Em entrevista para o Joio, representante do maior app de delivery do Brasil comenta a relação com prestadores de serviço e diz que a empresa defende direitos trabalhistas
Diferentemente de posicionamentos que já adotou, o iFood não tem uma estratégia para fazer com que as pessoas parem de cozinhar. Isso é o que diz, pelo menos, Arnaldo Bertolaccini, diretor de Experiência do Usuário da empresa. Em entrevista para O Joio e O Trigo, o porta-voz do aplicativo disse que muitas pessoas viram que o iFood é “uma forma de consumo e otimização do tempo” que permite “se dedicar a outras atividades como lazer, ficar com a família e estudos”.
Bertolaccini ainda afirmou que a empresa busca oferecer melhores condições de atuação para entregadores vinculados à plataforma. As palavras dele endossam uma opinião que o iFood adotou recentemente: defender uma mudança nos direitos trabalhistas para que contemplem pessoas que têm como fonte de renda o trabalho em plataformas digitais — não só no delivery, mas em outras atividades também. A empresa assumiu essa postura ao jornal O Estado de S.Paulo, em uma entrevista publicada dias antes da conversa com o Joio.
Como exemplo de medidas para um trabalho mais digno, o diretor da empresa menciona a oferta de planos de saúde de baixo custo aos entregadores e um aumento de ganhos que, segundo ele, é de R$ 25,23 ou de “cinco vezes o valor pago por hora do salário mínimo vigente”, em 119 horas no mês.
Tais argumentos colocados pelo porta-voz da empresa, no entanto, são contestados por alguns depoimentos tomados por esta reportagem. Já relatamos casos de trabalhadores que precisam recorrer a marmitas doadas na rua para conseguir economizar dinheiro. Além disso, os entregadores contrariam as informações sobre ganhos na plataforma: segundo dizem, é comum que, mesmo com o app offline, tenham que permanecer à espera de novos pedidos.
Esta entrevista é a última parte da série Comida Cibernética, que aborda as relações crescentes entre alimentação e tecnologia digital. As perguntas foram respondidas por e-mail, após a recusa de um pedido para que ocorressem por videoconferência, olho no olho — negativa esta que foi justificada pela agenda dos porta-vozes da empresa. Ademais, a negociação para a publicação dessa entrevista levou pelo menos três meses, tendo sido adiada em mais de uma ocasião.
Confira a conversa com o iFood abaixo, na íntegra. Nela, falamos também da relação da plataforma com bares e restaurantes e dos investimentos da empresa em inovação.
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Pergunta — O iFood tem já dez anos de existência. No mesmo setor de delivery, no entanto, há outras plataformas e empresas que surgiram e não obtiveram o mesmo sucesso. A seu ver, qual foi o diferencial do iFood para colocá-lo como a empresa líder de sua área no Brasil?
Resposta — A chave do crescimento no nosso setor é a capacidade de prestar um bom serviço. Investimos muito em pessoas e tecnologia. Temos mais de quatro mil funcionários e, dentre eles, mais de mil engenheiros pensando dia e noite em como melhorar nossa entrega para todo o nosso ecossistema (clientes, restaurantes/mercados e entregadores).
Ganhamos recentemente o prêmio Reclame Aqui de melhor empresa do Brasil em atendimento e também o Prêmio iBest na categoria Delivery. Nosso NPS, indicador que mede o nível de satisfação dos clientes, é o melhor do mercado. Junto aos entregadores também somos o aplicativo melhor avaliado. Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva em fevereiro de 2021 com 2.643 entregadores, 79% deles preferem o iFood.
De acordo com informações da empresa, há pelo menos três fundos de investimento que fizeram aportes importantes no iFood. Como os recursos injetados por estes fundos foram utilizados?
Nos últimos anos, o nosso foco tem sido tecnologia — é para essa área que a maioria dos investimentos vão. Em 2019, ingressamos no mundo da Inteligência Artificial e adquirimos a Hekima, empresa brasileira especializada em IA, no início de 2020. Desde então, a tecnologia melhorou muito o nosso negócio.
