Nas gôndolas da empresa, predominam produtos ultraprocessados Foto: Lucas Guarnieri Marteli

Rede de mercados Market4u faz sucesso com oferta de ultraprocessados em condomínios e locais de trabalho

Novidade, empresa oferece produtos com alto teor de açúcar, sal e gorduras ao alcance da mão, sem mediação humana, 24 horas por dia

“Mercado para você”. É com esse nome arrojado, traduzido para o inglês, que uma empresa varejista vem se espalhando pelo Brasil desde 2019. 

A proposta é simples: oferecer alimentos e itens básicos dentro de condomínios e locais de trabalho da forma mais conveniente possível. Os produtos são dispostos em mercados “autônomos” não-supervisionados, que funcionam dia e noite, e o usuário pode pegá-los livremente, pagando por meio de um aplicativo de celular. 

Hoje com duas mil lojas, espalhadas por 150 cidades do país, a Market4u tem parceria com gigantes como BRF, Seara, Ambev, Coca-Cola e Kibon. Nas gôndolas, predominam produtos ultraprocessadoscom alto teor de açúcar, sal e gordura – como macarrão instantâneo, picolés, refrigerantes e salgadinhos. 

A Market4u pertence ao paranaense BioGroup que, conforme site oficial, foi fundado em 1975 e hoje tem investimentos em áreas tão diversas como a de postos de combustível, indústria têxtil, assessoria contábil e cafeterias. Em 2019, a holding anunciou um faturamento de R$ 100 milhões.

Nas últimas semanas, o Joio conversou com moradores de prédios que dispõem de pontos de venda da Market4u para entender como eles enxergaram a instalação dos mercados e se viram uma mudança de hábitos depois da novidade. 

A maioria vê a adoção dos mercadinhos como algo positivo, ressaltando a facilidade de realização de algumas compras, e diz não ter percebido um aumento no consumo de  produtos ultraprocessados. 

É o caso do casal Fátima Regina, de 56 anos, e José Paulo, 58, moradores do condomínio Jardim Tropical, na Zona Sul de São Paulo. Eles dizem apoiar a instalação do mercado pela facilidade que ele oferece, apesar de terem consumido ali apenas duas ou três vezes. 

“A gente tem o hábito de comprar fora mesmo, então é difícil a gente ser pego desprevenido”, conta José Paulo, ressaltando que o mercadinho é útil em caso de “emergências”. 

“Era tarde, eu queria tomar uma Coca-Cola”, diz ele, “e eu queria um sorvete”, completa a esposa. Os dois acham que, caso o mercado não existisse no prédio, simplesmente teriam aqueles produtos no estoque, o que levaria a um consumo final semelhante. 

Sandra Vivan, de 62 anos, moradora do mesmo condomínio, também vê com bons olhos a permanência do mercadinho autônomo no prédio. 

Ela disse à reportagem que não costuma comprar ultraprocessados no mercado porque não fazem parte de seu hábito alimentar, mas que já foi salva algumas vezes na falta de algum ingrediente culinário. 

“Eu uso no momento de socorro”, conta. “Já comprei leite, manteiga, pão e sorvete pra uma vez que tive visita e não sabia o que servir.” 

Fotos: Marcos Hermanson e Lucas Guarnieri Marteli


Conveniência

O nutricionista Paulo César Castro é professor adjunto na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista em ambiente alimentar. Ele destaca a ausência de evidências científicas sobre o impacto de mercados autônomos em hábitos alimentares, mas lembra que a conveniência no acesso é um dos fatores que pode aumentar o consumo de produtos ultraprocessados. 

“Nós trabalhamos com cinco dimensões no acesso à alimentação”, explica Castro. “Disponibilidade, acessibilidade financeira, acessibilidade física, aceitabilidade e conveniência”. 

Com preços pouco acima dos varejos comuns, facilidade de pagamento – já que o usuário pode usar Pix, cartão de débito e de crédito – e localização privilegiada nos locais de passagem dos condomínios, o Market4u acaba preenchendo os requisitos de acessibilidade financeira, física e disponibilidade, argumenta o nutricionista. 

