Pesquisa da UFBA e da Fiocruz conclui que obesidade aumenta em 1,33 vezes o risco de morte de pacientes adultos internados com coronavírus
Que a obesidade é um fator de risco para a Covid-19 já se sabe há algum tempo, mas uma pesquisa científica publicada no início do mês, na revista médica BMJ (antigo British Medical Journal), deixou isso ainda mais evidente. O estudo mostrou que esse fator é mais determinante do que doenças cardiovasculares e diabetes para desfechos negativos em pacientes internados com o coronavírus. Isso vale tanto para pessoas maiores de 20 anos quanto para idosos, acima de 60.
De acordo com a pesquisa, a obesidade sozinha ou combinada com diabetes e/ou doenças cardiovasculares foi associada a uma evolução mais grave da Covid-19 do que em pacientes que tinham somente diabetes e/ou doenças cardiovasculares.
A conclusão reforça as evidências científicas espalhadas ao redor do mundo que já denunciavam a relação crítica entre obesidade e Covid-19. Essa é a primeira publicação a descrever a relação entre Covid-19, obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares em pacientes internados em hospitais da rede pública e privada no Brasil.
O levantamento foi desenvolvido pela Rede CoVida, um projeto multidisciplinar do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs), da Fiocruz, em parceria com a Universidade Federal da Bahia (UFBA). A Rede CoVida foi criada para estimular a produção científica que possa auxiliar no controle da pandemia.
“Conseguimos obter uma amostra grande e representativa com informações completas para variáveis demográficas e comorbidades. Vale destacar a importância que a existência e disponibilidade desses dados têm tido para produção de evidências e conhecimentos sobre a pandemia da Covid-19”, avalia Natanael Silva, um dos autores do estudo e pesquisador do Cidacs, da Fiocruz.
Segundo os autores, o estudo apoia uma relação da obesidade com desfechos graves, incluindo uma associação dose-resposta, ou seja, uma análise de causalidade entre os graus de obesidade e morte em adultos. “Essas descobertas sugerem implicações importantes para o cuidado clínico de pacientes com obesidade e Covid-19 grave, como o aumento da necessidade de cuidados intensivos e maior risco de morte entre esses pacientes”, concluem.
Para o levantamento, os autores usaram a base de dados do Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe), o programa oficial do SUS para o registro de casos e óbitos das síndromes respiratórias graves no Brasil. Em seguida, separaram os casos em dois grupos: foram 8.848 adultos (maiores de 20 anos) e 12.925 idosos (maiores de 60 anos), que estavam internados e com testes positivos para o vírus até o início de junho de 2020.
Segundo a pesquisa, pacientes com obesidade, ou seja, aqueles identificados com Índice de Massa Corporal (IMC) igual ou maior que 30, em ambas as faixas etárias, têm maiores chances de precisar de ventilação mecânica e Unidades de Terapia Intensiva (UTI), além de correrem mais risco de morte do que pacientes em estado grave que não tenham esse diagnóstico.
O estudo apontou que a prevalência de obesidade foi de 9,7% em adultos e 3,5% em idosos. Na análise da população adulta, a obesidade sozinha foi associada a um aumento da necessidade de ventilação mecânica invasiva 2,69 vezes maior em relação ao grupo sem obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares. A admissão na UTI foi 1,31 vezes maior, e a ocorrência de morte, 1,33 vezes maior, também em relação ao grupo que não apresentou os diagnósticos para essas doenças crônicas.
Entre os idosos, a obesidade sozinha foi associada a uma prevalência de UTI 1,40 vezes maior, e óbito, 1,67 vezes maior em relação ao grupo sem obesidade e outras doenças crônicas. Em menor grau, a obesidade combinada com diabetes e doenças cardiovasculares foi associada a um aumento da necessidade de ventilação mecânica invasiva (1,66 vezes mais), admissão na UTI (1,37 vezes mais) e morte (1,39 vezes mais).
Idosos com diagnóstico apenas de diabetes e doenças cardiovasculares tiveram menos desfechos negativos do que o grupo de idosos com obesidade sozinha ou combinada.
Quanto ao grau de obesidade, a pesquisa concluiu que não houve muita diferença nos desfechos, “exceto para a prevalência de óbito, que aumentou” conforme a magnitude do IMC.
Sobre o critério usado para definir obesidade, a autora do artigo e pós-doutoranda do Cicads, Andrêa Ferreira, afirma que esse é um padrão bastante aceito em estudos do tipo, ainda que não necessariamente seja o melhor indicador da saúde do paciente.
“É muito mais informativo para a saúde saber a composição corporal do indivíduo, do que o seu peso isolado. Porém, em termos coletivos, os estudos têm bem estabelecido o uso do IMC como um importante indicador para mensurar a prevalência da obesidade na população, ou seja, no coletivo. Daí a nossa escolha por esse indicador, apesar de suas limitações como marcador de saúde do indivíduo”, explica Ferreira.
Como a obesidade agrava a Covid-19?*
O maior peso corporal impõe dificuldade para a elasticidade da parede do tórax e menos resistência total do sistema respiratório;
A obesidade está associada à síndrome da apnéia do sono e obstrução por doença crônica pulmonar, que impede o bom funcionamento das vias aéreas;
A obesidade é uma doença metabólica e inflamatória, que está associada ao desenvolvimento ou agravamento de outras comorbidades crônicas e endócrinas que podem modificar as respostas imunes, tornando o sistema imunológico mais vulnerável a infecções e menos responsivo;
A descompensação glicêmica, comum em pacientes com obesidade, está associada ao prejuízo da ventilação pulmonar.
*Fonte: “Associação combinada de obesidade e outras doenças cardiometabólicas com resultados graves de Covid-19: um estudo transversal nacional de 21.773 adultos brasileiros e idosos internados”
Grupo prioritário para vacinação
Os pesquisadores da Rede CoVida indicam, a partir dos resultados do estudo, a necessidade de inclusão de pessoas com obesidade, de todos os graus, independentemente de outras comorbidades pré-existentes e idade, em grupos prioritários para vacinação contra o novo coronavírus.
Esse é um segmento da população, inclusive, que não para de crescer no Brasil. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde, do IBGE, a proporção de adultos diagnosticados com obesidade mais que dobrou no país entre 2003 e 2019, passando de 12,2% para 26,8%.
A última pesquisa da Vigitel, sobre fatores de risco e proteção para doenças crônicas, como a obesidade, apontou que o consumo de cinco ou mais grupos de alimentos ultraprocessados no dia anterior à entrevista telefônica foi de 18,2%, sendo mais elevado entre homens (21,8%) do que entre mulheres (15,1%).
Evidências científicas que relacionam o consumo de ultraprocessados e o desenvolvimento da obesidade e de doenças crônicas não transmissíveis, as DCNT’s, crescem a cada dia. Além da má alimentação, o consumo de álcool, tabaco e a inatividade física contribuem para esse cenário.
O estudo deixa claro, uma vez mais, que é preciso enxergar a obesidade como um problema de saúde pública. Longe de ser uma responsabilidade individual e, menos ainda, motivo de culpa, a obesidade requer políticas de prevenção e tratamento, que passam, inclusive, pela regulação das indústrias.