O impacto de IA ocorre em diversos momentos com entregadores, restaurantes ou consumidores. Na área de logística do iFood, por exemplo, todo o processo de alocação de pedidos segue critérios e algoritmos que fazem a melhor combinação de modais. Dependendo da distância entre restaurante e cliente, terreno a ser percorrido e tempo total da entrega escolhemos os modais mais adequados e eficientes para cada pedido.
A tecnologia já permitiu reduzir a distância percorrida pelos entregadores em 12%, por exemplo. Ao saber o tempo de preparo dos pratos e outros fatores, é possível prever o alocamento do pedido ao entregador e seu tempo de chegada ao restaurante.
Em peças de propagandas e em posicionamentos da empresa na imprensa, é recorrente dizer que o iFood quer “acabar com a cozinha”. Por que este se tornou um mote da plataforma?
A posição do iFood é levar cada vez mais praticidade para as pessoas. Para milhões de consumidores, o delivery era algo que remetia à pizza do fim de semana. Hoje nossos clientes já reconhecem o iFood como um serviço essencial que oferece opções de consumo para todos os gostos e bolsos. Assim como o iFood não quer acabar com o hábito de cozinhar, o iFood não acredita que o caminho do futuro é que os restaurantes migrem apenas para o delivery.
Com a mudança de hábito, as pessoas passaram a lembrar do delivery em todas as horas do dia e há experiências distintas que se complementam. O que vimos é um processo de aceleração da digitalização, em que os estabelecimentos parceiros do iFood passaram a contar com uma nova forma de negócio, muitos se reinventaram e se adaptaram para oferecer também no delivery uma experiência única de conexão com seus clientes; ou utilizam o serviço como complemento de renda e expansão dos seus negócios.
Para isso, investiram em embalagens, ingredientes e até o preparo e a montagem dos pratos ganharam novas dinâmicas para que o cliente tenha a sua experiência em casa e os consumidores responderam positivamente. Assim acontece com o consumidor que viu no delivery uma forma de consumo e otimização do tempo, para se dedicar a outras atividades como lazer, ficar com a família e estudos.
O início da pandemia no Brasil, em março do ano passado, fez disparar o uso da plataforma. Como a empresa se preparou para atender uma demanda que cresceu tão rápido em um período tão curto?
Investimos em tecnologia e na contratação de profissionais, como sempre fizemos. A tecnologia é essencial no nosso negócio, então trabalhamos constantemente para aperfeiçoar a nossa plataforma, a fim de melhorar a experiência dos nossos parceiros e consumidores.
Diante da nossa responsabilidade como a maior plataforma de delivery do país, entendemos o nosso papel e contribuição com o bem-estar e a segurança, inclusive financeira, de todo o nosso ecossistema. Por isso, concentramos muitos investimentos na proteção dos entregadores e no apoio aos restaurantes.
Até agora, foram cerca de R$ 133 milhões de reais investidos em fundos de apoio aos entregadores, com ações como seguro de vida e em caso de acidentes, equipamentos de proteção contra a Covid-19, fundos solidários para entregadores do grupo de risco e com sintomas de Covid-19. Para os restaurantes, foram R$ 200 milhões para apoio financeiro, além da antecipação de R$ 4 bilhões em recebíveis.
Em uma de nossas reportagens, ouvimos diversas queixas de bares, restaurantes e outros estabelecimentos sobre o custo das tarifas cobradas pelo iFood. Eles dizem que o atendimento da empresa piorou após o início da pandemia no Brasil. Como a empresa está respondendo a essas reclamações?
O iFood está diariamente comprometido a criar diversas iniciativas para melhorar a experiência de todas as pontas do ecossistema: restaurantes, entregadores e consumidores. Essas iniciativas são baseadas em escuta ativa e constante, pesquisas, além de transparência no relacionamento. Como falamos, a chave do crescimento no nosso setor é a capacidade de prestar um bom serviço.
Recebemos reconhecimentos importantes do setor como o Prêmio Reclame Aqui 2020 – escolhido por júri popular – com o título de Empresa Super Campeã, sendo considerada uma referência entre as mais de 130 categorias da maior premiação de atendimento do Brasil. Fomos a empresa que mais acumulou pontos em toda a história dessa premiação e em 2021 fomos eleitos pela terceira vez consecutiva na categoria alimentos/serviços. A título de exemplo, em 2020, 99,9% das reclamações sobre o iFood no Reclame Aqui foram respondidas.