“Esses autosserviços aproximam determinados alimentos do consumidor, entrando no seu espaço cotidiano”, diz o pesquisador. “Então a possibilidade de aumento de consumo de ultraprocessados é muito grande”.

Vinícius Bianchin tem 15 anos e é morador do Terrazza Novos Rumos, outro edifício na Zona Sul da capital paulista. Ele disse à reportagem que viu um leve aumento no consumo de alguns alimentos em função da presença do mercadinho no saguão do prédio.

“Normalmente a gente compra [no Market4u] durante a noite, coisas que antes a gente não costumava pedir, e agora que chegou o mercado a gente vai lá e pega”, explica. “Coca-Cola ou algum doce que eu ou minha mãe estejamos com vontade” – Vinícius diz que a família também usa o mercadinho para complementar receitas caseiras, na falta de algum ingrediente.

Foto: Lucas Guarnieri Marteli

Rastreio

Marcos Luppe, que é professor do curso de marketing da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, a EACH, explica que nesse modelo de negócio é fundamental que as empresas rastreiem os hábitos dos consumidores. 

Os usuários são divididos por gênero, idade, localização geográfica, e têm suas preferências de consumo registradas. A empresa então sabe quais itens estão sendo procurados, por quem e em que momentos – e consegue ajustar os produtos oferecidos em função disso.

“Numa loja dessa, eu consigo saber que o público de tantos a tantos anos compra mais em determinado horário, e o que compra”, diz Luppe. “Eu consigo saber quais vão ser os períodos de maior compra durante o mês e ao longo do dia – de manhã é a mãe, de noite são os jovens – e no final de semana eu sei que vou precisar ajustar minha combinação de produtos e colocar mais marca de cerveja, por exemplo”.

A política de privacidade disponível no site da Market4u explica que a empresa de fato faz esse rastreio de comportamento, coletando e armazenando “automaticamente algumas informações sobre a atividade dos usuários do aplicativo, […] como as telas visitadas, o tempo gasto em cada uma, os botões que foram clicados, as buscas realizadas, o endereço IP, geolocalização do aparelho, entre outras”. 

A empresa diz ainda que poderá “usar, divulgar e transferir para quaisquer finalidades” informações não pessoais –  que distinguem os consumidores por hábitos de consumo mas não permitem identificá-los individualmente – como idade, preferências, idioma, CEP e código de área.

Quem também observa os hábitos de consumo no mercadinho do condomínio é o gerente predial Adécio José do Carmo, que foi o responsável por trazer a Market4u para dentro do edifício Golden Tower, no bairro da Vila Clementino, capital paulista. 

“Eu vejo, constantemente, os adolescentes”, conta ele. “Eles estão sempre focados naqueles produtos de sempre. Coca-Cola, bolacha, pão, essas coisas”. 

Adécio explica que o condomínio ganha uma porcentagem sobre as vendas da Market4u – ele não quis dizer qual, exatamente, mas contou que no primeiro mês o valor recebido foi de R$ 54 – e exalta a Market4u pela praticidade: “O pessoal não precisa se locomover, não precisa sair do prédio nem do apartamento para outros lugares. Ficou bem mais prático, bem mais fácil”.  

Segundo declarações do CEO da Market4u Eduardo Córdova ao Valor Econômico, a empresa tinha planos de chegar a 10 mil pontos de venda no Brasil até o final de 2021, o que, pelo menos segundo informações do site da empresa, ainda está longe de ocorrer – hoje são duas mil unidades. 

Entre as competidoras no segmento estão empresas que já tinham negócios no mercado varejista tradicional, como a Americanas – que em novembro do ano passado inaugurou uma loja autônoma no aeroporto Tom Jobim, do Rio de Janeiro – e Hirota, que em 2021 tinha cerca de 70 pontos de venda autônomos dentro de condomínios na cidade de São Paulo. 

A Market4u foi procurada para comentar a matéria, mas não respondeu até o momento da publicação. Caso a empresa encaminhe um posicionamento, ele será adicionado ao texto. 

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