Em São Paulo, mais dinheiro não é sinônimo de mais comida saudável

Distritos mais ricos têm menor oferta de alimentos in natura e minimamente processados em relação a ultraprocessados, mostra projeto de O Joio e O Trigo

Barra Funda, Itaim Bibi, Jardim Paulista, República, Bela Vista, Pinheiros, Moema, Consolação, Santo Amaro, Vila Mariana, Liberdade, Cambuci, Bom Retiro, Tatuapé, Pari, Perdizes, Morumbi, Campo Belo, Santa Cecília, Santana, Belém, Vila Guilherme, Mooca, Lapa, Ipiranga, Vila Andrade, Alto de Pinheiros, Saúde, Limão.

Pode parecer, mas isso não é um poema modernista nem a letra de uma nova música do Premê — o Premeditando o Breque, uma das bandas que integrou a vanguarda paulista, movimento cultural da cidade de São Paulo nos anos 1980. Os nomes acima listam um grupo de distritos em que a oferta predominante de comida saudável não chega nem a 10%.

Para ser mais específico, a disponibilidade majoritária de alimentos in natura ou minimamente processados não passa de 7,5% do total de estabelecimentos que vendem alimentos nesses bairros.

Essa é mais uma constatação do projeto São Paulo: onde sobra e onde falta comida saudável, que mostra em quatro mapas, elaborados com informações públicas, as características do ambiente alimentar na cidade.

O levantamento revela a disponibilidade de comida de acordo com três tipos de estabelecimentos: oferta predominante de alimentos saudáveis, predominante de não saudáveis e predominante mista. Permite, assim, visualizar pântanos (oferta não saudável abundante) e desertos alimentares (oferta saudável insuficiente) e evidenciar outras situações.

Uma delas é destacar a pequena parcela que os alimentos saudáveis ocupam no total da oferta de comida em alguns dos bairros mais conhecidos de São Paulo. Na maioria deles, em geral, os estabelecimentos de oferta predominante mista prevalecem — o que favorece a alimentação não saudável, como já mostramos.

Esse é o caso de distritos como Itaim Bibi, Jardim Paulista e Pinheiros, na zona oeste da cidade, além de Moema (zona sul), Liberdade (centro), Tatuapé (zona leste) e Santana (zona norte).


Mas, dentre aqueles com menos alimentos saudáveis, existem bairros em que é maior a oferta predominante de alimentos não saudáveis — ou seja, de ultraprocessados. Isso acontece em Santa Cecília, República, Consolação e Bela Vista, no centro da capital paulista, Santo Amaro e Vila Mariana (zona sul) e Belém e Mooca (zona leste).

Além de menor oferta predominante de alimentos saudáveis, os distritos têm em comum um índice de desenvolvimento humano (IDH) considerado muito alto, com mais renda, que é de 0,81 em média. Ao todo, são 29, de um total de 97, os distritos que não chegam nem a 7,5% de oferta predominante de comida in natura ou minimamente processada.

A disponibilidade mais discreta de alimentos saudáveis acompanha outro indicador importante. Mais da metade dos habitantes adultos (entre 20 e 59 anos) do município estão acima do peso. 36,2% estão sobrepesos e 20,5%, obesos, de acordo com a última edição do Inquérito de Saúde da Capital (ISA-2015).

O documento diz que o quadro sanitário na cidade é “complexo, preocupante e vem se agravando ao longo do tempo”, admitindo que, nos últimos anos, houve em São Paulo um aumento não só de fatores de risco, como o sobrepeso e a obesidade, mas também de doenças crônicas não transmissíveis, como hipertensão, diabetes e câncer.


O ISA ainda afirma que o poder público deve promover políticas para reverter a tendência de piora no quadro de saúde. “Algumas intervenções são apontadas na literatura como efetivas, iniciando pelo incentivo ao aleitamento materno, à alimentação complementar adequada na primeira infância e à alimentação saudável na escola e na família.”

Oferta e demanda andam de mãos dadas. Em todo o Brasil, a região Sudeste, onde está a cidade de São Paulo, é uma das que mais se consome ultraprocessados em casa, de acordo com a última edição de Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2017-2018) do IBGE. Do total de calorias adquiridas na residência, 21,4% vêm destes alimentos.

A mesma edição da POF mostrou que, em geral, as famílias com mais poder aquisitivo tendem a consumir mais comida não saudável. Entre os 20% de brasileiros mais ricos o consumo de ultraprocessados corresponde a quase um quarto do total de calorias adquiridas em casa. Entre os 20% mais pobres, a cifra cai pela metade, para um oitavo do total de calorias.

De ponta a ponta

Alimentos saudáveis menos disponíveis do que os não saudáveis é a situação em uma ponta mais rica do município de São Paulo. Em outra ponta, em distritos mais pobres — e cujos nomes não se tornaram música nos anos 1980 —, há distritos em que a oferta predominante de comida saudável vai da metade até a um quinto do total disponível.

Essa é a situação de Marsilac, Sapopemba, Iguatemi — o bairro, na periferia, e não o shopping nos Jardins, atenção!—, Aricanduva, Cangaíba, Jaguará, Vila Curuçá, Vila Jacuí, Vila Leopoldina, Artur Alvim, São Lucas e Jardim Helena.


Situados nas bordas da capital paulista, esses bairros têm um IDH no limte de ser considerado médio ou alto, de 0,70. Ainda assim, consideravelmente inferior à parcela dos bairros mais ricos.

Características próprias de cada um dos distritos influenciam na maior oferta de comida saudável — como é o caso de Marsilac, localizado na zona rural da cidade e, portanto, mais próximo da produção de alimentos frescos. Mas a presença de equipamentos públicos, como feiras livres, mercados municipais e sacolões contribui.

A Vila Leopoldina, por exemplo, é o bairro onde está assentado a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), que é maior entreposto de venda atacadista de alimentos da América Latina e o terceiro maior do mundo.

Metodologia

Em bases de dados públicas, o onde sobre e onde falta levantou o CNPJ dos estabelecimentos de vendas de comida registrados até 2020 na cidade São Paulo. Buscou locais como açougues, bares, lojas de conveniência, mercados, restaurantes e sacolões. Depois, verificou a inscrição deles na Classificação Nacional de Atividades Econômicos (CNAE). 

Na sequência, o CNAE dos recintos foi utilizado para dividi-los conforme a predominância dos tipos de alimentos que disponibilizam. A tabela abaixo mostra como a divisão aconteceu.

Os locais foram agrupados segundo a classificação de alimentos prevista no Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde. 1. De venda predominantemente de alimentos in natura e/ou minimamente processados, considerados saudáveis. 2. De alimentos ultraprocessados, não saudáveis. 3. De venda mista das duas categorias anteriores.

Essa diferenciação se baseou no mesmo método utilizado por outras pesquisas sobre ambiente alimentar, como a tese do pesquisador Paulo César de Castro, desenvolvida na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Castro, que também é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fez um levantamento semelhante ao de São Paulo, mas com os estabelecimentos registrados até 2013 na capital fluminense. O pesquisador acompanhou o levantamento do Joio fazendo uma consultoria técnica.

O projeto onde falta e onde sobra é, por enquanto, a investigação mais abrangente sobre a oferta de alimentos na cidade de São Paulo.

Confira todas as reportagens publicadas na série:

Os dados utilizados para o levantamento estão disponíveis aqui

Por Guilherme Zocchio

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