Nosso NPS, indicador que mede o nível de satisfação dos clientes, é o melhor do mercado. Junto aos entregadores também somos o aplicativo melhor avaliado. Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva em fevereiro de 2021, com 2.643 entregadores, 79% deles preferem o iFood. O iFood também foi reconhecido na sétima edição do Prêmio Experiência do Cliente 2020, que aconteceu no início de dezembro do ano passado, premiada por seus cases em Cultura Centrada no Cliente, engajando clientes e colaboradores; Métrica (NPS), por ter melhor gestão de métricas, e Prêmio Destaque, por ser a participante que que mais somou pontos em todas as categorias.
Aos restaurantes parceiros, destinamos R$ 200 milhões para que pudessem operar de maneira sustentável, mantendo renda e a geração de empregos. Para manter o caixa equilibrado, R$ 4 bilhões foram antecipados em recebíveis. Em apoio aos nossos parceiros, o iFood desenvolveu um programa piloto de parcerias que oferecerá descontos e facilidades nas despesas mensais dos restaurantes cadastrados no aplicativo.
O programa conta com empresas que proporcionam uma redução de custos em contas de gás, luz e internet, entre outros, para os proprietários dos estabelecimentos. Os benefícios negociados com as empresas parceiras são descontos de 15% a 50%, prazo de pagamento estendido, redução de prazos contratuais (12 meses vs. 6 meses) e atendimento e suporte 24/7.
Em março, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) impediu o iFood de celebrar novos contratos de exclusividade, e a empresa responde a denúncias de formação de monopólio e de práticas anti-concorrenciais. O que o iFood argumenta contra essas acusações?
O iFood recebeu com tranquilidade a decisão da Superintendência Geral do CADE, que mantém em vigor os contratos firmados pela empresa com os seus parceiros exclusivos. Temos convicção de que as políticas comerciais que praticamos são legítimas e pró-competitivas, e beneficiam especialmente os próprios restaurantes. A empresa seguirá cooperando com o CADE, como sempre fez, para esclarecer quaisquer dúvidas e preocupações que a autoridade possa ter.
Entregadores vinculados à plataforma reclamam de falta de apoio, baixa remuneração e não reconhecimento de condições de segurança. Na Justiça, há processos que correm buscando reconhecer um vínculo empregatício mínimo. Por que o iFood não reconhece vínculo trabalhista com os entregadores ligados à plataforma?
Seguimos evoluindo no diálogo com os entregadores, melhoramos o nosso processo de escuta, ampliamos os ganhos dos parceiros e demos melhores condições de atuação na plataforma. Além disso, acabamos de anunciar publicamente que o iFood defende que haja uma regulamentação que garanta segurança, ganhos mínimos e proteção social ao entregador que trabalha com plataformas digitais, sem comprometer sua autonomia e liberdade de escolha ao exercer a atividade.
Segundo pesquisa recente do Instituto Locomotiva, realizada com 2.643 entregadores, 67% dos entregadores afirmam preferir o atual trabalho como entregador ao trabalho anterior, inclusive dentre os que trabalham atualmente com carteira assinada e 63% dos entregadores iFood afirmam que a sua renda é maior que a renda anterior.
Atualmente todos os entregadores do iFood têm acesso à rede privada de saúde a baixo custo (consultas médicas e odontológicas, exames, consultas psicológicas e medicamentos) e ao seguro de acidentes pessoais. O pacote de vantagens em saúde é feito em parceria com a AVUS e não tem mensalidade.
A empresa oferece preços acessíveis e descontos de até 80% em consultas médicas, odontológicas, exames, medicina de apoio, medicamentos e farmácias credenciadas. As vantagens são válidas também para um dependente de escolha do entregador, sem a necessidade de vínculo familiar. Hoje, são 41 mil entregadores e 28 mil dependentes cadastrados. O índice de satisfação com o benefício é de 94%.
