Divulgação/Governo do Estado de São Paulo

Sob chefia de cartola da indústria, órgão do governo de SP nega informações

Investe SP não responde sobre cargos comissionados; agência pública está sob comando de ex-executivo da Danone

Sob o comando de um cartola da indústria de alimentos, a Agência Paulista de Promoção de Investimentos e Competitividade (Investe SP), ligada ao Governo do Estado de São Paulo, não atendeu a pedido feito pela Lei de Acesso à Informação (LAI) há três meses. O Joio e O Trigo solicitou que a Investe SP, chefiada por Wilson Mello, ex-executivo da Danone, informasse todos os cargos comissionados, com nome e função dos servidores.

A agência requisitou, de imediato, prorrogação do tempo para resposta, mas, expirado o prazo, não retornou nem ofereceu explicações. Tampouco, atendeu aos recursos protocolados.

O requerimento foi feito em 16 de setembro e registrado no Serviço Integrado de Informações ao Cidadão, que recebe pedidos da LAI no governo paulista. A partir da data, a resposta deveria vir em até 20 dias. Em 4 de outubro, a Investe SP solicitou que o prazo fosse estendido por dez dias. Encerrado esse período, no entanto, continuou a não responder.

A Investe SP pediu a prorrogação do prazo afirmando que, naquele momento, concluía a contratação de funcionários. Curiosamente, um pedido semelhante dirigido, na mesma data em setembro, à Secretaria Estadual da Fazenda e Planejamento foi atendido. Ao que tudo indica, passados os três meses, a admissão de servidores na Investe SP ainda não acabou. Haja vaga de emprego…

Questionamos a assessoria de imprensa da agência sobre a demora em nos atender. Também a informamos que editaríamos um texto sobre o não cumprimento da solicitação de acesso aos dados da Investe SP — que são públicos. Até a publicação desta reportagem, ela não se manifestou.

Ao não receber resposta nestes três meses, o Joio protocolou recursos na primeira, na segunda e na terceira instâncias responsáveis por verificar o cumprimento da LAI. Quando um pedido de acesso à informação não é atendido, essa é uma medida cabível a qualquer cidadão. O decreto que dita o funcionamento da lei no estado de São Paulo estabelece que, em caso de negativa a uma solicitação, é possível recorrer em até três níveis.

A reportagem interpôs, sem sucesso, um recurso à Investe SP, após o pedido não ser atendido pela primeira vez, quando o prazo prorrogado expirou.

Não havendo resposta, acionou a Ouvidoria Geral do Estado na segunda instância. A responsável pelo setor, Vera Wollf Bava, reconheceu que a Investe SP não atendeu nem ao recurso nem ao requerimento original. “Pode-se inferir que o silêncio do órgão público equivale a uma resposta negativa, e imotivada, à demanda efetuada”, ela afirmou em documento que acata o recurso.

A ouvidora geral também determinou que a agência respondesse ao Joio, dizendo que é “imprescindível que o ente público se manifeste quanto à específica demanda de informações suscitada”. “No caso em tela, o acesso às informações requeridas pode estar assegurado pela Lei, não tendo sido apresentado até o momento qualquer argumento com vistas a excepcionar o paradigma de transparência promovido pela legislação vigente”, acrescentou.

Palavras ao vento. Após a Investe SP manter o silêncio, este repórter decidiu protocolar novo recurso à Comissão Estadual de Acesso à Informação (terceira instância). Como a decisão da Ouvidoria Geral do Estado determinava o arquivamento do pedido caso não houvesse manifestação em 15 dias, pareceu prudente recorrer com antecedência. Até a publicação desta reportagem, no entanto, não houve resposta.

Um cartola da indústria

O objetivo do pedido de acesso à informação era o de conferir se a Investe SP não estaria sendo aparelhada pela indústria de alimentos. Em outras palavras, a intenção seria a de verificar se um órgão público não poderia ser armado para favorecer interesses privados. Sinais de conflito de interesses na agência despertaram a atenção da reportagem, que requisitou o nome dos funcionários comissionados por meio da LAI.

