Documento da organização para alimentação e agricultura reitera que a prioridade deve ser a de proteger os trabalhadores do setor
Pode maneirar no álcool em gel. Diferentemente do que se acreditava no início da pandemia, a transmissão do coronavírus Sars-cov-2, causador da Covid, é muito rara ao tocar em superfícies contaminadas e não ocorre através de alimentos, seja pela ingestão ou seja pelo contato com embalagens. A essa altura, é verdade que essa constatação pode parecer óbvia, mas agora é um dado oficial, chancelado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).
A FAO publicou, no início deste mês, um guia atualizado com as diretrizes para prevenir a infecção do coronavírus em indústrias e estabelecimentos ligados à produção e venda de comida. O recado é simples: as práticas de higiene aplicadas nestes locais já são suficientes para evitar contaminação de alimentos e superfícies. O mais importante, de acordo com a entidade, é concentrar esforços para evitar a transmissão do vírus entre trabalhadores.
“Os dados atuais indicam que nem alimentos nem as embalagens de alimentos são um meio de propagação de vírus causadores de doenças respiratórias, incluído o Sars-cov-2. Em outras palavras, o Sars-cov-2 não é diretamente uma preocupação sanitária alimentar”, afirma o documento.
Quando casos de Covid começaram a surgir fora da China, onde as primeiras infecções foram confirmadas, ainda não se tinha certeza sobre os meios de transmissão do patógeno. A despeito de ser uma enfermidade que afeta sobretudo as vias respiratórias, a comunicação voltada a prevenir a transmissão da doença deu, naquela época, especial atenção à limpeza de objetos pessoais e de superfícies.
Hoje, sabe-se que as principais vias de transmissão do coronavírus são pela aspiração de perdigotos ou a inalação de aerossóis, pequenas partículas invisíveis que permanecem no ar após serem liberadas quando alguém fala, canta, grita ou respira, vindos de pessoas infectadas.
Mas, naquela época, as mensagens sobre aumentar os cuidados com limpeza foram amplificadas acompanhando a divulgação de estudos científicos que diziam que o Sars-cov-2 poderia permanecer ativo —isso é, com capacidade de infecção— por até 72 horas em materiais como papelão, plásticos e aço inoxidável. Essas informações vieram junto de uma preocupação crescente com a higienização de alimentos e de embalagens.
Quem não se lembra de imagens de profissionais de limpeza lavando o interior de ambientes que ficaram anos sem ver um pano de chão? Ou, talvez, quem nunca se viu diante da situação de chegar com as compras em casa e encher o escorredor de louça com latas, garrafas e pacotes lavados com detergente?
É por essas e por outras que nós, n’O Joio e O Trigo, reconhecemos mea culpa. Na mesma época que uma avalanche de informações —e dúvidas— foi despejada sobre o coronavírus, até então, pouco conhecido, publicamos uma reportagem alertando sobre os cuidados que a disseminação do coronavírus despertava na preparação e armazenamento de alimentos.
As informações e o alarde daquele texto estavam equivocados. Em primeiro lugar, as pesquisas sobre duração do vírus em superfícies ocorreram em um ambiente minuciosamente controlado, com monitoramento de temperatura, pressão e outras variáveis. Isso é, trata-se de uma situação em muito distante daquela que se passa no mundo real.
“É importante notar que, apesar da detecção do vírus ou partículas virais em alimentos e embalagens, (…) não há confirmação do Sars-cov-2, ou qualquer outro vírus causador de doenças respiratórias, sendo transmitido por alimentos ou embalagens de alimentos e causando doenças em pessoas que tocam os produtos ou embalagens alimentares contaminadas”, declarou a FAO.
Depois, deve-se reconhecer que já existem, de antemão, alguns cuidados para evitar a contaminação ao manipular alimentos. E o documento da organização é claro em reconhecer que eles já são suficientes.
“Embora não sejam projetadas especificamente para a prevenção de Covid-19”, diz o comunicado da FAO, “boas práticas de higiene, limpeza e saneamento, zoneamento de áreas de processamento, controle de fornecedores, armazenamento, distribuição e transporte, higiene pessoal e avaliação de aptidão para o trabalho” devem ser mantidas.
Proteção aos trabalhadores
O guia divulgado no início deste mês ressalta, por outro lado, que, no caso do Sars-cov-2, garantir a proteção dos trabalhadores do ramo alimentício é uma prioridade muito maior do que lustrar superfícies. Nele, a FAO enfatiza a necessidade de manter e reiterar práticas como o uso de máscaras, fazer o distanciamento social e assegurar a renovação do ar no local de trabalho, bem como fazer a higienização constante das mãos.
“É importante para a indústria de comida e para as autoridades regulamentar o setor para proteger todos os trabalhadores contra a transmissão de pessoa para a pessoa desses vírus [respiratórios], ao providenciar um ambiente laboral seguro, promovendo medidas de higiene pessoal e propiciando treinamentos sobre princípios de higiene em alimentos”, diz o documento.
A mensagem também pode soar óbvia, mas toca num ponto nevrálgico desde o início da pandemia. As fábricas de alimentos têm sido palco de alguns dos piores surtos de infecções por Covid. Ao longo do último, por exemplo, mostramos que o setor de frigoríficos não só vivenciou diversas crises de espalhamento da doença, como é um local recorrente de transmissão de vários tipos de zoonoses.