Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável considera que declarações de William Dib a favor da indústria criam ‘insegurança’ em debate sobre alertas nos rótulos
A Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável declarou “enorme perplexidade” diante da postura do novo presidente da Anvisa, William Dib. A coalizão de organizações e pesquisadores critica a defesa do ex-deputado em relação ao modelo de rotulagem frontal proposto pela indústria de alimentos ultraprocessados, na contramão de relatório técnico aprovado pela Diretoria Colegiada – inclusive com o voto dele.
“Essas afirmações estão totalmente distantes de tudo o que os diretores da agência vinham manifestando até o momento em reuniões recentes realizadas com membros da Aliança e totalmente contrárias às conclusões divulgadas oficialmente pela sua área técnica”, diz nota emitida pela Aliança na sexta-feira (28), após mais uma entrevista de Dib. A coalizão é formada por uma série de organizações, entre elas a ACT Promoção da Saúde, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o Greenpeace e o movimento Slow Food.
Agora, ao jornal Folha de S. Paulo, Dib foi ainda mais explícito na defesa do modelo de rotulagem sonhado pela Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia). O ex-deputado pelo PSDB se alinha ao semáforo que mostra as cores verde, vermelho e amarelo para nutrientes críticos. As evidências científicas mostram que esse sistema não é eficaz em mudar hábitos de consumo.
Em maio, a diretoria aprovou documento no qual concluía que alertas são o melhor sistema. As advertências foram adotadas pela primeira vez no Chile, em 2016, e desde então aprovadas no Peru, no Uruguai e no Canadá. No caso brasileiro, a ideia era avisar o consumidor sobre o excesso de sal, açúcar e gorduras saturadas.
“É imprescindível que o presidente da agência recém-empossado manifeste-se em nota oficial sobre o conteúdo das entrevistas concedidas aos jornais, na medida em que suas falas, se confirmadas, levantarão a inevitável suspeita de uma intervenção política no processo regulatório, por pressão de representantes de indústrias de alimentos descompromissadas com o objetivo e com a lisura neste processo regulatório”, continua a Aliança.
Recentemente, representantes da Abia tiveram reunião com Michel Temer e explicitaram o desejo de nomeação de um presidente da agência “alinhado” aos anseios do setor privado. Na conversa com Natalia Cancian, da Folha, Dib informou sobre quais prioridades o presidente da República lhe transmitiu: “A Anvisa não pode ser obstáculo para nada, mas tem que ser parceira na qualidade.”
O ex-deputado tampouco fez questão de esconder que a saída de Jarbas Barbosa, diretor-presidente e responsável pelo relatório aprovado em maio, foi o mote para virar o jogo. “Ele saiu e mudou o relator. Não podemos imaginar que isso [o semáforo] seja vetado.” Até então, o semáforo era carta fora do baralho, um dos motivos pelos quais a Abia havia ingressado com ação na Justiça Federal. Durante a primeira etapa de consulta pública, a associação ameaçou novamente judicializar o caso se seu modelo não voltasse à disputa.
Além disso, Dib deu a entender que a implementação da medida será estendida ao longo de vários anos, apesar da manifestação de milhares de pessoas de que o prazo ideal seria de no máximo um ano. Ele deixou no ar ainda a possibilidade de adotar um modelo intermediário, uma lupa como a que se aventa no Canadá, e que não foi submetida a estudos científicos.
Para a Aliança, as manifestações de Dib, “se confirmadas, representam um péssimo sinal de como as regulações da Anvisa passam a ser conduzidas, a partir de agora, com perda da autonomia técnica de seu corpo de servidores, sem transparência e coerência nos processos”.
A coalizão de ONGs conclui recordando que o antecessor de Dib havia sido explícito na conclusão de que a análise das evidências científicas demonstrava que os alertas eram o modelo correto. “A diferença entre as manifestações do presidente anterior e do atual da Anvisa, divulgadas pela imprensa, demonstra a brutal insegurança jurídica e técnica que a atividade regulatória fica submetida logo nos primeiros dias da mudança de gestão. Trata-se de um forte sinal de alteração dos rumos do processo técnico por uma imposição de cunho político. Essa alteração de objetivos e premissas para atender o pleito focado nos lucros das empresas reguladas e em interesses políticos escusos coloca em crise de confiança a Agência Reguladora até então mais respeitada pelas boas práticas regulatórias.”