É importante dizer isso, porque você pode não saber: a Investe SP está sob comando de um cartola da indústria de alimentos. O advogado Wilson Mello assumiu o comando da agência em 29 de março, mesmo dia em que deixou o cargo de presidente do conselho diretor da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia). Enquanto mantinha o cargo na Abia, ele também era secretário geral da multinacional Danone no Brasil. Ao rumar para o governo paulista, deixou os postos no setor empresarial.

Wilson Mello (à dir.) participa de entrevista coletiva no Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo (Foto: Divulgação – 29.mar.2019/Governo do Estado de São Paulo)

Aqui, um parênteses. Na Abia, Mello passou o bastão para Flávio de Souza, que é o vice-presidente de Assuntos Jurídicos, de Compliance, Assuntos Institucionais e Relações Governamentais da Nestlé. Esse é o cara que enviou duas cartas nada amistosas endereçadas à redação de O Joio e O Trigo e que ainda disse que não aceitaria o modelo de alertas com triângulos na rotulagem frontal de alimentos.

Gente fina à parte, chama a atenção a sólida carreira de Mello por empresas relacionadas à produção ou venda de alimentos ultraprocessados. Além da Danone, onde permaneceu por quatro anos, Mello foi vice-presidente de assuntos corporativos da BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão, durante três anos. Antes, ainda, foi por três anos vice-presidente de assuntos corporativos do varejista Wallmart Brasil. Todas as informações estão no perfil do executivo em uma rede social.

À frente do conselho da Abia, ele articulou a Rede Rotulagem. Trata-se de um compêndio de mais de 20 organizações patronais e da sociedade civil reunido com o objetivo de influenciar a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre a rotulagem frontal de alimentos. O grupo defendia que a Anvisa adotasse um modelo de selo em rótulos com o formato de semáforos. Procurada, a Abia afirmou que não iria comentar.

Mello chegou à Investe SP por indicação do governador João Doria (PSDB). O tucano exaltou o trabalho do executivo na iniciativa privada durante a posse na Investe SP. “[Ele é] um técnico, veio do setor privado, com experiência, inclusive internacional. Ele desenvolveu um amplo programa de internacionalização na BRF e, no caso da Danone, um programa de novos investimentos no Brasil”, afirmou Doria.

A declaração é mais um dos elogios públicos do governador paulista para com representantes das empresas de ultraprocessados. Em uma das principais feiras de tecnologia de alimentos do país, por exemplo, Doria chamou o atual presidente da Abia, João Dornellas, de “meu querido amigo”.

Este troca-troca de gente graúda da iniciativa privada por cargos públicos — e vice-versa — é chamado de porta giratória. A imagem é uma referência ao pessoal que começa a trabalhar em um setor e, pouco depois, está em outro. É um indício da possível existência de conflito de interesses, porque levanta dúvidas quanto à lisura na condução dos assuntos públicos de quem o faz.

A indicação de Mello, com a equipe a gente que ele trouxe e não conhecemos, soa os sininhos de vias permissivas de acesso do meio empresarial ao setor político.

No decreto da criação, a Investe SP declara que tem finalidade de promover políticas de desenvolvimento. A agência afirma priorizar programas que atraiam investimentos, reduzam desigualdades, fomentem a competitividade, a geração de empregos e a inovação. Ela tem várias frentes de atuação, uma delas é a alimentação. Segundo dados do órgão, o estado de São Paulo é líder da produção industrial de alimentos do país.

“A partir do sucesso de São Paulo a gente pode trazer muitos bons resultados e mudar a realidade, não só do povo paulista, mas também do povo do Brasil”, declarou Mello ao tomar posse da Investe SP.

Por Guilherme Zocchio

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