Em evento, presidente da Anvisa e indústria de alimentos fazem juras de ‘relação estreita’

Cardiologista William Dib recebe elogios de empresas e afirma que nem todo setor precisa de regulação

Em um encontro organizado pela indústria de alimentos, o diretor-presidente da Anvisa, o cardiologista William Dib, disse ter “uma oportunidade de a Agência Nacional de Vigilância Sanitária estreitar diálogos e problemáticas e encontrar interfaces” com empresas e consumidores. Ele participou de um painel no segundo dia da ANUFOOD Brazil, nesta quarta-feira, 14, em São Paulo, uma das principais feiras alimentícias do mundo.

O chefe da agência foi convidado a falar sobre o papel do órgão nas regras de produção, compra e venda de comida. Dib dividiu a apresentação com o presidente do conselho da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), Wilson Mello, de quem recebeu muitos elogios.

“Queria cumprimentar o presidente da Anvisa, William Dib, pela postura sempre aberta, colaborativa e a maneira como vem conduzindo a presidência da Anvisa. Nós, da indústria de alimentos, somos muito gratos pela transparência e pela abertura que a agência tem dado para discutir todos os temas de nosso interesse. A Anvisa tem feito um trabalho excelente nos últimos anos. Muito obrigado!”, afirmou Mello, em tom quase emocionado.

A gratidão da indústria toca em um ponto da gestão do cardiologista. Desde que assumiu a chefia da Anvisa, em 21 de setembro do ano passado, Dib tem mostrado uma proximidade nada republicana com a indústria. Ele provocou mudanças nas discussões sobre a rotulagem frontal de alimentos – um caso de que já falamos – pronunciando-se publicamente em defesa do modelo de semáforos, favorito das empresas de ultraprocessados. Além disso, reuniu-se a portas fechadas com representantes da Coca-Cola, outra história que revelamos aqui no Joio.

Esse tipo de conduta levou organizações da sociedade civil a declarar “enorme perplexidade” com a postura do cardiologista à frente da agência. As entidades criticam a relação dele com o setor produtivo, baseando-se com o que ocorre com as empresas de tabaco.

Como cigarros são produtos reconhecidamente danosos à  saúde, as companhias do ramo são proibidas por um acordo mundial de opinar nas regras sobre consumo e publicidade. Da mesma forma, os alimentos ultraprocessados, a maioria deles com excesso de sal, gordura, aditivos e açúcares, deveriam ser impeditivos para que as companhias do setor participassem dos debates sobre regulação.

Na palestra, Dib, no entanto, afirmou que é importante que o setor regulado participe.

“A agenda regulatória da Anvisa é o que vai dar previsibilidade. Ela não vai surpreender nem o mercado nem o cidadão comum. Então, é fundamental a participação social na construção da agenda regulatória. É fundamental para nós da agência que não só o consumidor, mas o setor regulado, participe desse processo”, enfatizou.

Ao fim do painel, ele conversou com a nossa reportagem. Questionamos o que ele queria dizer ao falar em “estreitar problemáticas”. Dib respondeu que se tratava de ouvir com o mesmo peso tanto a indústria quanto os consumidores.

“O diálogo é o jeito mais curto de você errar menos. A posição da Anvisa é sempre fazer a análise com um único objetivo: a saúde do consumidor. Nossa preocupação é que o consumidor esteja ciente dos riscos de um produto e possa comparar um com o outro”, disse.

Também perguntamos sobre as  manifestações sobre a rotulagem frontal de alimentos. Dib disse que não interferiu no processo em curso na Anvisa. Segundo ele, houve um engano: confundiu-se a tomada pública de subsídios, da fase inicial, com as audiências, que estão no final. O relatório com o parecer da agência sobre o assunto deverá ser publicado nos próximos meses, junto da última consulta pública.

O cardiologista ainda afirmou que nem todo setor precisa ser regulado pelas agências do Estado. Segundo ele, há casos de autorregulação empresarial que são bem-sucedidos. O diretor da Anvisa citou como exemplos os acordos de diminuição de gordura, sal e açúcar assinados nos últimos anos pelo Ministério da Saúde com as empresas de alimentos.

Ocorre que em todas essas iniciativas, apesar de a indústria afirmar que cortou toneladas de sal e açúcar, os principais produtos, como barras de cereal, chocolates, sucrilhos e outras porcarias ficaram de fora, como no caso mais recente, do acordo sobre o açúcar. Dib disse ao Joio que esse não é um problema da alçada da agência.

“Quem fez o acordo foi o Ministério da Saúde. Se o Ministério da Saúde disse que o sucrilhos pode ficar de fora… A Anvisa está colocando o seguinte: a autorregulação é um dos mecanismos de fazer as coisas. Não precisa tudo ser regulamentado pelo Estado”, destacou.

Foto em destaque: Agência Senado

Exclusivo: presidente da Anvisa acenou à indústria de alimentos antes de nomeação

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