O seguro de acidentes pessoais não possui valor mínimo de franquia, que é comum em seguros, e é válido inclusive para os casos retroativos. O seguro contempla a cobertura das rotas de entregas e ainda o retorno do entregador para casa, com limite de até uma hora ou 30 quilômetros depois da última entrega. Para aqueles que usam bicicleta, o período sobe para duas horas, mantida a distância de 30 quilômetros. O seguro cobre atendimento médico e odontológico de emergência, invalidez permanente total/parcial e morte acidental.
Sobre os ganhos, aproximadamente 48,7% dos entregadores ficam menos de 25 horas logados no aplicativo durante o mês. Ou seja, pouco mais de 6 horas por semana. 51,3% dos entregadores ficam mais de 25 horas logados, com uma média de 119 horas no mês.
O ganho por hora trabalhada hoje é de R$ 25,23 (cinco vezes o valor pago por hora do salário mínimo vigente). Cerca de 80% das entregas do iFood são feitas por parceiros que ganharam, no mês, mais de R$1.300 utilizando a plataforma por cerca de 120h no período (algo como quatro horas por dia). A recente pesquisa do Instituto Locomotiva revela que 59% dos entregadores do país ganham mais com os aplicativos do que com o trabalho anterior.
O iFood anunciou que está investindo em entregas com drones, além de outras mudanças na plataforma, entre outros. Atualmente, quais são as principais apostas da empresa em inovação?
Nos últimos meses, temos focado muito em inovar as nossas operações para que sejam mais sustentáveis. Queremos entregar para o meio ambiente mais do que consumimos dele: esse é o principal objetivo do iFood Regenera, nosso programa de metas ambientais. Seremos a primeira empresa no Brasil a ter impacto ambiental positivo no delivery.
Estruturamos nosso programa em duas frentes: plástico (vamos zerar a poluição plástica nas nossas operações de delivery até 2025) e CO2 (vamos neutralizar a nossa emissão de carbono até 2025, sendo que 50% das nossas entregas até 2025 devem ser feitas por modais não poluentes). Inclusive, os investimentos em drones, robôs autônomos, bicicletas e motos elétricas fazem parte do iFood Regenera.
Iniciamos uma parceria com a Voltz, montadora de motos elétricas. Atualmente, veículos elétricos não são uma realidade no Brasil como são em outros países. Estamos investindo para mudar esse cenário. Hoje temos o projeto piloto com 30 motos elétricas que já estão sendo testadas pelos entregadores em São Paulo. Após esse período, a expectativa é chegar a mais de 10 mil motos nos próximos 12 meses.
Agora em julho anunciamos a compensação antecipada da emissão de CO2 de 100% das nossas entregas. O objetivo é neutralizar os impactos causados pela emissão de CO2 nas operações de delivery do iFood no país. Os recursos serão investidos em projetos de preservação ambiental da Floresta Amazônica. Em parceria com a startup ambiental brasileira Moss.Earth, realizamos o inventário de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), somando todos os níveis de emissão, tanto os de responsabilidade direta quanto indireta da empresa. Assim, a empresa sabe quanto emite de CO2 em cada entrega e consegue neutralizá-las de antemão.
Na frente de plástico, temos atuado por meio do iFood Shop, nosso marketplace voltado para restaurantes, com uma seção de “Embalagens Sustentáveis”, a fim de incentivar parceiros a escolherem opções menos agressivas ao meio ambiente. Entre dezembro/2020 e abril/2021, triplicamos a quantidade de fornecedores de embalagens sustentáveis no iFood Shop, que, em 2020, vendeu mais de 300 mil destes itens.
A Já Fui Mandioca, por exemplo, é um dos fornecedores e vende suas embalagens feitas a partir de mandioca no iFood Shop. Em junho anunciamos nossa parceria com a Suzano, referência global na fabricação de bioprodutos desenvolvidos a partir do cultivo de eucalipto, para reduzir o uso de itens plásticos nas entregas de alimentos. As empresas desenvolverão diversas soluções de incentivo para o uso de materiais mais amigáveis ao meio ambiente, como embalagens biodegradáveis, tornando o delivery mais sustentável.