, como não cansamos de mostra aqui no Joio, é um prato cheio de fake news. Ora encomenda estudos sem sustentação do ponto de vista metodológico, sobre o impacto da rotulagem de alimentos, ora se vale de pesquisas de opinião com resultados contraditórios para defender pontos de vista. Isso, quando os diretores não dizem imprecisões, como a de que um bolo de fubá é um alimento ultraprocessado.