O Joio e O Trigo

Tira-gosto

Tudo o que sabemos sobre ultraprocessados

05.09.22 | Por Redação

Desde a publicação do Guia Alimentar para a População Brasileira, em 2014, os ultraprocessados passaram a ser oficialmente tidos como a categoria que deve ser banida da mesa para a formação de hábitos alimentares saudáveis, seja para as pessoas, seja para o planeta. Embora façam parte dos ambientes alimentares em que circulamos, os ultraprocessados não devem ser considerados alimentos, uma vez que a fórmula básica para existirem vem de ingredientes industriais que, aliados à uma tecnologia sofisticada que dá aparência e textura, faz com que seja difícil dar adeus a eles. 

Recentemente, evidências científicas que relacionam campo e prateleira têm somado para compreensão sobre os perigos para a saúde dos indivíduos e de toda uma sociedade submetida aos poderes das corporações que controlam esse sistema, em que desnutrição, obesidade e mudanças climáticas são três faces de uma mesma questão. 

1. O mote é criar confusão

Uma questão sempre colocada pela indústria é a moderação. Nessa toada, usam e abusam de instituições de fachada, como o International Life Sciences Institute (ILSI), que produz pesquisas recheadas de conflitos de interesse para incidir em espaços de tomadas de decisão sobre políticas públicas que, uma vez tocadas com seriedade e integridade científica, poderiam limitar a atuação dessas indústrias.  

Outro ponto que tem ganhado contornos mais explícitos é o conceito de nutricionismo: uma estratégia para reduzir a complexidade de um alimento a um único nutriente, que, muitas vezes, é adicionado à uma formulação básica da indústria dos ultraprocessados, para estampar alegações como “rico em proteínas”. 

Outras estratégias são bastante utilizadas nessa linha de erodir barreiras entre ciência e marketing. Uma delas é cooptar profissionais de saúde e entidades de classe de médicos para agir sorrateiramente. Um brinde lá e cá, um curso pago e você tem aliados dentro dos consultórios para sugerir ou receitar seu produto ao paciente. 

2. Pode a comida causar doenças?

A relação entre o consumo de ultraprocessados e doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) cresce a cada dia. Torna-se cada vez mais evidente que uma coisa leva à outra, não sendo possível atribuir as causas da obesidade, hipertensão, diabetes e outras doenças cardiovasculares somente ao sedentarismo e, muito menos, a uma responsabilidade do próprio indivíduo. A OMS e autoridades sanitárias mundiais indicam que 7 entre as 10 principais causas de óbitos são DCNTs. 

3. A questão da disponibilidade… 

A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE mostrou que entre 2002-03 e 2017-18, a disponibilidade calórica de ultraprocessados em nossa dieta foi de 12,6% para 18,4%. É preciso regular os ambientes para que as escolhas sejam tomadas em espaços que favoreçam mais a alimentação adequada e saudável. Hoje, os ambientes alimentares estão inundados por opções de comida pronta, hipercalórica e super palatável. Seja na escola, no metrô, ou na palma da mão, as escolhas não estão isentas da influência das corporações que controlam esses espaços onde adquirimos, comemos ou preparamos os alimentos. Fica difícil escolher uma banana quando o salgadinho de pacote é mais barato, ou simplesmente quando é a única opção. 

4. … e das facilidades

Os ultraprocessados são vendidos como práticos, deliciosos e modernos. É uma questão, muitas vezes, relacionada ao status. Retrabalhados de tempos em tempos, com forte apelo aos afetos dos sujeitos, os ultraprocessados passam a ocupar um lugar que está para além da questão da saciedade. O próprio termo “comida de verdade”, usado em contraposição aos ultraprocessados, já é alvo de apropriação pelas corporações. 

Outra facilidade encontrada por essas indústrias é justamente a questão dos preços. É barato produzir a partir de subprodutos das commodities, em processos de escala industrial e com vários aditivos para conferir sabor. Mas não só. Os ultraprocessados têm incentivos fiscais, enquanto alimentos in natura pagam mais impostos. E as notícias não são boas: uma pesquisa analisou as oscilações no valor dos itens alimentares até 2030 com informações do IBGE e concluiu que a comida saudável será mais cara do que a não saudável a partir de 2026. 

5. Do gourmet ao baratex, tem pra todos os bolsos

Espalhar os ovos em várias cestas é uma das especialidades das corporações. Tem ultraprocessados que custam centavos e uns que custam bem mais do que a maioria dos brasileiros pode pagar. A gourmetização desses produtos passa mais por um trabalho de imagem do que, necessariamente, pela diferenciação de qualidade dos ingredientes entre um e outro. Um método válido para comparar os produtos, pelos menos em termos de qualidade nutricional, é o aplicativo Desrotulando, que determina uma nota de 0 a 100 para cada produto da sua base de dados. Quanto mais próximo do 0, menos saudável. Vamos combinar de não nos enganar mais nesse aspecto, ok?

6. Tudo isso tem um custo 

Já falamos que os ultraprocessados têm incentivos fiscais pra serem produzidos. Mas o custo dessas indústrias aos cofres públicos não pára por aí. Também está na lista subsídios, operações artificiais, utilização de empresas fantasma em paraísos fiscais e muita enrolação pra diminuir o pagamento de impostos, prejudicando o Estado, os serviços públicos e, é claro, o cidadão. 

Não custa lembrar que, lá em 2017, ano de nascimento do Joio, a primeira palavra dada por este veículo dizia respeito justamente ao lobby da Coca-Cola na Zona Franca de Manaus, um paraíso fiscal completamente tomado pela indústria. 

7. Impactos ambientais…

Falar de comida é, também, falar de lixo. Mas não qualquer um. Aqui, falamos principalmente das embalagens de plástico de uso único em que os ultraprocessados vêm embalados. A Coca-Cola é a empresa que mais polui o mundo, que, atualmente, tem mais garrafas plásticas do que gente, mamíferos, prédios e carros. Essas embalagens são, antes de tudo, escolhas feitas pelas corporações, que decidem se o refrigerante vai na lata ou na garrafa, de vidro ou de plástico. Se não existir legislação que oriente essa escolha, quem vai fazer isso é o mercado, que regula os preços das matérias-primas.

8. … e exploração trabalhista

Não existe lucro sem exploração, certo? Certo. A mais latente é a uberização do trabalho, em que as plataformas de entrega de comida terceirizam os serviços e não garantem o mínimo para os trabalhadores. Dentro das fábricas a coisa se aprofunda: pessoas trabalhando à exaustão, doentes pelo próprio ofício, como denunciou o Joio em uma investigação sobre contaminação por brucelose em uma fábrica da JBS. Violação de direitos trabalhistas, tesouradas e cortes de salários, além de racismo e xenofobia. Essa é a realidade dos trabalhadores submetidos aos subempregos das corporações que dizem ser o motor da economia.


Referências:

Introdução:

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